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Opinião|Por que o capital filantrópico pode alavancar uma nova economia baseada na natureza

Modelo de financiamento misto, conhecido como ‘blended finance’, vem sendo aplicado no Brasil na recuperação de áreas degradadas e na conservação produtiva

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Foto do author Renata Piazzon
Atualização:

Nos últimos anos, temos acompanhado o crescimento de estruturas inovadoras de uso de capital filantrópico para destravar investimentos de mercado em uma combinação ótima entre risco, retorno, liquidez e, sobretudo, impacto para negócios que mantenham a floresta em pé e gerem renda para quem nela vive.

São projetos que usam o capital filantrópico para provar a viabilidade de um conceito inicial, especialmente em novas áreas, e influenciar a decisão de investidores de maior porte. Com essa abordagem, a filantropia assume papel catalisador, alavancando investimento público e privado em maior escala. Esse incentivo pode ocorrer em forma de financiamentos concessionais (com taxas mais baixas, para apoiar no desenvolvimento), subsídios, garantias ou doações conversíveis em participação acionária.

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Nesses casos, a filantropia entra como colateral, a custo perdido, reduzindo o risco para investidores públicos e privados. Esse tipo de estrutura é crucial para que uma nova economia baseada na natureza - como sistemas agroflorestais, restauração de biomas, mangues e outros ativos naturais - deixe de ser uma promessa para criar negócios bem sucedidos, com alta geração de emprego e renda.

Conhecido como blended finance, esse modelo de financiamento misto vem sendo aplicado no Brasil na recuperação de áreas degradadas e na conservação produtiva. Um dos exemplos mais recentes reúne a Natura, a securitizadora VERT e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) em um programa para financiar cooperativas, associações e famílias agroextrativistas na Amazônia.

Na primeira fase, metade do aporte foi feito pela Natura e demais recursos vieram de investidores filantrópicos, como o Fundo Vale e a Good Energies Foundation. É esperado que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também entre no bloco, já que o projeto venceu o edital de blended finance do banco de fomento.

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Projeto do Instituto Arapyaú beneficiou produtores de cacau no sul da Bahia Foto: Ana Lee

O Instituto Arapyaú, do qual sou diretora, se prepara para a expansão de um crédito com contrapartida de impacto social e ambiental para produtores de cacau de pequenas propriedades. Quando foi lançado, em 2020, o projeto era pioneiro, beneficiando mais de 200 famílias no sul da Bahia. Agora, na segunda rodada, a expectativa é que um aporte do BNDES alavanque um volume de investimentos ainda maior, o que vai permitir que o crédito alcance também os cacauicultores do Pará.

Nesse caso específico, além de provar um conceito - de que investir na agricultura familiar e no cacau dá bons retornos financeiros, sociais e ambientais -, a filantropia também foi fundamental para oferecer assistência técnica aliada ao crédito. É um serviço caro, nem sempre presente nos produtos financeiros agrícolas, mas que garantiu boas práticas de produção, aumento de produtividade e de qualidade das amêndoas de cacau.

Os ganhos econômicos de curto prazo provenientes de práticas degradantes ao meio ambiente e, em muitos casos, ilegais, são frequentemente maiores do que aqueles obtidos por meio de iniciativas que envolvam sua conservação e recuperação. Por essa razão, esses novos negócios - na mesma escala econômica - são necessários para gerar maior valor partilhado a partir do uso sustentável do solo.

O fato de a natureza ainda não ser considerada uma classe de ativos, ou seja, não aparecer no balanço financeiro nem nas contas do Produto Interno Bruto (PIB) dos países, é um desafio e tanto para a emergência de uma economia baseada em soluções naturais. E aqui, de novo, a filantropia pode ajudar na discussão e na construção mais ampla sobre o valor do capital natural (florestas, oceanos e outros ecossistemas). Um país com um capital natural como o Brasil não pode simplesmente dizer que esse capital não vale nada.

O BNDES tem sido reconhecido pelo esforço em fazer a agenda do blended finance avançar no Brasil. Segundo relatório mais recente da rede Convergence, o “State of Blended Finance 2023″, embora o volume de recursos para esse modelo de financiamento tenha caído em 2023 no mundo por razões variadas, nos últimos três anos o Brasil aparece entre os países mais visados para transações de blended finance climático, ao lado de Quênia, Nigéria, Índia e Colômbia.

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Diante do tamanho - e da urgência - do desafio, é preciso ainda mobilizar organizações filantrópicas para que orientem seus recursos para a agenda de mitigação das mudanças climáticas. De acordo com o relatório mais recente da ClimateWorks, a filantropia investiu entre US$ 7,5 bilhões e US$ 12,5 bilhões em 2022 para esse fim. Ainda que seja um montante significativo, a agenda climática corresponde a 2% do total de doações filantrópicas globais. No Brasil não é muito diferente. O último censo do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e empresas) projeta um investimento de R$ 5,6 bilhões para a filantropia em 2023, mas apenas 7% das organizações declararam sustentabilidade e ambientes natural e urbano como focos de atuação.

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É por isso que a cooperação entre diferentes atores se torna fundamental. Temos defendido e reafirmado, durante a trajetória do Arapyaú, que problemas complexos dependem de soluções em rede. Modelos mais eficientes e de longo prazo de financiamento que possam sustentar redes, iniciativas e negócios se fazem necessários para o desenvolvimento justo, inclusivo e sustentável do País.

Essa abordagem inovadora de financiamento, que combina recursos de investidores privados, governos, instituições financeiras internacionais e organizações filantrópicas, desempenha papel importante para os negócios na Amazônia.

O financiamento misto pode permitir que os negócios tenham acesso a capital de investimento de longo prazo, suporte técnico e expertise, bem como garantias e mecanismos de mitigação de riscos. Além disso, pode incentivar a criação de parcerias entre diferentes atores, como empresas, organizações da sociedade civil, governos locais e comunidades tradicionais, para promover a colaboração e a cocriação de soluções inovadoras e sustentáveis para os desafios da região amazônica.

É necessário que a filantropia vá além de doações, proporcionando formas inovadoras de recursos, conhecimento e apoio técnico para viabilizar projetos sustentáveis, capazes de mudar o ponteiro e contribuir para a conservação da biodiversidade, o respeito às comunidades locais e o desenvolvimento econômico do País.

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Opinião por Renata Piazzon

Diretora-geral do Instituto Arapyaú, cofacilitadora da Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura e representante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável (CDESS)

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