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‘Reforma tributária tende a baixar imposto para industrializados e subir para serviços’, diz Fleury

Autor de estudo compara a carga atual e a estimada pós-reforma de eletrônicos, roupas e calçados e de itens da cesta básica e remédios; o Congresso ainda pode alterar os números

Foto do author Cleide Silva
Atualização:
Foto: Andreia Arbex - 2/2/2021
Entrevista comEduardo FleuryAdvogado e economista

ESPECIAL PARA O ESTADÃO - A reforma tributária deve reduzir a carga de impostos de grande parte dos produtos industrializados como eletrônicos, roupas e calçados. Esses produtos são a maioria em uma tabela de 364 itens compartilhada com o Estadão pelo advogado e economista Eduardo Fleury, doutor em Ciência da Tributação pela Universidade da Flórida (EUA), com especialização em Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Na tabela, esses três tipos apresentam uma diminuição de preços que vai de 12,39% a 26,84%.

O estudo, que também compara produtos com isenção (cesta básica) e redução (remédios), avalia a tributação em toda a cadeia produtiva e compara a soma das alíquotas atuais de PIS, Cofins, ISS, ICMS e IPI com a taxa prevista atualmente para o IVA, de 26,9%, porcentual que já inclui o impacto da inclusão da carne na cesta básica com isenção de impostos. Fleury pondera que o texto da regulamentação da reforma, ao ser votado no Senado e depois novamente na Câmara, pode incluir mais isenções ou reduções.

“Sempre existe esse risco”, afirma Fleury. “E, se a alíquota for maior do que os 26,9% previstos, a redução de preços dos produtos da tabela será menor, pois, ao reduzir o imposto de um produto, é preciso compensar com o aumento de outro para não diminuir a arrecadação” (pesquise produtos na tabela abaixo; e na sequência, leia a entrevista).

Como foram calculados os dados do estudo que mostra queda de preços em vários produtos, entre eletrônicos, roupas e calçados, com o IVA?

Usei a lista de produtos da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para fazer uma estimativa dos tributos diretos de cada um deles, que são PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI, os que serão atingidos pela reforma tributária. Não é o imposto que aparece, por exemplo, na Nota Fiscal do produto adquirido no supermercado, pois, na verdade, o custo dele está contaminado por tributos que foram cobrados nas etapas anteriores da produção. Não é só o tributo pago pelo varejista, mas também pelo fabricante e pelo distribuidor, ou seja, da cadeia econômica inteira. A lista foi feita com base no que chamo de ICMS São Paulo, porque a alíquota pode ser diferente em outros Estados. Os demais impostos são gerais.

Para o cálculo, o sr. utilizou como base a alíquota de referência aprovada no Congresso, de 26,5% para o IVA?

Existe um pressuposto na reforma tributária de que, se for reduzido o imposto de um produto, tem de aumentar a alíquota geral, pois a ideia é que se tenha uma alíquota única para todos os produtos. Significa que, ao reduzir o imposto de um produto, é preciso compensar com o aumento de outro para não diminuir a arrecadação. Como foi incluída a isenção para a carne, que passou a fazer parte da cesta básica, trabalhei com a estimativa de um IVA de 26,9%, para que o governo possa manter a arrecadação atual.

Cite, por favor, um exemplo de redução de preços que está na lista.

Quando faço a conta, por exemplo, de um produto eletrônico que tem carga tributária atual de 40,28% e aplico a alíquota de 26,9%, o preço deste produto vai variar para baixo em 26,84%, isso levando em conta que a empresa vai manter a mesma margem de lucro. Para um agasalho masculino ou feminino, com carga de 30,48%, a redução no preço será de 12,39% porque o imposto será menor.

'Se mais produtos forem incluídos na cesta básica com alíquota zero, vai ser preciso aumentar a alíquota de outros produtos, ou seja, teoricamente vai alterar a distribuição de quem vai pagar mais e quem vai pagar meno', explica Fleury Foto: Divulgação

Todos os produtos industriais terão os preços reduzidos?

Não necessariamente, mas a maioria dos produtos industrializados tende a ter redução. No caso de alguns alimentícios, haverá redução porque terão alíquota zero.

