Quem acha que pode manter recursos fora do País sem o conhecimento da Receita Federal brasileira ou está mal informado ou conta demais com a própria sorte.
Como avisou o secretário da Receita, Jorge Rachid, em entrevista ao Broadcast no dia 3, o espaço para esconder dinheiro com o objetivo de escapar da tributação “está cada vez menor”. E este não é um blefe de fiscal de rendas.
Avança em ritmo acelerado a troca automática de informações financeiras entre países. Como é fato conhecido, trata-se de movimento global encabeçado pelos Estados Unidos e pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com o objetivo de fechar o cerco ao financiamento de atividades ilícitas e do terrorismo.
Na cola do que já foi feito em outros países como Itália, Portugal e Argentina, o governo do Brasil sancionou, no início deste ano, o regime especial de repatriação de recursos existentes no exterior que tiverem origem lícita. Pela norma, quem fizer a declaração voluntária desses recursos (antes escondidos da Receita) pagará 30% sobre o total – 15% de multa e 15% de Imposto de Renda.
Em contrapartida, os contribuintes que aderirem ao programa terão anistia de alguns crimes, como os de lavagem de dinheiro, falsificação, evasão de divisas e sonegação fiscal. Como já dito nesta Coluna outras vezes, este programa é mais do que uma campanha do tipo “limpe seu nome” ou uma mera adesão a um movimento ético global. Com essa iniciativa, o governo pretende arrecadar pelo menos R$ 35 bilhões, que chegariam em boa hora diante da atual penúria do Tesouro.
Quando proposto, no ano passado, o projeto de lei de repatriação produziu rebuliço, seja porque gerou desconfiança de que se trataria de uma lavanderia oficial de dinheiro sujo, seja porque o tamanho da alíquota e da multa supostamente favoreceriam o sonegador. Uma vez sancionada a lei, e ultrapassadas essas polêmicas, o que fica são dúvidas técnicas – que geram ainda insegurança jurídica por parte daqueles que querem aderir. O debate gira em torno do que exatamente tem de ser declarado e de qual período de depósitos cobre essa declaração.
A lei diz que o contribuinte tem de apontar o saldo de 31 de dezembro de 2014. Como proceder se o saldo anterior tiver sido mais alto? E, mais ainda, o que fazer se, nessa data, já não houver mais patrimônio no exterior? A instrução normativa da Receita define que, para os ativos não mais existentes, o contribuinte deve declarar o “valor presumido”. Mas o que seria esse “valor presumido”?
Se, por exemplo, alguém que tivesse remetido ao exterior US$ 1 milhão em 2012 e em 31 de dezembro de 2014 tinha lá apenas metade disso, qual será o valor a declarar? A especialista em Direito Tributário Elisabeth Libertuci, consultora do escritório Trench, Rossi e Watanabe, observa que, se for levada em conta apenas a letra da lei, o contribuinte teria que recolher 30% sobre esses US$ 500 mil. No entanto, não há segurança jurídica sobre se essa declaração extinguiria a punibilidade – uma vez que o fato gerador foi a remessa omitida de US$ 1 milhão.
“É uma lei penal e não tributária. Por isso, o mais importante é que o contribuinte seja estritamente conservador no pagamento do imposto para se livrar do crime, e não o contrário”, observa.
O advogado e professor de Direito Penal da USP Pierpaolo Bottini concorda. “Estamos orientando os clientes a olhar os últimos 16 anos (tempo para a prescrição do crime de lavagem de dinheiro) e declarar o máximo que conseguir, porque só há anistia sobre o patrimônio que tiver sido declarado.”
A Receita não divulgou nenhum balanço de quanto já arrecadou com base nessa lei, mas o interesse pela adesão é enorme, segundo advogados das áreas Tributária e Penal. A expectativa, no entanto, é de que as declarações sejam efetivamente enviadas mais perto do fim do prazo – dia 31 de outubro. É aquela coisa: Ninguém quer ser o primeiro.
Em tempo. Mesmo com a mudança do governo, a princípio a temperatura e a pressão se mantêm as mesmas no que diz respeito à Lei de Repatriação de Recursos. Não só porque o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sinalizou que Jorge Rachid deve continuar à frente da Receita Federal, mas também porque o que tinha para ser definido no âmbito regulatório já foi. E, claro, na atual situação do Tesouro, os bilhões que podem aportar por aqui são extremamente bem-vindos. O novo ministro do planejamento, Romero Jucá, por exemplo, já disse na sexta-feira que o governo usará esses recursos para bancar a reforma do ICMS. *COM LAURA MAIA E PEDRO BORGES – ESPECIAL PARA O ‘ESTADO
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