BRASÍLIA – Na reta final para a votação da reforma tributária no Senado, as pressões se intensificaram por mudanças de última hora no parecer do relator, Eduardo Braga (MDB-AM). O senador segue recebendo sugestões de emendas, além das 741 já protocoladas, e deve finalizar a complementação do voto na noite desta segunda-feira.
O início do processo de votação está previsto para essa terça-feira, 7, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e até quinta-feira, 9, no plenário da Casa.
Como ocorreu na primeira votação da Câmara, no início de julho, a pressão mais visível parte dos Estados, que temem perder arrecadação para o governo federal. Também não há consenso em relação à trava para impedir o aumento da carga tributária, a qual foi introduzida pelo relator.
Nos bastidores, há setores e atividades que buscam apoio de senadores para influenciar o relator ou conseguir uma alteração no plenário. Entre eles, mineração e petróleo, insatisfeitos com a nova cobrança do Imposto Seletivo, chamado de “imposto do pecado”.
O setor supermercadista também tem críticas ao modelo de duas cestas básicas: uma mais restritiva, com taxação zero, e outra ampliada, com alíquota reduzida e cashback (devolução de impostos à baixa renda). O segmento avalia que a desoneração é mais efetiva do que o cashback e defende alterações no texto ou garantias em relação à lei complementar.
Confira abaixo o levantamento do Estadão sobre as principais pressões nessa semana decisiva da reforma tributária no Senado:
Estados querem mudar partilha do FNDR
Os Estados ainda brigam por mudanças na forma de partilha do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), previsto na reforma e que será bancado pelo governo federal.
Braga fez uma divisão com um mix de duas regras: 70% do dinheiro será distribuído com base no modelo de repartição do Fundo de Participação dos Estados (FPE), que beneficia o Norte e Nordeste, e 30% com base no tamanho da população, que atende ao Sudeste. Governadores do Centro-Oeste, por exemplo, criticam essa fórmula. Os Estados do Sul também estão insatisfeitos e defendem que o critério de divisão mude para 50% FPE e 50% critérios populacionais.
A partilha mexe mais com corações e mentes dos Estados do que o valor do fundo em si, que foi incrementado pelo relator em R$ 20 bilhões, para R$ 60 bilhões por ano. Não está adormecido, no entanto, o movimento para aumentar o valor para um patamar entre R$ 70 bilhões e R$ 75 bilhões.
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Os Estados também afirmam que o artigo 149-B da proposta, ao definir que o IBS será um simples “espelho” da CBS, fere a autonomia dos Estados e municípios e causa uma indevida concentração das decisões sobre a tributação do consumo, de competência subnacional, nas mãos do governo federal.
Esse artigo surgiu na Câmara. Os Estados tentaram sem sucesso alterá-lo antes do primeiro relatório de Eduardo Braga, que não foi sensível neste ponto, segundo os secretários de Fazenda.
O Comsefaz alerta que esse artigo provoca danos ao modelo federativo brasileiro, que pressupõe autonomia, principalmente amplitude do campo deliberativo das unidades subnacionais.
Petróleo e minério refutam ‘imposto do pecado’
Setores ligados à mineração e à exploração de petróleo se uniram para articular mudanças na reforma. O principal ponto de descontentamento, que une as duas cadeias, é a cobrança de até 1% sobre a extração desses recursos não renováveis. A nova taxação foi criada por Braga no âmbito do Seletivo, chamado de “imposto do pecado”, que incidirá sobre atividades prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
O texto do senador estabelece que a cobrança será sobre o valor de mercado do produto e ocorrerá “independentemente da destinação”, ou seja, poderá alcançar vendas internas e externas. Para os segmentos afetados, trata-se de um contrassenso, já que a reforma tem o objetivo maior de desonerar as exportações.
O Estadão apurou que as empresas veem poucas chances de ajustes no relatório final de Braga e trabalham junto aos senadores para garantir que as mudanças sejam realizadas via emendas.
Uma delas vai propor que o seletivo não incida sobre as exportações, o que limitaria o alcance dessa cobrança sobre a extração. Outra seria ainda mais ampla e pediria a supressão de todo trecho que cria a nova tributação sobre recursos naturais não renováveis.
