Reforma tributária: refinaria da Atem beneficiada por relator no Senado está parada desde junho

Concorrentes reclamam que empresa vende combustíveis a outras partes do País pagando menos imposto, o que pode piorar com nova redação da reforma; procurada, empresa afirma que refinaria está em manutenção e volta em 2025

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Mariana Carneiro
Atualização:

BRASÍLIA - Única na Região Norte do País, a Refinaria da Amazônia não processa combustíveis desde junho, segundo dados oficiais da Agência Nacional do Petróleo (ANP). A empresa foi comprada pela distribuidora Atem em 2022 e acaba de ser beneficiada na regulamentação da reforma tributária por uma modificação feita relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), que foi governador do Amazonas.

PUBLICIDADE

No texto, Braga inseriu o refino na lista de atividades que podem usufruir de benefícios da Zona Franca de Manaus, desde que a unidade esteja na região. A refinaria da Atem é a única nessa situação e, por isso, será a única beneficiada, o que gerou reclamações de concorrentes instaladas em outras partes do País.

Ainda que não processe uma gota de combustível há quase seis meses, a Atem não reduziu - ao contrário, até aumentou - a quantidade de combustível que vende mês a mês, segundo a ANP.

Isso indica que o combustível que é vendido pela empresa está sendo comprado pronto de outros fornecedores, alguns de fora do Brasil, e repassado internamente, usufruindo de benefício tributário que a empresa já tem hoje e que foi obtido por meio de liminares, o que é alvo da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Desde 2017, a Atem revende combustível importado com isenção de PIS/Cofins.

Publicidade

Procurada, a Atem informou que a refinaria está em “manutenção intensiva” e, por isso, foi necessário paralisar as atividades.

“O programa foi iniciado no primeiro semestre de 2024 e tem término previsto para o primeiro semestre de 2025. Trata-se de um movimento planejado, previsto desde a aquisição da unidade, em dezembro de 2022, e devidamente alinhado junto aos órgãos reguladores”, informou a empresa em nota enviada ao Estadão.

“Durante a manutenção, a Ream (Refinaria do Amazonas) atende seus clientes com combustíveis obtidos de fornecedores externos - nacionais e estrangeiros. Cabe ressaltar que a refinaria sempre importou e/ou fez compras no mercado nacional de combustíveis para atender seus clientes, complementando a sua produção.”

Eduardo Braga Foto: Marcos Oliveira/Agv™ncia Senado

Durante a tramitação no Senado, Braga e o senador Omar Aziz (PSD-AM), autor da emenda que originou a redação benéfica à Atem, argumentaram que os concorrentes de outros Estados não deveriam se preocupar porque o benefício será dado apenas para vendas que a Atem fizer na região da Zona Franca.

Publicidade

Isso é objeto de questionamentos de agentes do setor. O Instituto Combustível Legal, organização bancada pelas principais distribuidoras do País e que participa como amicus curie de ação contra a empresa no Supremo, afirma que a Atem importa mais do que a quantidade consumida na região de Manaus, o que sugere que as vendas hoje extrapolam as fronteiras da Zona Franca.

Pelos dados da ANP, a Atem vendeu neste ano no Estado de São Paulo 28,5 milhões de metros cúbicos de combustível.

Em nota enviada na semana passada, a Atem informou que “recolhe todos os tributos devidos em relação às vendas realizadas dentro e fora da Zona Franca de Manaus, operações inclusive auditadas pelas autoridades competentes e por auditoria independente”. E que recolheu mais de R$ 4,9 bilhões em impostos em 2023.

Reação em cadeia

O benefício concedido à Atem provocou uma reação em cadeia no mercado de combustíveis. O Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) soltou uma nota dizendo ver “com grande preocupação” o caso da Atem. O instituto alega dano à competição, ao beneficiar uma única empresa, que passaria a recolher menos tributos do que as concorrentes.

Publicidade

“Vale destacar que a reforma tributária não determinou a ampliação da Zona Franca de Manaus, mas a sua manutenção. Nesse sentido, a inclusão em questão viola os pressupostos constitucionais”, afirma o IBP. “Com o novo texto, restaria consagrada uma situação fática violadora da livre concorrência, atualmente evidenciada por meio de decisões liminares que contrariam a jurisprudência consolidada do STF”, acrescenta.

A Federação Única dos Petroleiros (FUP) afirma que a redação “beneficia amigo empresário do Amazonas com isenções tributárias à Refinaria da Amazônia”.

“É inadmissível que, enquanto os trabalhadores brasileiros, assalariados, honram seus compromissos tributários, o grupo Atem, que detém o monopólio da Refinaria da Amazônia, ganha isenções fiscais por meio de manobras entre amigos parlamentares conterrâneos”, afirma o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar.

Apesar da contrariedade do setor, deputados que integram o grupo de trabalho da reforma tributária na Câmara afirmam que acordos políticos produziram as modificações feitas pelo Senado e que somente os líderes partidários poderão decidir pela retirada desses incentivos.

Publicidade

Durante a votação, Eduardo Braga defendeu o incentivo à Atem e admitiu que concedeu o benefício sem a anuência do Ministério da Fazenda.

“Isso é uma questão de sobrevivência, não foi uma questão negociada com o governo. É simples: ou a refinaria tem os benefícios da Zona Franca de Manaus ou a Petrobras recompra a refinaria. O que não pode é a única refinaria da Amazônia Ocidental ser fechada porque o Brasil deu as costas para a Amazônia, que produz óleo e gás em terra firme a menos da metade do custo do pré-sal”, disse Braga.

É a segunda tentativa do senador de estender os incentivos da Zona Franca à refinaria da Atem. A primeira foi na emenda constitucional que institui a reforma tributária, promulgada no ano passado. A iniciativa foi vetada pelos deputados.

Além da inclusão do refino na Zona Franca, Braga também ampliou benefícios concedidos às empresas industriais e comerciais da região com créditos presumidos adicionais de IBS (IVA de Estados e municípios) e CBS (IVA federal). Como mostrou o Estadão, os incentivos concedidos extrapolam até os existentes hoje.

Publicidade

Em nota conjunta divulgada na semana passada, 22 entidades empresariais, todas do Amazonas, negam que os benefícios inseridos por Braga na reforma tributária aumentem as condições vantajosas das empresas da região.

O texto afirma que o relatório do Senado apenas replica os atuais níveis de benefícios fiscais, já concedidos no âmbito do ICMS.

“A manutenção da competitividade da ZFM não implica perdas para setores industriais de outras regiões, mas fortalece a economia nacional, permitindo que a Amazônia se desenvolva de forma sustentável e integrada ao restante do Brasil.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.