Quem pratica exercícios físicos com alguma regularidade certamente já pensou: “Hoje, não estou muito bem-disposto, acho que não vou render tanto…”, e acabou deixando de se exercitar naquele dia. Este é apenas um exemplo de como a ideia de perfeccionismo é uma ameaça para a realização e uma desculpa para a procrastinação.
Se ampliarmos o olhar para outras áreas, veremos quantas tarefas deixamos de executar enquanto nos prendemos uma noção de perfeição que é simplesmente desnecessária. A armadilha é acreditar que o perfeccionismo é uma qualidade admirável. No entanto, quando não mantido sob controle, pode se transformar em um obstáculo significativo para alcançar nossos objetivos e realizar nosso potencial máximo.
Pesquisas mostram que o perfeccionismo está correlacionado com altos níveis de ansiedade, depressão e estresse. Um estudo descobriu que o perfeccionismo está associado a uma menor satisfação no trabalho e a um aumento da procrastinação.
Outra pesquisa, conduzida pela Universidade de York, revelou que os perfeccionistas tendem a definir metas extremamente elevadas e a se autoavaliar de forma crítica, o que pode levar à paralisia e à inatividade.
Ou seja, ninguém está fazendo entregas melhores porque busca a perfeição. Pelo contrário: ao buscar pela perfeição, as pessoas estão ficando mais estressadas, mais sobrecarregadas e produzindo ainda menos.
Ao longo da história, enquanto buscavam meios de sobreviver às ameaças naturais, os humanos primitivos desenvolveram ferramentas e técnicas para caça, coleta e construção de abrigos. Para isso, desenvolviam as versões mais básicas e funcionais das ferramentas — um produto mínimo viável. Ao longo do tempo, melhoravam suas criações com base em feedback e experiência.
O conceito de produto mínimo viável (também conhecido como MVP, na sigla em inglês) surgiu para relevar a importância de se lançar um produto ou iniciar um projeto com o mínimo de recursos necessários para validar sua viabilidade.
A importância de dar esse start é tamanha que se os humanos primitivos tivessem esperado atingir a perfeição com suas ferramentas, talvez nem estivéssemos aqui para contar essa história. Assim como muitas organizações não teriam sequer lançado ao mercado versões iniciais de produtos que seriam extremamente bem-sucedidos. Ao aplicar a ideia de adotar um “produto mínimo viável” às metas pessoais, podemos evitar a armadilha da busca pela perfeição e focar em progredir de forma constante.
Uma maneira eficaz de combater o perfeccionismo é estabelecer metas realistas e alcançáveis. A teoria do estabelecimento de objetivos, do psicólogo Edwin Locke, sugere que metas específicas e desafiadoras levam a um desempenho superior. No entanto, é crucial equilibrar a ambição com a praticidade.
Com base na teoria de Locke, estas são cinco dicas desenvolvidas para fugir da armadilha do perfeccionismo e evitar a procrastinação:
- Comece com um passo simples: uma tarefa longa ou complexa pode ser intimidadora, então comece pelo passo mais simples e fácil de executar. Se precisa começar a escrever um projeto, comece preparando o espaço de trabalho e abrindo o editor de texto no seu computador. Se for ir para a academia, comece trocando de roupa. Escolha uma ação que seja pequena o suficiente para eliminar a resistência inicial, mas significativa o bastante para impulsionar seu progresso.
- Divida a tarefa em tarefas menores: divida a tarefa principal em partes menores e mais gerenciáveis. Isso pode ajudar a reduzir a sensação de sobrecarga e tornar o processo de realização da tarefa menos assustador. Identifique as etapas necessárias para completar a tarefa e liste-as em uma ordem lógica.
- Comprometa-se com a execução: depois de dividir a tarefa em partes menores, escolha uma delas para começar. Comprometa-se a completá-la antes de passar para a próxima, evitando distrações e mantendo o foco no que precisa ser feito.
- Visualize o progresso: acompanhe seu progresso à medida que completa cada parte. Isso pode ser feito marcando itens em uma lista de verificação, mantendo um registro do tempo gasto ou, se você for mais visual (e habilidoso), criando um gráfico. Visualizar o avanço é um motivador importante.
- Recompense-se pelo progresso realizado: ao completar cada parte da tarefa, reconheça seu esforço e se recompense de alguma forma. Seja com uma pausa para relaxar, com algo gostoso para comer ou com o que quer que seja que lhe dê prazer. As recompensas ajudam a reforçar o comportamento positivo e a criar uma associação positiva com a conclusão das tarefas.
Além delas, preciso deixar uma dica extra: adote o mantra “é melhor feito do que perfeito”. Isso vale para tudo. Obviamente fazer sua série de exercícios completa — a versão perfeita — seria o ideal. No entanto, fazer dez minutos de esteira é melhor do que nem sair de casa. Ler duas páginas de um livro é melhor do que nem abri-lo. Rascunhar um projeto é melhor do que nem sequer abrir o editor de texto.
Em um mundo no qual a pressão por excelência é constante, é fácil cair na armadilha do perfeccionismo. No entanto, ao adotar metas realistas e priorizar a ação sobre a perfeição, podemos superar essa mentalidade prejudicial e alcançar nossos objetivos com confiança e determinação. Lembre-se de que o progresso incremental é o verdadeiro catalisador da mudança duradoura.
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