A resistência à agenda climática não é um fenômeno recente nem meramente racional. Embora as evidências científicas sejam incontestáveis, diversos fatores explicam por que parte da sociedade ainda nega ou minimiza a crise. O histórico de previsões catastróficas que não se concretizaram no passado, aliado à crença de que a tecnologia resolverá o problema no futuro, sustenta um viés de ceticismo. Mas há forças mais profundas em jogo.
Em primeiro lugar, interesses econômicos e políticos. Grandes setores da economia têm forte influência política e financeira para minimizar ou desacreditar o tema e são eficientes em postergar o problema. Campanhas de desinformação, amplificadas por redes sociais e discursos populistas, criam uma falsa impressão de incerteza científica, quando, na verdade, o consenso sobre a relação entre emissões de gases de efeito estufa e aquecimento global é irrefutável.
Em segundo, dissonância cognitiva. Muitas pessoas evitam aceitar a gravidade da crise climática por ela implicar mudanças em seu estilo de vida, padrões de consumo e até crenças políticas. O problema parece distante até afetar diretamente o cotidiano – e, muitas vezes, mesmo diante de eventos extremos, há resistência em conectar causa e efeito. Esse mecanismo psicológico explica por que parte da população se agarra a soluções simplistas ou prefere negar a questão a enfrentar suas implicações.
Em terceiro, tempo e escala do problema. O colapso climático não ocorre de forma imediata ou uniforme. Ondas de calor, enchentes e secas severas ainda são percebidas por muitos como fenômenos isolados, e não como sintomas de uma crise sistêmica. A ausência de um senso de urgência dificulta o avanço de políticas públicas e reforça a inércia coletiva.

Por último, a crescente desconfiança nas instituições. Em um mundo polarizado, cresce o ceticismo sobre a ciência, os governos e as organizações internacionais, levando grupos a enxergarem os alertas climáticos como manipulação política ou econômica – mesmo quando a água já sobe pelas paredes.
A negação da crise climática envolve ainda emoções, interesses e mecanismos sociais complexos. Combater essa descrença exige mais do que evidências científicas; exige narrativas que conectem a realidade das pessoas às soluções possíveis.
O que podemos aprender com o passado?
Na área ambiental, um dos casos mais emblemáticos de cooperação internacional bem-sucedida foi o Protocolo de Montreal, assinado em 1987, que conseguiu reverter a destruição da camada de ozônio. Seu êxito se deve à convergência de três fatores: (i) evidência científica inquestionável sobre os danos causados pelos CFCs, materializada pelo buraco na camada de ozônio sobre a Antártida, o que reforçou a urgência da ação; (ii) impacto direto na saúde humana, com elevação do risco de câncer de pele, tornando o problema tangível para a opinião pública; e (iii) alternativas tecnológicas viáveis, que permitiram à indústria substituir os CFCs sem grandes impactos econômicos.
No caso da crise climática, temos um desafio mais complexo: as emissões de carbono estão profundamente enraizadas na matriz energética global e em interesses econômicos. Mas a lição de Montreal mostra que grandes transformações são possíveis.
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A história também ensina que as narrativas moldam nossa percepção e reação a desafios ambientais. A forma como um problema é enquadrado define as soluções que se tornam politicamente viáveis. Gaspar de Carvajal, que participou da primeira expedição europeia pelo Rio Amazonas, liderada por Francisco de Orellana (1541-1542), projetou sobre a floresta as referências de sua terra natal. Ele descreveu as margens do rio como “terras temperadas”, apropriadas para trigo e gado – uma interpretação equivocada que moldou a forma como a Amazônia foi representada ao longo da história, reforçando um imaginário de possibilidades agrícolas e econômicas dentro de um paradigma europeu. Essa narrativa ignorou a complexidade do ecossistema amazônico e legitimou modelos de ocupação que resultaram em desmatamento e degradação.
No Brasil de hoje, a percepção da agenda climática como um tema exclusivo da esquerda segue o mesmo padrão histórico: uma narrativa que distorce os fatos e impede avanços. O desafio, portanto, não é apenas apresentar evidências científicas, mas construir um discurso que dialogue com diferentes setores da sociedade, demonstrando que a transição para uma economia de baixo carbono não é uma ameaça, mas uma oportunidade – para a produtividade, a segurança alimentar e energética e a competitividade global do país.
Novas narrativas para um novo contexto político
A necessidade de novas narrativas climáticas se torna urgente diante do atual equilíbrio político. As eleições municipais de 2024 consolidaram a força do centro e da centro-direita, que governam mais de 70% das principais cidades. Esse grupo detém o equilíbrio de poder em Brasília e será decisivo nas eleições de 2026. No entanto, a percepção de que a política ambiental é um tema dominado pelos progressistas tem dificultado o avanço da agenda climática em setores mais conservadores.
O agronegócio, um dos pilares da economia nacional, está no centro desse debate. O setor representa 49% das exportações do Brasil e emprega 26,5% da força de trabalho nacional. No entanto, ele também é o mais vulnerável às mudanças do clima. Nos últimos 15 anos, a agricultura e a pecuária acumularam perdas de R$ 40,5 bilhões devido a eventos extremos como secas, enchentes e incêndios, segundo análise do InfoAmazonia, com base nas informações do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres, da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil.
É preciso construir narrativas que conectem a agenda climática aos interesses de diferentes segmentos, garantindo que o diálogo ultrapasse divisões ideológicas e estimule a cooperação para soluções sustentáveis. A experiência mostra que quando ciência, política e economia convergem, avanços são possíveis. A questão que se coloca é: estamos prontos para virar o jogo?