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Relator faz concessões ao governo e prepara relatório de autonomia financeira do Banco Central

Mudanças devem garantir subordinação do órgão à política monetária do governo, possibilidade de o presidente da República pedir a demissão do presidente do órgão e estabilidade a servidores

Foto do author Mariana Carneiro
Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA - Relator da proposta que estabelece a autonomia administrativa e financeira do Banco Central na Constituição, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) disse ao Estadão que prepara seu texto com duas concessões ao governo Lula: deixará clara a submissão do órgão às metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), controlado pelo Executivo, e garantirá estabilidade aos servidores.

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Ainda que o Executivo tenha se oposto à Proposta de Emenda à Constituição (PEC), Valério afirma que deverá concluir o relatório até o fim de maio e diz que tem recebido o suporte do presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto.

A proposta original prevê que o Banco Central tenha autonomia administrativa e financeira sob supervisão do Congresso, o que incomodou o Executivo. O governo alega perda de gestão da política monetária e do instrumento para demitir o presidente do Banco Central, caso considere necessário. As críticas bloquearam o debate, com a avaliação de instituições do mercado financeiro de que a PEC poderia entregar uma gestão técnica à disputa política.

Senador Plínio Valério (PSDB-AM), relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de autonomia financeira do Banco Central Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

Valério afirma que planeja dissolver as críticas deixando explícita em seu texto a obediência às metas e aos objetivos fixados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), composto pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e pelo presidente do BC. Na prática, o CMN é controlado pelo governo, que escolhe dois dos três integrantes. O conselho define as metas de inflação, a serem perseguidas pelo Banco Central por meio da taxa básica de juros.

A alteração também deve garantir que o presidente da República mantenha o poder de pedir a demissão do presidente do Banco Central caso ele apresente desempenho insuficiente, possibilidade que já existe hoje pela lei de autonomia do BC. Integrantes do governo temiam que o alcance da PEC ameaçasse essa iniciativa. De toda forma, a demissão de um presidente do banco só pode ser sacramentada com aprovação do Senado.

Em seu relatório, o Senado, diz Valério, será citado como uma entidade fiscalizadora do BC, nos moldes como já funciona hoje na condução da política monetária e em atribuições como regulador do mercado financeiro — o presidente do BC deve prestar esclarecimentos, duas vezes por ano, à Casa sobre os rumos da inflação e da estabilidade bancária.

Segundo Valério, a mudança atende às críticas feitas pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), a quem tem procurado atrás de sugestões do Executivo.

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“O ideal é o governo traçar a política monetária, o Banco Central executar essa política e o Senado fiscalizar, só que o Banco Central quer executar essa tarefa assobiando, cantarolando, alegre e feliz da vida com autonomia financeira. O único ingrediente diferente da PEC é que queremos o Banco Central executando sua tarefa feliz, e não mais infeliz como está”, disse o senador.

Até o momento, ele afirma que não conversou com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Houve tentativas de contato no fim do ano passado e no início de 2024, quando o assunto ganhou tração no Congresso, mas não foram adiante. Desde então, Valério relata que o governo não tem se apresentado para discutir o assunto.

“O governo não encaminhou nada. Toda semana eu pergunto ao Jaques Wagner e não tem nada. Então vou tocar sem o governo. Nada contra o governo, mas então a gente vai tocar sem ele, porque somos o Senado Federal e lá tem representantes deles (do governo)”, afirmou.

Na semana passada, diz ele, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (União-AP), deu sinal verde à tramitação, o que abriu espaço político para que ele apresente o seu relatório, ainda que o governo seja refratário à medida.

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Já Campos Neto, segundo o relator, reafirmou na semana passada, em conversa por telefone, o apoio à iniciativa. O senador afirma que o presidente do BC se comprometeu em enviar contribuições da diretoria da instituição até esta terça-feira, 14.

A atuação de Campos Neto em defesa da autonomia financeira provocou a ira do Palácio do Planalto contra o executivo para além da condução da taxa de juros. O PT demonstra inconformismo com a autonomia operacional da entidade, aprovada em 2021, sob Jair Bolsonaro, e Lula faz reclamações reiteradas de que não indicou o atual presidente do BC. Assim, para o governo Lula, avançar na autonomia financeira seria dar mais independência a um órgão considerado essencial para a política econômica do governo.

No mês passado, em meio às reclamações de servidores da instituição, que estavam em greve, o governo federal fez um acordo para a concessão de reajuste de 10,9% em janeiro de 2025 e mais 10,9% em maio de 2026.

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Em entrevista ao Estadão na última quinta-feira, 9, o ministro Fernando Haddad disse considerar o assunto encaminhado por meio das correções salariais e demonstrou discordância com o projeto.

“Engraçado falar de autonomia agora como se o BC não tivesse ficado sete anos sem reajuste e isso não tivesse penalizado a instituição fortemente. Agora todo mundo resolveu ficar preocupado com o Banco Central. Antes ninguém estava preocupado? Precisamos cobrar coerência dos críticos porque eles estavam em silêncio esse tempo todo. O arrocho sendo feito, os funcionários procurando outras oportunidades e ninguém se incomodou até outro dia. Nós estamos nos incomodando com esse assunto”, disse Haddad.

Valério rebate o ministro argumentando que o reajuste não é suficiente para as demandas apresentadas pela administração do BC em defesa da autonomia financeira.

“Não é de reajuste que eles (os servidores do BC) estão atrás. Eles querem ampliar o Pix, e o reajuste não vai ajudar a ampliar o Pix para o cartão de crédito, como eles querem”, disse o relator da PEC.

“Ou é birra ou é fígado o que explica a reação do governo. Ou eles não têm confiança em quem eles nomeiam, porque eles continuam mandando no CMN, então seguem mandando em tudo. O que eles querem é que o BC não deixe de depender do governo federal, é isso o que eles querem”, afirmou Valério.

Em seu relatório, o senador afirma que pretende fixar que os servidores terão direito à estabilidade, como já funciona hoje, apesar da alteração do status do órgão — pela proposta, o BC deixaria de ser uma autarquia e passaria a ser uma instituição de natureza especial com autonomia administrativa e financeira, organizada sob a forma de empresa pública e com poder de polícia. Esse foi um dos argumentos levantados pelo governo para engajar servidores contra a PEC.

Valério afirma que planeja criar um limite de gastos próprios para o BC, a fim de controlar as despesas de pessoal do órgão. A medida contempla outra crítica levantada por Jacques Wagner, a de que a medida poderia criar uma casta superior de servidores federais e estimular uma corrida das demais corporações por benefícios semelhantes.

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A ideia do senador é prever, em seu relatório, que o BC possa utilizar um porcentual limitado do resultado que repassa ao Tesouro Nacional para o financiamento de suas atividades e folha. “Autonomia não é liberdade total”, disse.

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