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Esse é o lado bom da reforma, mas e o lado ruim? Quais produtos vão aumentar de preço?

Principalmente os serviços, que hoje são menos tributados. Embora haverá redução de alíquotas, eles devem ficar um pouco mais caros. Alguns produtos alimentícios mais sofisticados, como lagosta, também vão ter aumento de preço, assim como a locação de imóveis e os produtos que estão na lista do chamado “imposto do pecado” (Imposto Seletivo), que devem ter alíquotas maiores. Mas isso também vai depender do local onde o produto é fabricado. No caso de Estados que têm incentivos fiscais que vão acabar a partir de 2033, os preços dos produtos locais vão aumentar mais do que nos Estados que têm menos incentivos, como São Paulo porque os impostos voltarão a ser cobrados integralmente.

Com tanto lobby visto na votação do Congresso, é possível que mudanças ocorram no Senado e que a alíquota base aumente ainda mais? Há projeções indicando que chegaria a 27,3% só com as últimas alterações.

Sempre existe o risco. E, se a alíquota for maior do que os 26,9% previstos no cálculo da lista de produtos, a redução de preços será menor. Eu acho, porém, que muitas demandas já foram atendidas, e que pode inclusive ocorrer a redução de alguns benefícios que foram incluídos em relação à Emenda Constitucional. E, um detalhe, estamos falando de um projeto de lei complementar que volta para a Câmara, onde pode ser revertida alguma mudança mais radical feita no Senado. Existe também o que chamamos de regimes específicos que ainda não estão totalmente definidos e que podem ter alíquotas diferentes. Se algum produto for retirado do imposto do pecado, vai ser preciso aumentar a alíquota para compensar a arrecadação.

Como o sr. avalia a isenção da alíquota para a carne?

Nesse caso, acredito que não beneficia os mais pobres, e sim os mais ricos, porque é essa classe de renda mais alta que consome mais carne. Significa que os 10% mais ricos vão receber mais dinheiro do governo do que os 10% mais pobres, pois vão absorver a maior parte da receita que deixará de ser arrecadada.

Qual seria a alternativa?

Creio que seria mais eficiente ter o cashback, pois devolveria o dinheiro só para quem precisa. Não faz sentido que os mais ricos, que já compram mais carne — e de melhor qualidade —, paguem menos por ela. Dessa forma, o governo vai gastar mais com essa população mais rica do que com a mais pobre. Colocar a carne na cesta básica com o argumento de dar acesso ao consumo para os mais pobres é totalmente falho. Acho que esse foi um lobby mal feito da indústria alimentícia porque não vai gerar mais consumo. O cashback, sim, poderia incentivar o consumo maior da população de renda menor. Tivemos a oportunidade de fazer uma revolução em termos de matéria tributária, com distribuição de renda e ganho para o setor produtivo, mas não fizemos.

Qual o limite de taxa para o IVA para que as novas alíquotas não fiquem iguais ou superiores às atuais?

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O total que se paga de imposto, olhando a sociedade como um todo, vai permanecer o mesmo, o que existe é uma redistribuição. Então, se mais produtos forem incluídos na cesta básica com alíquota zero, por exemplo, vai ser preciso aumentar a alíquota de outros produtos, ou seja, teoricamente vai alterar a distribuição de quem vai pagar mais e quem vai pagar menos. A carga tributária vai permanecer a mesma até o final da implementação da reforma, em 2033. Depois disso, cada Estado ou município vai resolver como fará sua cobrança.

Mas aí a chance de o IVA superar a alíquota não é ainda maior?

O que estão querendo fazer (o governo) é criar uma alíquota de referência, uma espécie de teto que equivale a uma alíquota suficiente para manter a atual arrecadação de Estados, municípios e União. Isso já está na lei aprovada na Câmara (o primeiro projeto de regulamentação) e cita como sendo de 26,5%, mas, pela minha projeção, já está em 26.9%. Se passar desse limite, o texto diz que o poder executivo pode encaminhar um projeto de lei complementar ao Congresso propondo a redução de alíquotas, por exemplo por meio da revisão dos benefícios fiscais, para que o imposto volte ao previsto. Mas não há uma obrigação para reduzir alíquotas. O projeto pode ou não ser aprovado.

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