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Reforma deve turbinar receita de municípios com setor financeiro e dar arrecadação inédita a Estados

Tributação desse segmento está concentrada principalmente na União, mas passará a ser repartida de forma mais igualitária entre governadores e prefeitos; regras constarão do próximo projeto de lei a ser enviado pela Fazenda

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BRASÍLIA - A reforma tributária tem o potencial de criar um novo filão de receitas para prefeitos e governadores: o setor financeiro. Hoje, a tributação desse segmento está concentrada principalmente na União, mas passará a ser repartida de forma mais igualitária entre os entes da federação. No caso dos municípios, isso significará turbinar uma arrecadação já existente, enquanto que para os Estados será um dinheiro inédito no caixa.

“Vamos distribuir essa arrecadação para todo o Brasil”, afirma ao Estadão o diretor de Programa da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, Daniel Loria. O advogado tributarista está à frente das discussões sobre a nova taxação de bancos e demais instituições financeiras e integra a equipe capitaneada pelo secretário Bernard Appy.

Daniel Loria, diretor de programa da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda. Foto: Washington Costa/Ministério da Fazenda

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Como a premissa da reforma é manter a carga tributária atual para todos os entes, os Estados poderão ter redução de outras fontes de receita ao longo do período de transição, com o objetivo de compensar eventual aumento desses ganhos financeiros. De toda forma, a vinculação com o setor bancário é vista com bons olhos, já que é um segmento com grande potencial de crescimento, sobretudo o mercado de crédito. Logo, se é um bolo que deverá crescer, será interessante ter uma fatia dele no médio e longo prazos.

As regras para a distribuição desses valores constarão do próximo projeto de lei complementar de regulamentação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). O texto, que já está mobilizando os governadores, trará o normativo referente aos entes locais e ao Comitê Gestor, órgão que vai gerenciar a arrecadação e distribuição do IBS, tributo que surgirá da unificação do ICMS (estadual) e do ISS (municipal).

Atualmente, os prefeitos só taxam uma parte restrita dos serviços financeiros, por meio do ISS, que incide apenas sobre tarifas e comissões; enquanto que os governadores não têm essa fonte de arrecadação, já que o ICMS não alcança esse setor. Com as novas regras, todo o segmento financeiro passará a ser alvo tanto da CBS, o IVA federal, como do IBS, o IVA local.

“Em regra, os municípios terão um aumento bastante considerável com esse setor de arrecadação”, diz João Urbano Dias, auditor da Receita no Distrito Federal e representante do Comitê Nacional dos Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz) no grupo de trabalho que tratou desse aspecto da regulamentação da reforma.

Ele estima que essas receitas municipais deverão, em média, se multiplicar por quatro nos cofres dos prefeitos, uma vez que a base de incidência do IBS, no âmbito do setor financeiro, será muito mais ampla do que a do ISS.

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Dias pondera, no entanto, que esse fator de multiplicação dependerá do volume de creditamento dos bancos. Isso porque, como a nova tributação será um IVA, cada etapa da produção pagará o imposto sobre o valor que adicionou ao produto ou serviço, descontando os impostos recolhidos nas etapas anteriores.

As exceções serão os municípios que hoje servem de sede para grandes bancos, como São Paulo e Osasco, além de Brasília. Essas localidades, que hoje concentram grande parte da arrecadação de ISS advinda do setor financeiro, deverão perder uma fatia dessas receitas, que serão pulverizadas pelo restante do País.

“Tem municípios muito pequenos, que são cidades-dormitório e nem agência de banco têm, então não recebem nada (de arrecadação sobre o setor financeiro). Às vezes, nem têm ISS, vivem de repasse dos 25% do ICMS e do fundo de participação dos municípios. Com a reforma, vão passar a ter uma receita própria”, afirma Dias.

Isso é explicado pelo modelo proposto para a divisão desses recursos, que terá duas regras. No caso da receita com a taxação das intermediações financeiras, que incluem os financiamento bancários, será aplicado o critério de compartilhamento do IBS, alcançando todos os municípios.

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De acordo com a equipe econômica, seria tecnicamente inviável fazer o filtro por operações e depois aplicar o critério do destino, que baliza a reforma tributária. Por isso a escolha dessa regra genérica, que poderá ser substituída por outra, futuramente, caso haja acordo entre prefeitos e governadores.

