Em meio à corrida pela excelência no mundo corporativo, surge uma reflexão fundamental: enquanto líderes, estamos dedicando o tempo necessário ao nosso autocuidado, ou estamos mergulhados em um ciclo de sacrifício pessoal e dedicação ininterrupta às nossas empresas e equipes?
Essa questão não apenas desafia a compreensão mais corriqueira da liderança — a da figura que assume a frente para guiar os demais e da qual todos dependem —, mas também destaca uma verdade inegável: a sustentabilidade da nossa eficácia como líderes depende da nossa capacidade de cuidar de nós mesmos.
A evolução do conceito de trabalho ao longo da história revela uma transformação profunda nas expectativas sociais e pessoais. Na época da Revolução Agrícola, o trabalho estava intrinsecamente ligado à sobrevivência e à estabilidade comunitária.
As pessoas cultivavam a terra, criavam animais e construíam abrigos, fundamentando suas vidas em torno das estações do ano e dos ciclos da natureza. O trabalho, embora exigente, estava em harmonia com os ritmos naturais, e a liderança costumava ser atribuída àqueles com maior conhecimento ou habilidade, em uma estrutura comunitária clara e definida.
A liderança, então, era uma resposta às necessidades e aos desafios enfrentados pelos humanos primitivos. Afinal, a sobrevivência e a prosperidade dos grupos dependiam de cooperação, mas também de coordenação. Assim, indivíduos com habilidades de liderança se destacavam ao tomar decisões, resolver conflitos e motivar os demais.
Com a Revolução Industrial, essa dinâmica começou a mudar. A invenção das máquinas e a adoção do trabalho fabril trouxeram uma produtividade sem precedentes, mas também resultaram em jornadas de trabalho extenuantes. O valor do trabalho passou a ser medido pela capacidade de produzir em massa, e a liderança se voltou ao gerenciamento eficiente dos recursos humanos e materiais.
Atualmente, na era digital, essa relação evoluiu para um estado de hiperconectividade. A tecnologia, que prometia libertar o indivíduo das amarras do trabalho físico, acabou por criar um ambiente no qual estamos constantemente disponíveis, dissipando as fronteiras entre o trabalho e a vida pessoal. Com a amplificação dos espaços de trabalho, físicos e virtuais, a expectativa de produtividade contínua se intensificou.
Nesse cenário, a liderança não apenas requer a habilidade de gerenciar equipes e projetos. A partir de agora cabe à liderança gerir também o work-life balance — tanto aos liderados quanto a si mesmo. Um estudo relevante na área de liderança e estudos organizacionais aponta a importância da saúde mental para a eficácia da liderança. A sobrecarga de trabalho e o estresse crônico não apenas diminuem a capacidade de tomar decisões complexas, mas também afetam negativamente a empatia e a capacidade de manter o autocontrole e o foco.
No entanto, a sobrecarga que costuma assolar os líderes nem sempre se deve à jornada de trabalho propriamente dita. Muitas vezes, não é a falta de tempo que nos impede de cuidar de nós mesmos, e sim a falta de disposição. Ou seja, não falta gestão do tempo, mas gestão de energia e de autocuidado. Afinal, quantos de nós, após um longo dia de trabalho, gastamos horas jogados no sofá simplesmente olhando para a televisão ou rolando o dedo na tela do celular?
Essa perspectiva nos mostra que autocuidado não significa trabalhar menos, e sim dar sentido àquilo que fazemos, dentro e fora do trabalho. Essa visão desafia diretamente a ideia de que liderar com eficácia implica sacrificar o bem-estar pessoal em prol do sucesso profissional.
Felizmente, existem algumas estratégias práticas que podem ajudar nesse sentido. Em resposta ao estado de esgotamento mental de gestores em situações de crise (como a pandemia da Covid-19), a Harvard Business School orientou que certas medidas fossem tomadas para recompor o equilíbrio.
Tendo isso em mente, elaborei estas sete dicas práticas para o autocuidado dos líderes:
- Priorize o sono de qualidade: garanta um sono reparador para melhorar a tomada de decisões e a capacidade de aprendizado.
- Mantenha uma nutrição balanceada: uma alimentação saudável é fundamental para o desempenho cognitivo e emocional.
- Exercite-se regularmente: a atividade física regular ajuda a gerenciar o estresse e promove a clareza mental.
- Pratique a meditação: dedique momentos para a meditação, aumentando o foco e a capacidade de resposta calma aos desafios.
- Desconecte-se: permita-se períodos de inatividade, longe de dispositivos digitais, para rejuvenescer a mente.
- Cultive relacionamentos: invista tempo em relações significativas, fortalecendo seu suporte emocional.
- Valorize o aprendizado contínuo: mantenha-se engajado com novos conhecimentos e habilidades, enriquecendo sua perspectiva e adaptabilidade.
Embora essas dicas possam parecer simples, o desafio reside em de fato implementá-las à sua rotina. Este é o momento de reconhecer que o autocuidado não é um luxo, mas uma necessidade estratégica.
Afinal, a liderança no mundo corporativo exige mais do que apenas ser competente; requer sustentabilidade e resiliência. Quem ocupa a cadeira de líder sabe bem que essa posição se parece mais com uma maratona do que com uma corrida de 100 metros: não dá para queimar toda a energia na largada e ignorar o longo trajeto que nos espera pela frente. Sem administrar a energia e a motivação, será difícil alcançar o sucesso no longo prazo.
Ao cuidar de si mesmos, os líderes garantem a própria longevidade e bem-estar, mas também inspiram suas equipes a cultivar um ambiente de trabalho mais saudável e longevo. Por isso, convido você a refletir sobre as suas práticas de autocuidado e a adotar essas estratégias não apenas como meio de melhorar sua qualidade de vida, mas como um ingrediente para tornar sua liderança ainda mais eficaz.
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