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| Davos e o poder das boas histórias sobre o Brasil

Mudanças climáticas dominaram conversas no Fórum Econômico Mundial para além do efeito Trump nessa agenda

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Foto do author Renata Piazzon

O encontro anual do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), que acontece na cidade de Davos todo janeiro, é um espaço onde lideranças da política, das finanças e das empresas se reúnem para discutir e propor soluções aos principais problemas do mundo. Na edição deste ano, cujo tema oficial foi o desenvolvimento da inteligência artificial, a posse de Donald Trump – e seus diferentes desdobramentos no jogo de forças geopolítico e econômico – aqueceu o debate nos alpes gelados da Suíça.

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Para além do efeito Trump na agenda global ambiental, as conversas sobre mudanças climáticas também dominaram os mais diferentes fóruns aqui em Davos, de onde escrevo este artigo. No maior encontro econômico do mundo, a mais urgente das crises tornou-se um tema inescapável. Segundo estudo divulgado na semana passada pelo próprio WEF, os eventos climáticos extremos foram percebidos como o segundo maior risco global de 2025 (atrás apenas dos conflitos armados), na visão de 900 especialistas da academia, da política e dos negócios. Em um horizonte de 10 anos, as ameaças ambientais dominam as preocupações dos especialistas. O estudo considera risco global aquilo que pode afetar uma proporção significativa do PIB, da população e dos recursos naturais.

No ano em que o Brasil sedia a COP-30, o tema do clima também mobilizou boa parte dos debates organizados por brasileiros em Davos. O Fórum Econômico Mundial reforçou que este é o momento de o Brasil despontar e assumir seu papel de liderança na agenda climática global. Com potencial único para oferecer soluções que integram transição energética, agricultura regenerativa e restauração de ecossistemas, o País tem a oportunidade de se destacar como exemplo de economia verde e de inspirar uma transformação global. Em um momento em que o mundo busca referências concretas para enfrentar a crise climática, é preciso construir e amplificar boas narrativas sobre o Brasil, mostrando à comunidade internacional como é possível aliar desenvolvimento econômico à preservação ambiental.

Fórum Econômico Mundial reforçou que este é o momento de o Brasil despontar e assumir seu papel de liderança na agenda climática global Foto: Markus Schreiber/AP

A importância do Brasil foi reforçada pelo aguardado anúncio do diplomata André Corrêa do Lago como presidente da conferência que acontecerá em Belém, em novembro. Com uma trajetória de 25 anos ligada a clima e desenvolvimento sustentável, a escolha do atual secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores para o cargo é certeira para as missões que o País tem pela frente. Ele é conhecido por trazer para a mesa e colocar para conversar atores muitas vezes divergentes, uma habilidade fundamental nestes tempos de tantos conflitos e polarizações.

A COP-30 tem sido considerada a cúpula do clima mais importante desde 2015, quando se estabeleceu o Acordo de Paris. Além de marcar os 10 anos do tratado em que quase 200 países concordaram em trabalhar juntos para limitar o aquecimento global, a COP no Brasil promete inaugurar a década da implementação, como bem reforçado por Ana Toni, atual secretária de clima do Ministério do Meio Ambiente, que também foi nomeada CEO da COP – outra indicação acertada.

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Além de ser um marco no campo diplomático, a COP-30 produzirá efeito simbólico que não pode ser desprezado. Sediar pela primeira vez a conferência em uma floresta, justo no período em que se prevê queimadas e mais uma seca extrema na região, escancara para o mundo o papel crítico da Amazônia para o equilíbrio global do clima. Diante de uma realidade tão concreta, será impossível ignorar a origem das nossas maiores emissões de carbono.

O fato de sediar um evento como esse vai exigir ainda que o País defina uma visão de longo prazo. Essa é uma COP que celebra o Acordo de Paris, mas também deveria ser uma COP para o Brasil construir uma agenda para os próximos 10 anos. É o momento de eliminar gradualmente as emissões de combustíveis fósseis e mostrar ao mundo que o desenvolvimento sustentável é um caminho possível e replicável.

Com a maior parte da Amazônia em seu território, quase 90% de sua matriz elétrica derivada de fontes renováveis e sendo um gigante agrícola, com práticas regenerativas de agricultura reconhecidas, o Brasil já é uma potência ambiental. Pioneiro na produção e consumo de biocombustíveis, o país tem apostado em commodities verdes, como o combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês) e o hidrogênio verde. As dimensões continentais e a abundância de recursos naturais – muitos deles críticos para a transição energética – conferem ao Brasil vantagens competitivas para liderar uma nova economia de baixo carbono.

O Brasil apresenta ainda uma elevada capacidade de produção de florestas, sendo uma das maiores referências globais na ciência da restauração florestal, além de uma das áreas prioritárias para restauração ecológica no mundo. Com mais de 500 milhões de hectares de florestas nativas, a restauração pode se tornar o caminho natural para a consolidação de uma economia baseada na natureza.

Em todos os eventos a que assisti aqui, ficou nítida a importância de contarmos boas histórias sobre o Brasil, a despeito dos desafios de todas as ordens que teremos daqui até novembro, quando acontecerá a COP. A julgar pela mobilização do setor privado e da sociedade civil vista nestes últimos dias em Davos – que teve uma participação política esvaziada, mas contou com o ineditismo de uma Brazil House para promover investimentos e oportunidades em soluções verdes –, André e Ana não estarão sozinhos nesta missão.

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Opinião por Renata Piazzon

Diretora-geral do Instituto Arapyaú e representante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável (CDESS)

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