BRASÍLIA – Três meses depois de o governo Lula enviar ao Congresso Nacional o primeiro projeto de lei complementar da regulamentação da reforma tributária, os deputados que integram o grupo de trabalho do texto devem apresentar o primeiro relatório nesta quarta-feira, 3.
Esse primeiro projeto traz o coração do novo sistema de impostos sobre consumo, com as regras para o funcionamento do Imposto sobre Valor Agregado, o IVA – que unificará cinco tributos existentes hoje.
Dentre os pontos mais controversos – que enfrentam resistências e serão alvo de lobbies durante a tramitação – estão o Imposto Seletivo (chamado de “imposto do pecado”), a cesta básica, o cashback e os regimes diferenciados.
A previsão é de que o relatório seja votado no plenário da Câmara antes do recesso parlamentar, que começa em 18 de julho.
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Cesta básica
O projeto enviado pela equipe econômica ao Congresso não prevê nenhuma proteína animal na cesta básica, que terá imposto zero. As carnes ficaram na tributação 60% inferior à padrão (a chamada alíquota reduzida), com exceção de itens considerados de luxo, como foie gras, salmão, ovas e bacalhau. Esses produtos ficaram no IVA cheio, estimado em 26,5%.
Assim, as recentes falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em defesa da isenção das carnes serviram de combustível aos discursos usados pela indústria para a inclusão desses itens na cesta zerada – atualmente bem restrita, segundo a proposta da Fazenda (veja lista abaixo). Além das proteínas, o sal, por exemplo, também ficou de fora.
Nesta segunda-feira, 1º, deputados que integram o grupo de trabalho afirmaram que as carnes “devem” entrar na cesta básica – o que vai pressionar a alíquota padrão do IVA para cima, como já alertou a Fazenda desde a entrega da proposta. A inclusão das carnes deve ter um impacto de 0,6 ponto porcentual na alíquota padrão, que iria a 27,1%, como mostrou o Estadão.
Apesar da pressão sobre o IVA, deputados afirmam que, politicamente, será difícil barrar as proteínas animais na cesta básica. Eles usam como exemplo a promessa do presidente Lula, feita ainda na campanha eleitoral, sobre a volta da picanha ao cardápio do brasileiro.
‘Imposto do pecado’
O Imposto Seletivo, que vai incidir sobre os itens considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente, virou o grande pivô dos embates da reforma tributária.
Pela proposta da Fazenda, o tributo mira bebidas alcoólicas e açucaradas, cigarro, carro, barco, aeronave e bens minerais extraídos. Mas, no Congresso, há debates para a inclusão de alimentos ultraprocessados, armas e munições, agrotóxicos, jogos eletrônicos e até apostas esportivas.
Como mostrou o Estadão, é amplo o arsenal usado por setores e empresas para tentar escapar ou ao menos reduzir a incidência do Seletivo. A indústria das bebidas alcoólicas é o melhor exemplo dessa guerra de slogans, travada desde o início do ano, mas intensificada com a proximidade da votação do primeiro projeto na Câmara.
Com a frase “Álcool é álcool”, os fabricantes de destilados defendem alíquotas homogêneas do Seletivo, sem relação com o teor alcoólico. O argumento é de que as doses padrão de cachaça, vodka, gin e whisky têm a mesma quantidade de etanol (álcool puro) do que cerveja e vinho, por exemplo, que são bebidas fermentadas. E, por isso, pedem uma “dose de igualdade”.
Os produtores de cerveja vão na direção oposta e defendem uma tributação totalmente proporcional à quantidade de álcool. Pela proposta do governo, haveria um modelo misto: uma taxação em reais, de acordo com o teor alcoólico e o tamanho do recipiente; e uma alíquota em porcentual, que incidiria sobre o preço do produto.
A indústria do fumo engrossa o coro das cervejarias pela manutenção da carga tributária, com o argumento de que mais tributação significará mais contrabando.
Já a indústria de refrigerantes investe em expressões como discriminação e contrassenso para pedir a exclusão das bebidas açucaradas da lista do Seletivo. Ela também vê contradição no fato de o açúcar ter sido incluído na cesta básica com imposto zero, enquanto o refrigerante será sobretaxado. A crítica é corroborada pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
“O açúcar, aquele que adoça nossos cafés e bolos, é tratado como inofensivo alimento da cesta básica, isento de imposto. Mas espere... quando esse mesmo açúcar se dissolve em uma bebida, magicamente se revela um supervilão”, diz a campanha da Abrasel veiculada nesta terça-feira, 2.
Enquanto a indústria de refrigerantes se articula no Congresso para sair do alvo do Seletivo, um grupo de organizações e ex-ministros da Saúde assinou um manifesto contra a mudança. Entidades ligadas à área da saúde também vêm pedindo que os alimentos ultraprocessados virem alvo do “imposto do pecado”.
Outro embate do Seletivo é na indústria automobilística. Como revelou o Estadão, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), chefiado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, defendeu que os carros 100% elétricos, movidos exclusivamente a bateria, também sejam taxados pelo tributo. A proposta da Fazenda já prevê a incidência do “imposto do pecado” sobre os automóveis a combustão e híbridos.
Cashback
O relatório na Câmara também pode trazer mudanças no sistema de cashback – devolução de parte dos tributos pagos a pessoas de baixa renda. Deputados do PT desejam ampliar para 100% da CBS (o IVA federal) o cashback de luz, água, saneamento e, possivelmente, telefonia.
O texto da regulamentação da reforma enviado pelo governo ao Congresso prevê:
- 100% da CBS (IVA federal) e 20% do IBS (IVA estadual e municipal) para aquisição de botijão de gás (13 kg);
- 50% da CBS e 20% do IBS para as contas de luz, água e esgoto e gás encanado;
- 20% da CBS e do IBS sobre os demais produtos.
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