Alguns líderes parecem brilhar quando estão sob pressão, enquanto outros sucumbem ao estresse. Você já se perguntou por que isso acontece? A resposta pode estar em uma prática que, em tese, parece simples, mas é bastante negligenciada: o autocuidado.
Vivemos uma era na qual o mundo corporativo glorifica o trabalho incessante e as longas horas no escritório. Recentemente, a autora best-seller e renomada psiquiatra norte-americana Anna Lembke chegou a comparar o workaholismo (isto é, o vício em trabalho) a outros hábitos compulsivos. Segundo ela, o vício em trabalho é tão nocivo quanto os outros vícios, apesar de não ser marginalizado como os demais — muito pelo contrário.
Historicamente, “liderança” costuma ser sinônimo de sacrifício pessoal. Dos generais romanos aos CEOs do século XX, a narrativa dominante era é a de que o sucesso exigia a subordinação do eu ao dever.
A noção de autocuidado, quando existia, era vista como uma indulgência reservada para os fracos ou os preguiçosos. Mentalidade que levou gerações de líderes a ignorarem sinais de burnout, estresse crônico e desequilíbrio na vida pessoal, tudo em nome do progresso e da produtividade.
Nesse cenário, a ideia de priorizar o bem-estar pode parecer contraintuitiva. No entanto, uma revolução silenciosa está em curso, redefinindo o que significa ser um líder eficaz no século XXI.
À medida que adentramos a era da informação, uma mudança sutil, mas profunda, começou a ocorrer. Os avanços na psicologia e nas neurociências começaram a revelar os custos ocultos dessa abordagem “sempre ligado”.
A pandemia de Covid-19 acelerou ainda mais essa mudança de paradigma. Com as fronteiras entre trabalho e vida pessoal se tornando cada vez mais difusas, líderes em todo o mundo foram forçados a confrontar as limitações do modelo tradicional de liderança. A necessidade de adaptação rápida, combinada com o estresse sem precedentes da crise global, colocou o autocuidado no centro das discussões sobre eficácia na liderança.
Afinal, a ciência tem mostrado o quanto o estresse crônico prejudica a saúde física e mental, e compromete significativamente a tomada de decisões, a criatividade e a capacidade de liderança. Justamente as qualidades mais cruciais para quem ocupa a posição de líder.
Em contraste, um estudo publicado no Journal of Occupational Health Psychology revelou que líderes que adotam hábitos de autocuidado, como meditação e exercícios físicos, apresentaram níveis mais baixos de estresse e eram mais bem avaliados por suas equipes.
Nesse sentido, o neurocientista e professor da Universidade de Stanford, Andrew Huberman, host do podcast Huberman Lab, destaca como práticas de autocuidado, sobretudo aquelas que regulam o sistema nervoso autônomo, podem melhorar significativamente a performance cognitiva e a resiliência emocional.
Huberman enfatiza que líderes que praticam exercícios regularmente ou que incorporam práticas como respiração controlada e se expõem à luz natural estão “hackeando” seus sistemas biológicos para otimizar o desempenho e bem-estar.
Então, perceba como não importa qual seja a sua motivação — melhorar sua própria saúde, se tornar um líder melhor para o seu time ou até mesmo melhorar sua performance: a prática do autocuidado é fundamental. E o melhor é que ela é muito mais simples do que parece!
Para os líderes prontos para pivotar o próprio bem-estar, aqui estão seis estratégias práticas de autocuidado que podem ser facilmente incorporadas ao dia a dia:
- Estabeleça um ritual matinal: dedique os primeiros 30 minutos do seu dia para práticas que nutrem mente e corpo. Isso pode incluir meditação, exercícios leves, ou simplesmente desfrutar de uma xícara de café em silêncio. Este tempo de “calibragem” pode definir o tom para um dia mais produtivo e centrado.
- Implemente pausas estratégicas: use a técnica Pomodoro, trabalhando em blocos focados de 25 minutos, seguidos por pausas de 5 minutos. Nessas pausas, você pode se movimentar, se hidratar ou até mesmo ficar em silêncio e respirar fundo!Isso ajuda a prevenir a fadiga mental e manter altos níveis de produtividade ao longo do dia.
- Priorize o sono: estabeleça uma rotina de sono consistente de 7 a 9 horas por noite. O sono adequado é crucial para a consolidação da memória, regulação emocional e clareza cognitiva — essenciais para uma liderança eficaz.
- Cultive relações significativas: reserve tempo para seus relacionamentos pessoais. Afinal, conexões sociais saudáveis são um pilar fundamental do bem-estar emocional.
- Pratique mindfulness: incorpore técnicas de atenção plena em seu dia, como alimentação consciente ou caminhadas em silêncio. Estas práticas podem reduzir o estresse, aumentar a clareza mental e melhorar a tomada de decisões.
- Estabeleça limites claros: aprenda a dizer “não” e a delegar efetivamente. Defina horários para checar e-mails e mensagens, evitando a armadilha da hiperconectividade. Esses limites ajudam a definir uma cultura de comportamentos saudáveis para a equipe.
Ao adotar essas práticas de autocuidado, os líderes não estão apenas investindo no próprio bem-estar. Eles estão estabelecendo um novo padrão de liderança para o século XXI.
Afinal, essa perspectiva reconhece a importância de ignorar nossas necessidades, e sim de atendê-las de forma consciente e estratégica. Isso porque o autocuidado não é um sinal de fraqueza ou indulgência. É uma ferramenta poderosa que permite aos líderes operarem no auge de suas capacidades, tomando decisões mais esclarecidas, inspirando as equipes de forma mais eficaz e criando ambientes de trabalho mais saudáveis e produtivos.
Imagine um futuro no qual o sucesso na liderança não é medido apenas por métricas financeiras, e sim pelo impacto positivo na vida dos colaboradores e na sociedade como um todo. Um futuro em que os líderes são admirados não apenas por sua visão estratégica, e sim pela maneira como inspiram e nutrem o potencial de suas equipes, através do exemplo pessoal de equilíbrio e autocuidado.
Esse cenário não é uma utopia distante — é uma realidade em construção, liderada por aqueles que entendem que cuidar de si é o primeiro passo para cuidar dos outros e do mundo ao seu redor.
A revolução silenciosa do autocuidado na liderança já começou. E apesar de não ser anunciada aos quatro ventos, ela se manifesta nas pequenas escolhas diárias de líderes que reconhecem a importância para o seu bem-estar. Cada pausa consciente, cada noite bem dormida, cada momento de conexão genuína é um passo em direção a um modelo de liderança mais sustentável e humano. Você está pronto para se juntar a essa revolução?
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