A aprovação da reforma tributária no ano passado coincide com um momento particular do País no qual, a cada dia, fica mais evidente a disputa entre dois sistemas de governo: o presidencialismo de coalizão, o qual o presidente Lula navegou com destreza; e o semipresidencialismo, que se impõe à medida que o Legislativo consolida seu fortalecimento.
Discutida há décadas, a reforma tributária simboliza não só a transição para um sistema mais justo e eficiente, mas também demonstra o que um Legislativo empoderado é capaz de fazer quando consegue impor sua agenda.
Protegidos pelas emendas impositivas e pelo domínio da pauta, deputados e senadores levaram à reboque o Executivo, governos estaduais, líderes e presidentes de partido, bem como os setores impactados pela reforma.
Não é pouca coisa e nos permite fazer um paralelo com a gênese do empoderamento do Congresso: a aprovação do Código Florestal. Foi a primeira vez em que o Executivo precisou ir ao Legislativo negociar um tema de alcance nacional fora dos restritos gabinetes do governo federal.
O impacto da aprovação foi tão expressivo que o então presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, declarou à época: “Foi a noite dos meus sonhos para esta Casa: a controvérsia, o debate, as pessoas legítimas, o embate, o voto, a discussão, a votação, o Brasil real”.
Essa nova realidade, contudo, ainda é um aprendizado para a sociedade. Por isso, a regulamentação da reforma será determinante para medir o quanto o Congresso está disposto a assumir o protagonismo das políticas públicas. E o Código Florestal, de novo, traz lições importantes.
Isso porque aquela lei remeteu apenas três trechos à regulamentação posterior pelo Executivo. O restante do texto abrange normas autoaplicáveis, isto é, que passam a valer na sua totalidade assim que promulgado.
Adotar o conceito das normas autoaplicáveis será fundamental para que o Legislativo se afirme na perspectiva do semipresidencialismo, já que a palavra final sobre as novas regras será efetivamente dele. Caberá ao Executivo tão somente executar, e ao Ministério Público garantir sua aplicação.
Os benefícios serão imensos: todos os aspectos regulatórios terão de ser analisados no Legislativo, tornando-os uma previsão de Estado, e não de governo.
Assim, o Congresso terá a chance de dar à reforma dois sinais importantes: o da vida real, de conferir maior segurança jurídica ao setor produtivo; e o da vida política, mostrando que está apto a assumir o protagonismo da agenda nacional.
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