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Opinião | COP-30 no Pará: está na hora de cumprir o dever de casa pela Amazônia

Evento é oportunidade para estado inspirar nova forma de pensar o desenvolvimento em tempos de crise climática

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Foto do author Renata Piazzon

Em novembro de 2025, o Pará será palco da COP-30, evento que colocará a Amazônia no centro do debate climático global. É uma oportunidade histórica para o estado demonstrar que o desenvolvimento sustentável não é uma utopia, mas um modelo viável que alia geração de renda a conservação da floresta. Essa responsabilidade não vem sem desafios: ser o anfitrião da COP exige que o Pará faça o seu dever de casa – e que o faça de maneira exemplar.

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A um ano da conferência, o governo do Pará lançou um conjunto de 13 metas prioritárias ancoradas no Plano Estadual Amazônia Agora, que busca a redução de emissões dos gases de efeito estufa oriundos do uso da terra, florestas e agricultura.

As metas foram divulgadas no início deste mês pelo Todos pela COP-30, movimento multissetorial do qual faço parte junto a outras lideranças climáticas, cientistas, empresários, comunicadores e políticos. Esse grupo enxerga na realização da COP em Belém uma oportunidade para contribuir com o Brasil e com a proteção da floresta amazônica.

A restauração florestal é um dos pilares dessa agenda, com o objetivo de incorporar 100 mil hectares restaurados até 2026. Trata-se de uma meta ambiciosa e necessária, mas que enfrenta desafios práticos como a insegurança fundiária e a incipiente estruturação de mercados de restauração. Para alcançar esses objetivos, o Pará precisará mobilizar esforços coordenados entre governo, setor privado e comunidades locais, garantindo que a restauração também gere renda para pequenos produtores e populações tradicionais.

Centro de Belém; cidade receberá COP em novembro de 2025 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Na pecuária, a universalização da rastreabilidade prevista para 2025 é uma medida ousada que pode reposicionar o estado no mercado internacional. É crucial que o processo seja acompanhado de investimentos em capacitação técnica e em ferramentas acessíveis para produtores de diferentes escalas. A transição para uma pecuária sustentável não será apenas um requisito de mercado, mas uma chance de liderar um modelo integrado de produção que respeite a floresta.

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A bioeconomia, por sua vez, é destacada como uma solução para unir conservação e desenvolvimento econômico. O futuro Centro de Inovação de Bioeconomia de Belém (CIBB) e a valorização de bioativos amazônicos podem, de fato, impulsionar novos modelos de negócios, desde que sejam acompanhados por políticas que fortaleçam redes locais e promovam a inclusão de comunidades. Isso é especialmente importante em uma região onde cadeias produtivas ainda enfrentam desafios de escala e onde o extrativismo tradicional nem sempre gera benefícios econômicos suficientes.

No campo social, a valorização de serviços ambientais (benefícios obtidos direta ou indiretamente da natureza) representa um passo significativo para integrar conservação e geração de renda. O desafio será transformar essa proposta em algo concreto e escalável, colocando o setor privado como co-financiador dessa agenda e conectando os projetos de pagamentos por serviços ambientais entre si. Essa integração será essencial para ampliar o impacto social e ambiental do programa.

A ampliação de áreas protegidas e o combate ao desmatamento ilegal são compromissos que reforçam a intenção do Pará de proteger seus territórios. O sucesso dessas medidas depende de uma governança sólida e de uma articulação eficaz entre os diversos atores envolvidos. O fortalecimento das brigadas comunitárias e a regularização fundiária serão fundamentais para reduzir a pressão sobre áreas vulneráveis e oferecer segurança jurídica às populações locais.

Nas cidades amazônicas, adaptar a infraestrutura às mudanças climáticas e promover resiliência urbana são metas urgentes. Com a maioria da população da Amazônia vivendo em áreas urbanas, ações como saneamento básico e gestão de resíduos podem transformar a qualidade de vida local e mitigar impactos de eventos climáticos extremos. A coordenação entre estados e municípios será essencial para que essas ações avancem além das intenções.

O mecanismo de REDD+ (incentivos econômicos criados para reduzir as emissões de gases de efeito estufa resultantes do desmatamento e da degradação florestal) é a base de uma das 13 metas. O objetivo é garantir pelo menos R$ 2 bilhões para o financiamento climático até 2026, com participação equilibrada da sociedade civil e dos povos tradicionais na governança. Nesse caso, a escala dos desafios exige um esforço contínuo para garantir que os recursos captados sejam bem utilizados e que as comunidades locais sejam, de fato, parte integrante da governança. A transparência será o pilar para fortalecer a confiança internacional e assegurar que os benefícios cheguem aos que mais precisam.

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Transformar esses planos em realidade exige mais do que uma visão inspiradora. O Pará enfrenta desafios estruturais e conjunturais que precisam ser encarados com pragmatismo. A pressão do desmatamento ilegal, a necessidade de engajamento efetivo das comunidades locais e a garantia de recursos financeiros e técnicos são questões críticas. Fazer o dever de casa, nesse contexto, significa criar um sistema de governança robusto, capaz de coordenar esforços entre governo, setor privado e sociedade civil.

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A questão do tempo também é crucial. Com a COP-30 a menos de um ano de distância, a implementação de ações concretas em larga escala será um teste da capacidade do estado de sair da visão para a prática. A complexidade da Amazônia não permite atalhos, mas a urgência da crise climática também não permite adiamentos.

Ao olhar para as metas do Pará, é impossível não reconhecer o protagonismo que a Amazônia pode – e deve – assumir na agenda climática global. O mundo precisa de soluções para frear o aquecimento global, e a floresta amazônica, com sua biodiversidade rica e papel essencial na regulação climática, é parte central dessa equação.

A COP-30 é, em última análise, uma oportunidade única para o Pará mostrar que o desenvolvimento sustentável na Amazônia é possível – e replicável. Não se trata apenas de proteger uma floresta, mas de inspirar uma nova forma de pensar o desenvolvimento em tempos de crise climática.

Opinião por Renata Piazzon

Diretora-geral do Instituto Arapyaú, cofacilitadora da Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura e representante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável (CDESS)

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