Cesta básica: supermercados criticam cashback
De olho nas leis complementares que vão regulamentar a reforma, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) já se movimenta para garantir a inclusão de itens que considera essenciais na cesta básica isenta. A lista inclui 25 produtos, como carne bovina, peixe, arroz, feijão, frutas, leite, iogurte e pão francês.
A entidade também vem reforçando com parlamentares o entendimento de que o cashback é ineficiente como medida distributiva, quando aplicado ao setor alimentício. Na avaliação do segmento, seria mais interessante ampliar o desconto da cesta estendida (atualmente em 60% da alíquota padrão do IVA) e retirar a previsão do cashback.
Se isso não for viável, durante a tramitação no Senado, o objetivo é costurar um acordo mirando a lei complementar, para que o dispositivo não ganhe ainda mais espaço durante a regulamentação.
Trava para carga tributária não é consenso
Com apoio dos Estados e municípios, as entidades que representam os Fiscos se manifestaram contra um teto para a calibragem da alíquota a ser cobrada no novo sistema tributário, baseado nos dados de arrecadação entre 2012 e 2021.
Eles alegam que esse valor de referência, que ficará na Constituição, foi definido sem aprofundamento de estudos, baseado em parâmetros de uma década atrás e que poderá limitar o direito constitucional de acesso aos serviços públicos.
O argumento é que o viés adotado a partir do novo arcabouço fiscal – nova regra para controle das contas públicas – é o de expansão da base tributária, não por aumento de tributos ou de alíquotas dos que já pagam, mas sim por maior eficácia da máquina arrecadadora no combate à sonegação e à inadimplência contumaz, revisão de benefícios fiscais sem retorno à sociedade, e pela tributação adequada dos mais ricos e privilegiados.
A trava iria na contramão desse movimento. Mas, ao mesmo tempo, ela é defendida pela maioria dos setores, que temem aumento da carga tributária com a reforma.
Energia busca tratamento diferenciado
Um movimento recente surgiu também das empresas de energia elétrica. O setor quer ficar junto com saneamento na lista de beneficiados com tratamento tributário específico.
As distribuidoras de energia elétrica pedem, ainda, que se mantenha o modelo atual de não cobrança do imposto da população de baixa renda, em vez de cashback. Caso a devolução seja mantida, as empresas exigem ajustes no texto, que consideram confuso.
Cartórios querem regime específico
A Confederação Nacional de Comércio (CNC) pede tratamento com regime diferenciado aos serviços ligados ao comércio que ainda não foram contemplados pelas regras diferenciadas. Até os cartórios querem ser beneficiados.
Em carta enviada aos senadores, eles pedem apoio à emenda de nº 702, protocolada pelo senador Efraim Filho (União-PB). Eles alegam que a alíquota dos dois impostos que serão criados – CBS e IBS – será de mais de 25% ou até de 30%.
Telecom e bancos também pressionam
As empresas de telecomunicações também insistem em ficar na lista com alíquota reduzida e os bancos jogam pressão para que volte o texto da Câmara, o qual continha uma trava que garantia que a tributação das receitas com as operações de crédito não poderiam aumentar após a implementação da proposta.
Capitais pedem Cide combustível integral para transporte coletivo
Já as cidades buscam manter no texto a previsão de que 80% dos valores que forem distribuídos pelos Estados aos municípios serão transferidos por critérios populacionais. Há o temor de que essa cota-parte seja alterada na votação.
As cidades querem que a Cide combustível seja exclusiva para financiar o transporte coletivo urbano. Hoje, a cide está zerada. O texto de Braga destina uma parte da Cide combustível para o pagamento de subsídios a tarifas de transporte público coletivo de passageiros, mas não especifica qual fatia ou como isso seria feito.
“O financiamento do transporte coletivo urbano é hoje o grande desafio das grandes cidades, potencialmente as maiores perdedoras com o fim do ISS”, afirma Giovanna Victer, secretária de Fazenda de Salvador e presidente do Fórum de Secretários de Fazenda da Federação Nacional de Prefeitos (FNP).
Segundo ela, essa destinação exclusiva da Cide para o setor será essencial para investimentos em uma matriz de transporte mais eficiente e limpa (como ônibus elétricos e climatizados) e também ao subsídio tarifário, para que se arque com a diferença entre a tarifa administrativa e a tarifa pública.
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