Seis meses depois de ser concebida, a reforma tributária fermenta discussões levadas à Câmara dos Deputados por diferentes setores em contraponto ao governo federal. O debate definirá a regulamentação dessa emenda constitucional e, assim, o impacto a ser sentido pela sociedade na prática, de forma gradativa, de 2026 até a mudança completa nos tributos, em 2033. A personalidade da reforma, se mais rígida ou benevolente, dependerá de quem tiver maior poder de influenciar o Parlamento. O primeiro embate de maior repercussão é sobre os itens da cesta básica a ter imposto zerado, mas outros temas ganham força.
Pela proposta do governo federal, por meio do Projeto de Lei Complementar 68/24, a isenção atingirá 15 alimentos. Já estudo da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) sustenta que a lista deve ser bem maior: cerca de 600 itens.
Entre uma e outra, porém, há uma trava a resolver: a carga tributária não pode variar: ou seja, podem mudar os impostos, a forma de cobrá-los e a alíquota (o porcentual de cobrança), mas o bolo no conjunto da população tem de permanecer inalterado. Isso quer dizer que, caso mais produtos entrem na lista, o porcentual do imposto único para todo o restante terá de subir.
Discutir a isenção da cesta básica é, portanto, definir qual será o porcentual do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), o imposto que unificará cinco tributos a partir da reforma tributária. Sob o modelo chamado IVA Dual, terá um imposto que substituirá encargos federais (a CBS, a Contribuição sobre Bens e Serviços, substituta do PIS/Cofins) e outro para os estaduais e municipais (o IBS, o Imposto sobre Bens e Serviços, que unifica o ICMS e o ISS). De quanto será essa alíquota, há estimativas, mas ninguém hoje pode precisar, porque o número depende da regulamentação em curso.
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Uma sugestão da Abras, para compensar a inclusão de centenas de itens na cesta de isentos, é taxar de forma diferenciada o mercado de apostas, com o chamado Imposto Seletivo. Pela proposta apresentada pelo governo ao Congresso, o Imposto Seletivo vai incidir sobre produtos apontados como prejudiciais à saúde e ao meio ambiente: veículos; embarcações e aeronaves; cigarros; bebidas alcoólicas; bebidas açucaradas; e bens minerais extraídos.
A regulamentação do “imposto do pecado” – como vem sendo apelidado – deixa apreensivos segmentos como o de produtores de cerveja, por exemplo, de quem vem a sugestão de um sistema progressivo em que a alíquota é maior de acordo com o teor alcoólico – em descompasso com a indústria de destilados: produtora de bebidas bem mais alcoólicas, defende uma alíquota única com a dos fermentados.
Do segmento do cigarro, vem a ponderação de que elevar demais a tributação abre brecha para o contrabando.
Os 15 alimentos da cesta básica do governo
Conforme o Ministério da Fazenda, a lista proposta para ter alíquota zero privilegiou a alimentação saudável e os ingredientes para a preparação dela:
- Açúcar
- Arroz
- Cocos
- Café
- Farinha de mandioca
- Farinha de trigo
- Farinha e sêmolas de milho
- Feijões
- Leite e fórmulas infantis
- Manteiga
- Margarina
- Massas
- Óleo de soja
- Pão
- Raízes e tubérculos
Medicamentos
Pela proposta do governo, a alíquota zero inclui os seguintes bens e serviços:
- Dispositivos médicos
- Dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência
- 383 medicamentos específicos
- Produtos de cuidados básicos à saúde menstrual
- Automóveis de passageiros adquiridos por pessoas com deficiência ou Transtorno do Espectro Autista
- Automóveis adquiridos por taxistas (com limites)
- Serviços prestados por instituição científica
- Serviços de transporte público coletivo de passageiros
Alíquota reduzida
Outra lista de bens e serviços, bem ampla, desde carne a produções nacionais artísticas, prevê uma redução de 60% na alíquota. Dessa categoria, também fazem parte serviços de educação e de saúde, 850 medicamentos específicos, alimentos destinados ao consumo humano, produtos de higiene e limpeza consumidos por famílias de baixa renda e “bens e serviços relacionados à soberania e segurança nacional, segurança da informação e segurança cibernética”, entre outros.
As escolhas do que vai para a lista aquecem debates. Na segunda-feira, 10 de junho, em discussão do grupo de trabalho que analisa a regulamentação da reforma tributária, representantes dos setores de insumos agrícolas e de biotecnologia criticaram a adoção de listas de produtos que terão alíquota reduzida ou um crédito presumido dos novos tributos sobre consumo. Eles disseram aos deputados que as listas não abrangem todos os produtos e serviços e podem ficar rapidamente defasadas. Atividades relacionadas ao melhoramento de sementes, por exemplo, estão fora da lista elaborada pelo governo, a exemplo de serviços agropecuários e produtos como embriões bovinos.
As controvérsias devem se estender até 2025, com o desafio do Congresso de regulamentar os novos tributos (o IBS e a CBS), para que comecem a ser testados em 2026, e a população passe a vivenciar os efeitos da mudança no sistema de cobrança da parte retida pelos governos do dinheiro gasto em cada bem ou serviço.
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