Risco de alta da Selic ainda este ano começa a crescer nas projeções de economistas

Fatores como mercado de trabalho forte, inflação de serviços e baixa credibilidade da política fiscal exigem cautela na política monetária, segundo especialistas

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Cícero Cotrim

BRASÍLIA - A reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que começa nesta terça-feira, 30, e vai até quarta, não deve trazer surpresa. É unânime entre os analistas do mercado financeiro, segundo pesquisa feita pelo Estadão/Broadcast, a projeção de que a taxa de juros será mantida nos atuais 10,5%. Mas, com as incertezas que cercam a economia, vem crescendo na avaliação de economistas — embora ainda não seja o cenário base — a possibilidade de a taxa de juros voltar a subir ainda este ano.

PUBLICIDADE

O debate sobre a necessidade de um eventual aumento dos juros surgiu para o mercado no início de junho, após o dólar ter escalado até uma máxima de R$ 5,70 na cotação intradiária. Agora, a moeda opera acima da linha de R$ 5,60, mais de 6% acima dos R$ 5,30 usados nos cenários do Copom, e as expectativas de inflação continuam subindo.

Essas variáveis devem levar a um aumento das projeções de inflação do BC, incluindo a estimativa de um IPCA de 3,1% em 2025 em um cenário alternativo, com juros estáveis em 10,5% até o fim do próximo ano. Uma elevação dessa estimativa para a inflação poderia sugerir que apenas manter a Selic seria insuficiente para fazer a inflação convergir para o centro da meta, de 3%.

Em um relatório enviado a clientes, o diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, destacou que esses fatores, combinados ao mercado de trabalho forte, crescimento da renda disponível das famílias, pressão na inflação de serviços e baixa credibilidade da política fiscal, requer “extrema cautela” na calibração da política monetária.

Publicidade

Edifício sede do Banco Central; Copom é um dos principais comitês da instituição Foto: Jonas Pereira / Agência Senado

(Esse cenário) aponta para uma longa pausa no ciclo de normalização das taxas e para um crescente risco de aumento dos juros no curto prazo”, afirma o economista.

Nas contas do economista Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro e sócio-fundador da Oriz Partners, já é possível falar em uma chance de 40% de elevação dos juros ainda este ano, contra 60% para o cenário básico, de manutenção da Selic em 10,5%. O analista destaca que, com a piora das variáveis que influenciam a inflação, o BC precisa adotar um curso de ação que demonstre seu compromisso com o centro da meta e afaste preocupações do mercado.

A principal delas continua sendo a transição no comando da autarquia. O mandato do atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, termina em 31 de dezembro, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que repetidamente criticou o nível dos juros, considerado elevado por ele, poderá indicar o seu sucessor, além de dois outros diretores. Com isso, a partir do próximo ano, o petista terá nomeado a maioria dos membros do Copom.

“Existe essa preocupação de como será essa transição, se teremos uma mudança na condução da política monetária, mas só vamos saber isso daqui a cinco reuniões. Mas o BC ainda tem quatro reuniões para trabalhar este ano e atuar, com os juros, sobre a inflação de 2025. Você não pode condenar a próxima gestão do BC a lidar com um problema que você poderia ter resolvido antes”, afirma Kawall. “Esse é o caminho natural. Se não, vamos entrar em conjecturas sobre se o BC é político, se está atuando como deveria.”

Publicidade

Em um relatório enviado a clientes, a equipe da Kínitro Capital também alerta que os riscos de um aumento dos juros “estão se avolumando”, especialmente após a inflação medida pelo IPCA-15 de julho, divulgado na semana passada, ter ficado acima do esperado.

“Nossas simulações sugerem que, com valores atuais para os principais determinantes da inflação, mesmo com a taxa Selic estável em todo horizonte prospectivo, as projeções de inflação do Copom se situariam ligeiramente acima do centro da meta. Isso significa que estamos em um limiar para o BC e os seus passos seguintes seguirão dependendo de uma série de elementos, como a resiliência da atividade econômica, a interrupção do processo de desancoragem das expectativas fiscais e de inflação, além da flexibilização da política monetária nas principais economias”, afirma a Kínitro.

A Legacy Capital, por sua vez, avalia que, na reunião que começa nesta terça-feira, o Banco Central precisa preparar o mercado para uma provável elevação de juros na reunião de setembro, sob pena de induzir uma depreciação ainda maior da taxa de câmbio e desancoragem adicional das expectativas de inflação.

A gestora afirma que, nas últimas semanas, as incertezas quanto ao compromisso do governo sobre a manutenção do arcabouço fiscal e quanto à condução da política monetária a partir de 2025, além de outros fatores, contribuíram para uma depreciação significativa da taxa de câmbio e para a elevação das expectativas de inflação.

Publicidade

PUBLICIDADE

“Nossas estimativas sugerem que a projeção de inflação a ser apresentada pelo BC, na reunião do Copom da próxima semana, no cenário com juros estáveis, dificilmente será inferior a 3,4%. O patamar de desvio de 40 pontos-base (0,4 ponto porcentual) seria compatível com elevação imediata dos juros, já nesta próxima reunião (de setembro)”, afirma a Legacy Capital, em publicação na rede social LinkedIn.

O Itaú Unibanco avalia que a política monetária brasileira se encontra no limiar de uma inflexão, com o banco simulando que, nas condições atuais, o nível da Selic necessário para levar a inflação à meta no horizonte relevante já seria de pelo menos 11% ao ano.

“Tal condição deve levar o comitê a renovar a promessa de vigilância, e afirmar que avaliará se a estratégia de manutenção da política monetária em patamar contracionista por tempo suficiente será capaz de assegurar o processo de desinflação e reancoragem das expectativas”, afirma o time de pesquisa macroeconômica liderado pelo economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita.

Para o Itaú, um possível sinal mais duro e inteiramente cabível pelo Copom seria “a descrição de um balanço de riscos assimétrico para cima, acompanhada da afirmação de que o comitê não hesitará em retomar o ciclo de ajuste (para cima)”./Colaborou Carolina Aragaki

Publicidade