BRASÍLIA - A reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), que começou às 15h20 de quinta-feira, 29, foi praticamente o ato final do dia que selou a mudança do regime de metas de inflação do País, que vigora pelo sistema de ano-calendário desde 1999. A decisão do governo Lula de adotar a meta contínua a partir de 2025 se desenhou antes da reunião oficial: além dos meses de expectativa e discussão em torno do novo regime, o tema foi debatido em encontro da sede da pasta, às 13h30, que reuniu auxiliares e os titulares do CMN: os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
O martelo só foi batido, contudo, em um segundo encontro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que horas antes do CMN pediu publicamente por uma meta alcançável, recebeu Haddad numa reunião expressa no Palácio do Planalto, apenas entre os dois, quando deu o sinal verde para seu ministro anunciar um novo sistema de meta de inflação. No Palácio, fontes relatam que Lula disse confiar na condução do assunto por Haddad. Mais tarde, o ministro transmitiu o recado ao dizer que o chefe do Executivo tinha dado “carta branca” para a mudança, que depende de um decreto presidencial e foi apenas “comunicada” ao Banco Central, nas palavras de Haddad.
Leia mais sobre economia
Com os acertos feitos, o governo teve pressa em divulgar a novidade e a manutenção da meta em 3%. O desejo era de tornar as definições públicas com o mercado ainda aberto, atitude inusual para os anúncios do CMN, que costumam sair após às 18h. Convocada para cerca de 17h15, a coletiva de imprensa com Haddad e Tebet começou até antes. Às 17h05, o ministro iniciou sua fala, que repercutiu imediatamente. Os juros futuros bateram mínimas e o dólar futuro ampliou a queda assim que Haddad confirmou as decisões. Aumentaram também as apostas de corte de 0,50 ponto porcentual da taxa Selic em agosto - em linha com uma queda “mais consistente” defendida por Haddad, contra o “parcimonioso” indicado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) na ata publicada na última terça-feira (27).
Na Fazenda, após o estresse com as mensagens consideradas divergentes do comunicado e da ata do Copom, que manteve a Selic a 13,75%, essa recepção era importante. A equipe econômica passou os primeiros seis meses do mandato de Lula pressionada entre a ala política - e Lula, principalmente -, que critica sem cerimônia a condução do BC por Campos Neto, e o mercado, que via nos ataques uma afronta à autonomia do órgão, e um elemento de estresse adicional que refletia na curva de juros.
Haddad e Tebet também não deixavam de reclamar, mas adotavam um tom mais polido. O clima entre a autoridade monetária e os ministros, no entanto, azedou após o último comunicado do Copom, que não dava indicações sobre o início do ciclo de cortes. Nos últimos 20 dias, Haddad e Campos Neto almoçaram em duas oportunidades e, na Fazenda, a avaliação era de que o presidente do BC compreendia haver um ambiente para o patamar da Selic começar a baixar. O comunicado, por isso, frustrou os ministros da área econômica.
Foi nessa temperatura quente, construída nas últimas duas semanas, que o CMN se reuniu nesta quinta-feira. Segundo fontes, o clima da reunião foi mais tenso que o habitual. Um indicativo foi o fato de Campos Neto não ter participado da coletiva de imprensa junto de Haddad e Tebet.
Apesar do ambiente menos amigável, a solução, por ora, atende a todos. Para Lula, apesar de a meta da inflação ter sido mantida em 3%, o fim do ano-calendário já traduz uma flexibilização do regime. Ontem pela manhã, o petista afirmou que o Brasil não precisaria de uma meta de inflação “tão rígida”. “A política monetária tem que ser móvel. Não pode ser fixa e eterna”, afirmou o petista.
Haddad e Tebet também saíram satisfeitos. E aproveitaram a coletiva para dar o recado. O ministro da Fazenda indicou que foi a conjuntura econômica do País, após seis meses de governo Lula, que permitiu a manutenção da meta em 3% - embora parte da gestão petista ainda defendesse um patamar mais alto. Ele destacou em mais de uma vez que, segundo a estimativa atualizada ontem pelo BC, a previsão é de que o Brasil alcance em 2025 uma inflação de 3,1% - portanto, muito perto do centro da meta. “Cortes de juros podem ser feitos em agosto sem desancoragem”, defendeu ontem.
Além disso, sobre a meta contínua, Campos Neto já tinha antecipado seu aval ao dizer que considerava o modelo um “aperfeiçoamento” do arcabouço, que seria mais eficiente - detalhe rememorado por Haddad por mais de uma vez ontem a jornalistas.
A nova sistemática também só começa a valer em 2025, quando o indicado de Jair Bolsonaro já estará fora do BC, como bem pontuou o ministro ontem. Nos bastidores, a expectativa é de que Gabriel Galípolo, número 2 da Fazenda até este mês, ocupe o cargo mais alto da autoridade monetária assim que Campos Neto deixar. Mas, antes disso, sua presença na diretoria do órgão, junto com Ailton Aquino, também indicado por Lula, já deve “esquentar” o Copom.
O comitê, por sua vez, já vai receber os novos membros, vistos como emissários do governo e defensores de um juro mais baixo, com as portas abertas para um corte da taxa Selic em agosto. Na ata do encontro deste mês, a autoridade monetária expôs que a maioria do colegiado já vê condições para uma redução da taxa no próximo encontro, caso continue o movimento de desinflação e de redução de expectativas inflacionárias - algo que a decisão do CMN deve dar um empurrão a mais.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.