BRASÍLIA - A proposta de reforma tributária foi aprovada na Câmara com um dispositivo que vem provocando polêmica. Ele determina que a alíquota do novo imposto, a ser cobrada sobre os serviços financeiros prestados pelos bancos, não poderá aumentar. A justificativa é que isso impediria o aumento dos custos das operações de crédito.
Integrante do grupo de trabalho da reforma tributária da Câmara, deputado Mauro Benevides (PDT-CE), afirma ao Estadão que, da forma como o texto foi aprovado, o setor bancário será o único segmento da economia que terá essa proteção na Constituição.
O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, porém, rebate Benevides, afirmando que haverá aumento da carga tributária para os bancos. “O regime do IVA previsto na PEC aprovada pela Câmara, ao contrário do que supõem alguns, implicará maior carga fiscal para o setor bancário”, diz Isaac.
Benevides diz que foi surpreendido com esse ponto depois de uma avaliação aprofundada das entrelinhas do texto da proposta aprovada pela Câmara, que agora está tramitando no Senado. Na Câmara, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foi aprovada no início de julho, mas detalhes do texto ainda estão sendo analisados meses depois da votação.
Segundo Benevides, o texto que foi aprovado é muito diferente do relatório final do grupo de trabalho, no qual havia uma recomendação para que não houvesse “redução da carga” para o sistema financeiro.
Na reforma tributária, os bancos estão sujeitos a um regime específico, assim como outros setores, como combustíveis, hotelaria e restaurantes, por exemplo. Mas, no artigo 10, foi estabelecido que para, os serviços financeiros, as alíquotas e a base de cálculo serão definidas de modo “a não elevar” o custo das operações de crédito.
“Não há explicação para uma aprovação de um grupo de trabalho votar que no sistema financeiro asseguraríamos somente não reduzir a carga tributária. Ou seja, deixar como está. E no texto final aparecer exatamente o oposto, que diz que não pode aumentar”, critica Benevides. “Não conheço nenhum setor que na Constituição tenha preservado a carga tributária para o resto da vida. Tenho que dizer isso”, afirma Benevides.
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O deputado pededista cobrou informações do relator da reforma na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e alertou o relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), para o problema. Mas ainda não teve resposta.
Sem privilégio
Isaac Sidney, da Febraban, porém, afirma que a carga tributária aumentará para os bancos porque todos os serviços pagos por tarifas, bem como aqueles remunerados por spread bancário, sem qualquer exceção, serão tributados pelo novo modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), instituído pela PEC. O spread bancário é a diferença entre as taxas cobradas pelos bancos e as que eles pagam na captação de recursos.
O presidente da Febraban nega que os bancos tenham recebido qualquer tratamento privilegiado. “Não ficaram de fora do IBS e CBS (os dois impostos que serão criados com reforma) “em nenhuma hipótese de serviço financeiro”, ressalta.
Para Sidney, o dispositivo é uma garantia para o consumidor para que o crédito não seja mais onerado do que já é atualmente. “É uma garantia apenas para o consumidor e para as empresas - ou seja, para o País, e não para os bancos - de que quem toma empréstimos não deveria pagar mais caro pelo crédito, o que temos defendido desde que nos inserimos no debate da reforma”, justifica.
Mesmo com essa expressa previsão, impostos, como o IVA, que incidem sobre o crédito, serão repassados ao tomador, diz. A posição da Febraban é que o Brasil é um dos pouquíssimos países do mundo que tributam a intermediação financeira, o que encarece bastante o crédito bancário, e a PEC, mesmo com a ressalva feita, manteve, tal como hoje, a elevada tributação do spread bancário, na contramão da legislação tributária mundial. Os bancos querem que, no Senado, seja aprovada isenção da intermediação financeira.
Procurado, o relator da reforma no Senado, Eduardo Braga não respondeu à reportagem. Já Aguinaldo Ribeiro, relator na Câmara, afirma que os serviços financeiros, assim como outras operações como planos de saúde e vendas de bens imóveis, possuem peculiaridades que dificultam sua inclusão no regime geral de tributação da reforma. “Esse não é um desafio apenas nosso, todos os países que adotam o IVA possuem regras específicas para essas operações – inclusive muitos optam por sequer tributar a intermediação financeira”, diz.
Para o relator, é importante que o texto constitucional forneça um espaço de flexibilidade para a regulamentação dessas atividades mais peculiares, de forma que, no futuro, o legislador possa construir o desenho mais adequado para a tributação.
Aguinaldo afirma que o texto aprovado propõe que as atividades financeiras sejam submetidas a dois regimes. Os serviços remunerados por tarifas e comissões, a exemplo das tarifas bancárias, serão tributados com base no valor cobrado do consumidor. Já as demais atividades, que envolvem ganhos na intermediação bancária, seguirão sendo tributadas de forma similar à atual, isto é, com a cobrança de alíquota nacional e uniforme sobre a receita auferida.
O Ministério da Fazenda acompanhou as negociações e tinha duas posições em relação à tributação dos bancos. Uma delas é que aquilo que é cobrado na forma de tarifas entrassem no regime normal de tributação, o que acabou acontecendo. Em relação à tributação do spread bancário, a preocupação do governo era não perder receita.
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