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Insights de carreira com o headhunter mais influente do Brasil e um estudioso dos hábitos, comportamentos e habilidades que levaram os maiores líderes ao seu lugar de potência

De indígenas a CEOs: a ancestral arte de resolver conflitos que poucos dominam

Ambiente moderno é propício para desentendimentos, mas evitar conflitos pode sabotar o seu sucesso profissional; veja seis dicas para lidar com as divergências

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Foto do author Ricardo Basaglia

Quantas vezes você já se pegou evitando uma conversa difícil no trabalho? Talvez tenha engolido a seco diante de um comentário inadequado de um colega, ou adiado indefinidamente aquela discussão sobre aumento salarial com seu gestor. Caso tenha se identificado, saiba que você não está sozinho. E, mais ainda: que essa tendência de evitar conflitos pode estar ativamente sabotando seu sucesso profissional.

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Há milênios, nossos ancestrais desenvolveram mecanismos sofisticados para lidar com conflitos. Nas sociedades primitivas, a sobrevivência dependia da capacidade de manter a harmonia do grupo. Os anciãos com frequência eram chamados para mediar disputas, utilizando rituais e práticas que evoluíram ao longo de gerações.

E a verdade é que essas técnicas milenares de resolução de conflitos foram tão eficazes que seus princípios básicos ainda ecoam nas práticas modernas de mediação. Por exemplo, um ritual de fala pública intencional e com espectadores atentos, comum entre os povos nativos norte-americanos, é bastante similar às práticas modernas de mediação empresarial. No ritual indígena, cada participante tinha seu momento de fala garantido enquanto segurava um bastão sagrado. Já nos rituais contemporâneos também é assim: cada um tem seu momento específico para expor seu ponto de vista sem interrupções.

Gestão de conflitos é um desafio para todas as áreas.  Foto: rh2010/Adobe Stock

E à medida que as sociedades se tornaram mais complexas, os métodos de resolução de conflitos também evoluíram. Na Grécia Antiga, o surgimento da democracia trouxe consigo sistemas formais de arbitragem. Já em Roma, o desenvolvimento do Direito Civil estabeleceu procedimentos específicos para resolver disputas. E mesmo na Idade Média, as guildas comerciais desenvolveram os próprios mecanismos de mediação, criando as bases para muitas das práticas corporativas modernas de gestão de conflitos.

No mundo atual, não é diferente. Profissionais de diferentes áreas enfrentam um cenário bastante desafiador para a gestão de conflitos. A velocidade das mudanças tecnológicas, a pressão por resultados imediatos, as diferenças geracionais nas equipes e a necessidade de adaptação constante criam um ambiente altamente propício a desentendimentos. Soma-se a isso o contexto pós-pandêmico, em que muitos ainda estão se adaptando ao trabalho híbrido e às novas dinâmicas de comunicação digital, tornando a habilidade de gerenciar conflitos não apenas desejável, mas essencial para a sobrevivência profissional.

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E isso se reflete em números. Dados recentes da consultoria global Gartner apontam que 57% dos gestores se consideram totalmente responsáveis por gerenciar e resolver conflitos em suas equipes. E o mais capcioso é que, segundo um artigo publicado na Harvard Business Review, não é importante saber evitar conflitos — pelo contrário, fazer isso pode acabar suprimindo o contraditório e levando a resultados menos criativos ou inovadores. O importante é saber gerenciar os conflitos quando eles surgem. E isso eu posso atestar com a minha própria experiência.

Em quase duas décadas como headhunter, entrevistando milhares de executivos e mantendo diálogos aprofundados com empresas sobre suas necessidades de liderança, observei que os conflitos mais complexos nas organizações modernas raramente envolvem questões técnicas ou objetivas.

Por exemplo, quando um desenvolvedor de software e um profissional de marketing discordam sobre o prazo de lançamento de um produto, superficialmente parece ser uma questão de cronograma. No entanto, ao investigar mais profundamente durante os processos seletivos, com frequência descobrimos que o verdadeiro conflito está nas diferentes formas de medir sucesso: enquanto um prioriza a perfeição técnica, o outro se preocupa com as janelas de oportunidade do mercado. Duas perspectivas importantes, e exterminar o debate certamente não levaria à resposta ideal. Então, como resolver a questão? O segredo não está em determinar quem está certo, mas em alinhar essas diferentes perspectivas em direção a um objetivo comum.

Outro aspecto crucial que tenho observado é como a nova dinâmica do trabalho híbrido adiciona camadas de complexidade à gestão de conflitos. Quando parte da equipe está remota e parte presencial, mal-entendidos podem se multiplicar em silêncio. Um comentário feito em uma videochamada pode ser interpretado de formas completamente diferentes, a depender do contexto e das nuances perdidas na comunicação digital. Por isso, mais do que nunca, precisamos desenvolver uma consciência aguçada sobre como nossas palavras e ações impactam os outros, e como podemos criar ambientes seguros para o diálogo construtivo, independentemente do formato de trabalho.

Por isso, a gestão de conflitos envolve um conjunto de habilidades interpessoais — que gosto de chamar de people skills —, que nos permitem analisar o contexto, considerar a perspectiva do outro e reconhecer em nós mesmos os limites de nossa compreensão.

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Então, se você quer transformar sua abordagem diante de situações de conflito, considere estas seis estratégias práticas, baseadas em evidências:

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  1. Pratique a “pausa estratégica”: antes de reagir a um conflito, faça uma pausa de 90 segundos. Pesquisas em neurociência mostram que este é o tempo necessário para que seu sistema nervoso se acalme e você possa responder racionalmente em vez de reagir emocionalmente.
  2. Utilize o método de apreciação, observação, conexão e questão: comece reconhecendo algo positivo sobre a outra pessoa, apresente suas observações de forma objetiva, identifique um objetivo comum e formule o que você quer alcançar como uma pergunta construtiva.
  3. Adote a perspectiva da “terceira parte”: imagine o conflito como tendo três participantes — você, a outra pessoa e o problema em si. Esta mudança de perspectiva ajuda a despersonalizar o conflito e focar na solução.
  4. Implemente o diálogo estruturado: estabeleça momentos específicos para discutir questões difíceis, com regras claras de engajamento. Por exemplo, cada pessoa tem cinco minutos ininterruptos para expor seu ponto de vista, seguidos por perguntas esclarecedoras.
  5. Use a técnica do “espelhamento emocional”: reconheça e valide as emoções da outra pessoa antes de apresentar seu próprio ponto de vista. Pesquisas mostram que isso reduz a resistência e aumenta a receptividade a novas ideias.
  6. Cultive a curiosidade compassiva: em vez de julgar ou assumir más intenções, faça perguntas genuínas para entender melhor a perspectiva da outra pessoa. Esta abordagem não só resolve conflitos mais efetivamente, mas também fortalece relacionamentos profissionais.

Aos gestores, vale uma dica extra: tenham em mente cada conflito que você administra é uma oportunidade de praticar a liderança, desenvolver relações de confiança mais sólidas e criar soluções que beneficiem a todos.

Lembre-se de que o conflito, quando bem gerenciado, não é apenas inevitável — ele é desejável. Afinal, é através da divergência de ideias e perspectivas diferentes que surgem as soluções mais criativas e inovadoras. Portanto, as organizações mais bem-sucedidas não são aquelas que eliminam o conflito, e sim as que o transformam em combustível para o crescimento e a inovação.

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