‘Restringir o crédito para a indústria prejudica o desenvolvimento do País’, diz economista

Reindustrializar o Brasil depende de reformas para melhorar o acesso ao crédito e reduzir o custo, diz Bráulio Borges; algumas delas ‘estão no papel mas ainda não estão efetivas na prática’

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Por Diego Lazzaris
Atualização:
Foto: Taba Benedicto/ Estadão
Entrevista comBráulio BorgesEconomista

A indústria é o setor que impulsiona a produtividade da economia como um todo, mas para isso depende de “capital intensivo”, portanto é fundamental encontrar uma forma de financiar a reindustrialização de que o Brasil precisa, observa o economista Bráulio Borges, da LCA Consultores e pesquisador associado do Ibre/FGV. Borges abordou esse desafio, na terça-feira, 23, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), no Fórum Estadão Think - A Indústria no Brasil Hoje e Amanhã, que teve também apoio institucional do Centro das Indústrias do Estados de São Paulo (Ciesp), da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Nesta entrevista, concedida após participar de um dos painéis do seminário, Borges ressalta as reformas ainda necessárias e explica por que a questão do crédito para o setor industrial precisa mudar no Brasil.

'Se a indústria não consegue investir, não consegue viabilizar inovação nem ganhos de produtividade' Foto: Felipe Rau/ Estadão

Como a dificuldade de acesso ao crédito afeta o crescimento da indústria brasileira?

A indústria é o setor que impulsiona a produtividade da economia como um todo. Ao contrário do setor de serviços e do agronegócio, a indústria é extremamente intensiva em capital físico (financiamento). Para obter esse capital físico, muitas vezes é necessário recorrer a empréstimos ou capital de terceiros, como sócios. Em um país com juros altos, tanto a taxa básica quanto o spread bancário (a diferença entre os juros que os bancos pagam e cobram), o setor mais prejudicado é naturalmente aquele mais intensivo em capital, ou seja, a indústria. Se a indústria não consegue investir, ela não consegue viabilizar inovação nem ganhos de produtividade. Como diz Paul Krugman, ‘produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo’. Na prática, restringir o crédito e o acesso ao capital para a indústria prejudica o desenvolvimento econômico do País. Por isso, há uma grande preocupação com o financiamento da indústria.

Na abertura do evento, o presidente da Fiesp, Josué Gomes, citou o Plano Safra como uma referência, ao impulsionar outro setor, o agronegócio. A indústria precisa de algo equivalente?

A comparação com o Plano Safra é pertinente, pois o agronegócio, que teve um desempenho pujante nos últimos 20 a 25 anos, recebe financiamento anual cinco vezes maior do que o proposto para a nova indústria brasileira. Há um claro diagnóstico de deficiência de financiamento na indústria. Existem algumas iniciativas para melhorar essa situação, como a duplicata eletrônica e a melhoria da lei de falências, que buscam facilitar o acesso ao crédito e reduzir seu custo. No entanto, essas medidas ainda são insuficientes.

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O que é preciso?

Algumas reformas estão na lei, mas não funcionam na prática. O cadastro positivo de crédito, por exemplo, aprovado inicialmente em 2011 e reformulado em 2019, ainda não funciona bem para pessoas jurídicas. Assim, muitas reformas necessárias para melhorar o acesso ao crédito e reduzir seu custo ainda não estão efetivas na prática. É crucial continuar trabalhando nessas áreas para garantir que a indústria possa obter o financiamento necessário para impulsionar a produtividade e o desenvolvimento econômico do Brasil.

Das 330 mil empresas industriais no Brasil, apenas 30 mil realmente conseguem acessar o mercado de capitais. Estas são empresas médias e grandes, que têm uma estrutura de governança contábil que permite essa entrada. Para as outras 300 mil empresas, as opções são basicamente o mercado de crédito bancário e o capital de terceiros, como sócios.

O mercado de capitais é uma opção viável para o financiamento da indústria no Brasil?

O mercado de capitais é grande e possui um custo acessível, sendo bem mais barato do que o mercado de crédito. No entanto, o público que tem acesso ao mercado de capitais é muito restrito. Das 330 mil empresas industriais no Brasil, apenas 30 mil realmente conseguem acessar o mercado de capitais. Estas são empresas médias e grandes, que têm uma estrutura de governança contábil que permite essa entrada. Para as outras 300 mil empresas, as opções são basicamente o mercado de crédito bancário e o capital de terceiros, como sócios. Embora o mercado de capitais tenha se desenvolvido bastante no Brasil, inclusive com subsídios para LCA (Letra de Crédito do Agronegócio) e LCI (Letra de Crédito Imobiliário) que reduzem a taxação, ele ainda atende um público muito restrito. Esse público, composto por empresas com grande faturamento e importância sistêmica, consegue acessar o mercado de capitais. No entanto, para a maioria das empresas, o mercado de capitais não é uma solução viável. É aqui que entra o papel do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e de outros bancos regionais, que tentam corrigir essas falhas de mercado, oferecendo linhas de crédito onde os bancos privados não ofertam ou onde os custos são elevados demais, inviabilizando o acesso ao crédito para essas empresas.

Quando falamos de micro e pequenas indústrias, a situação de financiamento é ainda mais complexa?

Muitas dessas empresas são semi-formais e não estão completamente regularizadas. Elas têm uma relevância significativa no setor industrial brasileiro, especialmente na geração de empregos. Embora não sejam tão relevantes em termos de valor adicionado ou PIB (Produto Interno Bruto) gerado, sua importância no mercado de trabalho é inegável. Essas empresas enfrentam mais dificuldades no acesso ao crédito. O BNDES tenta fazer isso com algumas linhas de crédito, oferecendo juros mais baixos para essas empresas. No entanto, muitas dessas empresas, especialmente as muito pequenas, são quase informais. Para essas empresas que estão na informalidade, na prática, o acesso ao crédito é praticamente inexistente.

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