BRASÍLIA – Após a reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a equipe econômica avalia conduzir a agenda de revisão de gastos por “dois corredores”: um de curto prazo, para medidas com efeito imediato, que não dependam de negociação com o Congresso, e outro para ações um pouco mais estruturantes, de longo prazo, ou que precisem de aval do Legislativo.
Nesse segundo caso, afirmam interlocutores ouvidos pela reportagem, podem ser necessárias uma ou mais Propostas de Emenda à Constituição (PEC) – instrumento que exige a concordância de três quintos dos deputados e senadores em dois turnos de votação.
Um dos temas que poderão ser alvo dessas PECs é a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), prevista para terminar no fim deste ano. A informação foi publicada pelo jornal Valor Econômico e confirmada pelo Estadão.
O mecanismo foi criado em 1994, quando recebeu o nome de Fundo Social de Emergência (FSE), e desde então vem sendo prorrogado como solução “tampão” ao engessamento do Orçamento público. Por meio da DRU, o governo pode usar livremente 30% de todos os tributos federais vinculados a fundos ou despesas.
Uma das possibilidades seria uma autorização, pela Constituição, para remanejar 30% das despesas mínimas com saúde e educação para outras áreas. Os pisos seriam tecnicamente mantidos, mas com uma flexibilidade que hoje não existe.
Assim era quando a DRU foi instituída, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Conforme o Estadão mostrou, os gastos mínimos com saúde e educação vão deixar outras áreas do governo sem dinheiro em 2028 se não forem alterados.
Os economistas ponderam, porém, que a mera prorrogação da DRU com a manutenção dos pisos – da forma como é hoje – não seria uma medida de redução de gastos, apenas um remendo para ajudar a desengessar o Orçamento federal.
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O timing de apresentação dessas PECs ao Congresso dependerá de decisão do presidente Lula, que nesta segunda-feira, 17, reuniu os ministros da Junta de Execução Orçamentária (JEO) para um primeiro panorama do cenário das despesas.
Apesar do gesto, o petista vem sinalizando resistência a medidas de maior impacto fiscal, como a desvinculação de benefícios assistenciais e previdenciários ao salário mínimo (que cresce acima da inflação) e a mudança nos pisos da saúde e educação (atrelados ao avanço da receita). Esses dois temas também demandariam mudanças via PEC – mas, ao menos por enquanto, seguem fora do radar do presidente.
Além das eleições municipais, que naturalmente freariam medidas impopulares, há ainda a discordância do Partido dos Trabalhadores, explicitada nesta segunda-feira em nota da executiva nacional do partido.
No documento, a sigla afirma que o governo enfrenta “forte campanha especulativa e de ataques ao programa de reconstrução do País com desenvolvimento e justiça social” e frisa que não existe crise fiscal.
“Diante deste cenário, o PT reafirma seu compromisso com a manutenção dos pisos constitucionais da saúde e educação, da política de aumento real do salário mínimo e sua vinculação às aposentadorias e benefícios da Previdência e Assistência Social”, diz a nota.
Outro tema que dependeria do Congresso e poderá entrar nessa seara de ampla revisão de gastos é a previdência dos militares. O assunto foi citado pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, e foi alvo de relatório recente do Tribunal de Contas da União (TCU).
O órgão destacou que o regime de aposentadorias e pensões das Forças Armadas arrecadou R$ 9,1 bilhões no ano passado, mas as despesas totalizaram R$ 58,8 bilhões, resultando em um déficit de R$ 49,7 bilhões. Trata-se, porém, de assunto espinhoso, que enfrentaria resistências em outras frentes.
Medidas de curto prazo
Já a primeira via dessa agenda de gastos serviria para dar uma resposta mais rápida aos agentes financeiros e tentar reduzir a instabilidade fiscal que vem puxando para cima a cotação do dólar e a curva do juro futuro.
Nessa seara, entraria o anúncio de um contingenciamento (bloqueio temporário) mais expressivo de gastos no próximo relatório bimestral de receitas e despesas, previsto para julho. O objetivo seria reforçar o comprometimento do governo com a meta fiscal de 2024, que prevê déficit zero.
Além disso, o governo pretende aperfeiçoar os cadastros de benefícios assistenciais e previdenciários, cujos desembolsos têm crescido bem acima da média história. É o caso, por exemplo, do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. Nesse grupo também estão o seguro-desemprego e o abono salarial.
Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a necessidade de revisões cadastrais de benefícios do governo foi levada ao presidente Lula na reunião desta terça-feira.
Haddad citou, inclusive, que a experiência no Rio Grande do Sul, após a tragédia das enchentes, poderia ser usada agora. Na ocasião, o governo passou um pente-fino nos cadastros das prefeituras antes de realizar o pagamento do Auxílio Reconstrução.
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