BRASÍLIA - Relator do projeto de lei que cria o programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), o senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL) decidiu retirar a tributação das compras internacionais de até US$ 50 do texto que será votado no Senado. Com a modificação, ele reabre a discussão que rachou o setor produtivo e deve fazer com que o projeto de lei passe por nova votação na Câmara.
A previsão era que o projeto de lei do Mover fosse votado nesta terça-feira, 4, no Senado, após a apresentação do relatório de Cunha. Mas o impasse provocado pelas supressões apresentadas pelo relator levou o líder do governo Jaques Wagner (PT-BA) a pedir o adiamento da votação para amanhã, o que foi atendido pelo presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O senador acrescentou que também vai retirar do texto a fixação em lei de porcentuais de conteúdo local para a indústria do petróleo e gás, inserida no Mover na última hora, como mostrou o Estadão, durante a tramitação na Câmara.
Por um acordo firmado entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), os deputados haviam aprovado, em votação simbólica, a taxação das importações de até US$ 50 em 20%.
Empresários e sindicalistas brasileiros vinham defendendo a tributação alegando falta de isonomia na concorrência com os importados, vendidos por plataformas asiáticas como Shein e Shopee.
A “taxação das blusinhas”, como a medida foi apelidada, no entanto, é considerada uma ação impopular e estava sendo evitada pelo próprio governo.
Lula chegou a dizer que vetaria a medida, mas após a pressão de sindicatos e empresários, ele fez um acordo com Lira em que se comprometia a não vetar a tributação desde que não ultrapassasse 20%.
Foi por iniciativa do presidente da Câmara que a “taxação das blusinhas” foi inserida no Mover, um projeto que originalmente cria incentivos para a indústria automotiva fabricar carros menos poluentes.
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Em entrevista concedida na tarde desta terça-feira, Cunha afirmou que retirou a tributação das compras de até US$ 50 do texto por considerar “matéria estranha” ao projeto original, assim como a exigência de conteúdo local para a extração de petróleo.
“Uma artimanha legislativa que não faz parte do projeto original, que é o Mover, uma nova forma de estimular e incentivar a automóveis sustentáveis. Não tem nada a ver com esse tema específico. Então, este assunto será tratado e deve ser tratado de maneira apartada e deve ser muito mais debatido”, disse Cunha.
O senador afirmou que ouviu os ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e da Indústria, Geraldo Alckmin, e que ambos defenderam a supressão da exigência de conteúdo local para a indústria do petróleo.
“É um ponto que atende ao governo e pode ser tratado de outra maneira, porque pode engessar investimentos internacionais”, disse Cunha.
Sobre a taxação das blusinhas, o senador disse que ouviu uma defesa da tributação feita pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sob o argumento arrecadatório, mas diz que a taxação “não vai melhorar o País do dia para outro”.
“Não será taxar as blusinhas que vai fazer com que o País melhore de um dia para o outro. Mas o que nós vamos fazer de maneira responsável é tratar esse assunto de maneira pertinente e não permitir um jabuti, uma matéria estranha, uma artimanha legislativa ser colocada em um projeto tão importante”, disse.
Cunha também retirou do texto um dispositivo que permitia uma taxação maior de veículos a álcool e a biodiesel pelo IPI verde. Isso porque o texto aprovado na Câmara incluía uma penalização a veículos que emitem óxidos de nitrogênio (nox).
O governo também tentava retirar alteração inserida na Câmara durante a tramitação do Mover, mas sem que isso fizesse com que o texto voltasse a ter nova votação dos deputados. O trabalho era para excluir somente a previsão de conteúdo local para a extração de óleo e gás. Caso não conseguisse, a saída seria o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Com a garantia de veto no capítulo do conteúdo local, governistas afirmam que a tributação das blusinhas já estava consensuada, inclusive com membros da oposição no Senado.
Neste sentido, a decisão de Rodrigo Cunha sobre as retiradas de seu relatório pegou de surpresa governistas e também representantes do setor produtivo.
“Se isso realmente acontecer, é um sinal extremamente negativo para a indústria têxtil e varejistas. O que existe hoje é um passe livre tributário federal para essas compras, sem entrar no mérito regulatório”, afirmou o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções, Fernando Pimentel.
Na entrevista, Cunha disse que um senador pode apresentar uma emenda ao seu relatório durante a tramitação, restabelecendo a tributação das blusinhas, mas parece acreditar que a impopularidade da iniciativa freie o intento.
“Se algum outro senador pensar diferente, ele vai ter que defender e convencer a maioria 41 senadores que estarão presentes (sobre a taxação das blusinhas)”, disse.
Sobre o retorno à Câmara, o senador criticou que a votação tenha sido simbólica, o que retirou a impressão digital de apoiadores da medida.
“Se a Câmara irá ou não colocar novamente a taxação das blusinhas, esta situação cabe à Câmara dos Deputados. Agora espero que dessa vez não apenas insiram o artigo, mas também insira a digital de quem vai concordar com isso”, afirmou.
A decisão de Cunha sobre as mudanças no texto do Mover provocou a convocação inesperada de uma reunião de líderes do Senado, chamada por Pacheco.
Mais cedo, o presidente da Casa disse ser favorável à tributação e que o tema deveria ir a voto.
“De fato há uma concorrência entre os mesmos produtos entre a indústria nacional e a indústria estrangeira. Não pode haver tratamento diferenciado em relação a isso, me parece de fato que se estabelecer uma taxação uniforme entre o que vem do exterior e o que é produzido aqui é algo que venha a calhar para o desenvolvimento da indústria nacional”, disse Pacheco.
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