Já quando for possível identificar o tomador do serviço, aí valerá o critério do destino, com o envio da receita para a cidade onde a mercadoria ou o serviço foram efetivamente consumidos. Isso se aplicará, por exemplo, para cotistas de fundos de investimento, consórcios e meios de pagamento (nesse caso, vale o local do lojista).

Tributação ‘bagunçada’

Loria afirma que, hoje, a tributação do setor financeiro é “bastante bagunçada”, com três regimes de PIS/Cofins (dois tributos federais) convivendo simultaneamente, além do ISS (municipal), que incide apenas sobre taxas e comissões. Em nenhum deles é possível gerar crédito para os tomadores dos financiamentos.

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Há um primeiro regime para bancos, corretoras, distribuidoras, seguradoras, entre outros prestadores de serviços, que possuem uma alíquota de 4,65%, sem direito a crédito ao longo da cadeia, mas com deduções da base de cálculo.

Um segundo regime se aplica às grandes companhias que não estão contempladas no primeiro, como, por exemplo, as empresas de meio de pagamento e a B3, a Bolsa de Valores de São Paulo. Elas pagam uma alíquota de 9,25%, mas podem se creditar em cima de insumos que são necessários à prestação de serviço. “Mas há um contencioso gigante em relação a esses créditos”, pondera Loria.

E, por fim, um terceiro regime, para um grupo menor de empresas, especialmente as gestoras de recursos, que pagam 3,65%, porém têm uma base de cálculo mais ampla.

“Com o IVA, estamos criando uma alíquota específica, que ainda será calculada, para as instituições financeiras, e que será aplicada a todos: meios de pagamento, bolsa de valores, banco, securitizadora, e assim por diante. Haverá neutralidade e simetria, com objetivo de não distorcer o funcionamento da economia, não incentivar o planejamento tributário”, diz o diretor da Fazenda.

De um lado, os bancos poderão abater os créditos com a contratação de serviços e custos com a operação do negócio: compra de máquinas, equipamentos, call centers, advogados, aluguéis. De outro, as empresas que contratarem serviços financeiros também terão direito a crédito, abatendo impostos que já foram pagos pelos bancos.

“A Europa isentou os bancos de pagamento do IVA. Com isso, eles não geram crédito ao longo da cadeia, o que provoca um efeito de empoçamento. Isso é muito ruim, porque faz com que as empresas financeiras sejam mais verticalizadas. Pelo nosso projeto, o crédito será repassado e a expectativa é de redução do custo financeiro para as empresas, na ponta”, diz.

A equipe econômica já fez simulações sobre essa redução, mas entende ser precipitado divulgar os números. Loria dá apenas um exemplo hipotético de como seria essa queda: “Vamos supor que a alíquota do IVA para os bancos seja de 10%, de forma hipotética. Se a empresa capta a CDI mais 5%, e ela vai se creditar em cima do que exceder a taxa Selic, a grosso modo, a captação dela vai ser CDI mais 4,5%. Ou seja, ela vai ter uma redução do preço do seu financiamento. Então isso é fantástico para as empresas, vai baratear o acesso ao crédito no Brasil”.

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Cautela na Febraban

Procurada, a Febraban afirmou, em nota, que o ideal seria a não tributação da intermediação financeira. A entidade diz que irá dialogar com o governo e o Congresso para que a aprovação da regulamentação da reforma não gere aumento da carga sobre o crédito.

“Foi uma escolha política do Congresso Nacional que a intermediação financeira se mantivesse tributada no País. Com isso, o Brasil continuará sendo uma das seis nações do mundo que tributam o crédito. Que cobram impostos sobre o spread bancário. Isso impacta e encarece diretamente o custo do crédito, o que impacta os níveis de concessão.

“Nesse aspecto, o Brasil perdeu uma grande oportunidade de baratear o custo do crédito, não para os bancos, mas para quem precisa de crédito para consumir, investir e produzir. Perdemos a oportunidade de nos alinharmos ao resto do mundo e de reduzirmos o custo de intermediação financeira, em especial do crédito.

“Nesse sentido, a Febraban está pronta, como sempre esteve, para apoiar e colaborar da melhor forma possível para que tenhamos até o final deste ano de 2024 a aprovação da regulamentação da Reforma Tributária, assim como a adoção dos primeiros passos para a sua implementação, dentre os quais destaco o sistema de recolhimento do novo imposto”, disse a entidade.

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