Em um mundo onde a constante é a mudança, e as surpresas são mais frequentes do que a estabilidade, a busca por uma filosofia de vida que nos oriente não é apenas útil, mas necessário. Como CEO da Michael Page, atuando no setor de recrutamento de executivos há mais de 17 anos, observo o crescente interesse pelo estoicismo entre empreendedores, executivos e profissionais de diferentes níveis.
Esse fascínio não é um mero acaso. Características como resiliência, foco e equilíbrio emocional, fundamentais no estoicismo, são cruciais no mundo corporativo atual. Olhando para figuras de destaque como Bill Gates, Jeff Bezos, Ryan Holiday, Elon Musk, Warren Buffett e Sheryl Sandberg, percebemos uma convergência significativa: todos eles incorporam, de alguma maneira, os princípios do estoicismo em suas vidas e lideranças.
O estoicismo, fundado por Zenão de Cítio, e posteriormente refinado por figuras como Marco Aurélio e Sêneca, oferece mais do que apenas estratégias para lidar com o estresse ou a adversidade; ela proporciona uma abordagem holística para a vida, enfatizando o desenvolvimento pessoal e a liderança ética.
Assim como nosso senso de humor não mudou muito nos últimos dois milênios, nossas relações com o amor, a vida, a morte e o poder também permanecem consistentes. Estes são elementos que nos tornam humanos e alimentam nosso desejo de viver uma boa vida, um elemento central do estoicismo.
Esta filosofia, que remonta à Grécia Antiga, nos ensina a focar o que podemos controlar e aceitar o que não podemos. Em um ambiente de negócios, onde a incerteza é a norma, o estoicismo oferece uma base sólida para decisões ponderadas e liderança íntegra. Além disso, podemos refletir sobre a nossa relação com as emoções no ambiente de trabalho.
Culturalmente, muitas vezes somos levados a menosprezar nossos sentimentos e emoções, encarando-os como sinais de fraqueza ou incompetência. Sentimentos como medo e ansiedade são frequentemente vistos como obstáculos que devem ser superados ou escondidos. Contudo, essa perspectiva é não só prejudicial como também impraticável.
A tentativa de apagar emoções incômodas é uma batalha perdida; quanto mais resistimos a elas, mais elas persistem. Curiosamente, em alguns casos eu observo até um certo orgulho em reações impulsivas ou agressivas diante de situações adversas no mundo corporativo, como se “virar o bicho” fosse uma demonstração de força.
No entanto, o verdadeiro desafio e mérito está em manter a humanidade e a racionalidade em momentos de pressão. A capacidade de responder a desafios com ponderação, e não com reações instintivas impensadas, é o que realmente diferencia um líder eficaz.
O estoicismo ensina exatamente isso: a importância de entender nossas emoções, aceitá-las e, acima de tudo, aprender a reagir de maneira equilibrada e pensada. Tim Cook, CEO da Apple, exemplifica bem ao dizer que o estoicismo o ajudou a focar o que realmente importa, tanto na vida pessoal quanto profissional.
Neste artigo, desejo compartilhar como algo construído há milênios pode ser tão atual e benéfico nos dias de hoje, especialmente no ambiente de trabalho. A seguir, estão sete dicas práticas para implementar o estoicismo no dia a dia corporativo:
- Foque o que você pode controlar: identifique os aspectos que estão sob seu controle direto, como suas reações, decisões e atitudes. Evite gastar energia com circunstâncias externas ou alheias ao seu governo. Para isso, é preciso praticar a autoconsciência, a fim de reconhecer quando estiver desviando a atenção para preocupações inúteis e redirecionar o foco para ações práticas.
- Reflita diariamente: dedique um tempo todos os dias para refletir sobre suas ações e decisões. Pergunte-se o que deu certo, o que poderia ter sido melhor e, principalmente como você pode interferir e melhorar tudo isso no futuro. • Aceite as mudanças como inevitáveis: encare as mudanças, sejam elas desafios ou oportunidades, como parte da vida corporativa. Em vez de resistir ou temer a mudança, abrace-a como uma chance de aprender e inovar. Adote uma mentalidade de flexibilidade e abertura para novas experiências.
- Desenvolva a resiliência emocional: não enxergue os desafios como fracassos pessoais, mas como oportunidades para fortalecer seu caráter e desenvolver habilidades. Quando estiver diante de situações estressantes, tire um instante para respirar e refletir sobre qual será a melhor reação para lidar com ela. A reação instintiva pode ser lutar ou fugir, mas nem sempre ela é a mais acertada. Lembre-se de que a adversidade é temporária e superável.
- Exercite a empatia: faça um esforço consciente para entender e respeitar as perspectivas e sentimentos dos outros. Isso não apenas melhora as relações interpessoais, mas também ajuda a criar um ambiente de trabalho mais colaborativo e solidário.
- Pratique a gratidão: crie o hábito de agradecer diariamente, seja por conquistas materiais, profissionais ou até mesmo por aqueles momentos familiares agradáveis que às vezes são soterrados pela rotina.
- Busque crescimento contínuo: encare o desenvolvimento pessoal e profissional como uma jornada contínua. Estabeleça metas para melhorar suas habilidades e conhecimentos, e esteja aberto a feedback e novas ideias. O estoicismo nos ensina que sempre há espaço para crescimento e aperfeiçoamento, independentemente de onde estamos.
A abordagem estoica não apenas contribui para um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo, mas também promove maior autoconhecimento e crescimento pessoal. A filosofia estoica nos encoraja a olhar para dentro de nós mesmos, reconhecer nossas emoções e trabalhar conscientemente para gerenciá-las de forma construtiva.
O estoicismo nos lembra de que, enquanto seres humanos, nosso maior poder reside na capacidade de escolher como reagir às circunstâncias da vida. O que explica a fala de Mahatma Gandhi, outro grande líder influenciado por essa filosofia: “Ninguém pode me machucar sem a minha permissão.”
Em conclusão, o estoicismo, com suas raízes históricas e lições atemporais, oferece uma perspectiva única para o mundo corporativo de hoje. Ele nos ensina a navegar pelas incertezas da vida corporativa com graciosidade, a liderar com sabedoria e a viver com propósito. Como disse Sêneca: “Não é porque as coisas são difíceis que não ousamos; é porque não ousamos que são difíceis.” Que este renascimento do estoicismo inspire uma nova era de liderança consciente, ética e resiliente.
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