Risco é Brasil ter de subir juros por causa da inflação, diz economista-chefe do Credit Suisse

Também há o temor de que taxa permaneça em níveis elevados por período de tempo mais longo, avalia Solange Srour

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Foto do author Cícero Cotrim
Atualização:
Entrevista comSolange SrourEconomista-chefe do Credit Suisse

São Paulo - A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição aprovada nesta quarta, 21, pela Câmara e os sinais de mudança do arcabouço fiscal do País sugerem um risco crescente de que o Banco Central (BC) não apenas tenha de voltar a aumentar a taxa Selic em 2023, como precise manter os juros em um nível ainda mais restritivo por um período prolongado. A avaliação é da economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, Solange Srour.

O cenário básico do banco considera uma desinflação de apenas 0,1 ponto porcentual entre 2022 e 2023, de 5,9% para 5,8%, com uma expansão fiscal de R$ 100 bilhões em dois anos, sem uma forte deterioração cambial. Neste quadro, o BC já manteria os juros estáveis em 13,75% até o terceiro trimestre de 2024, quando teria início o ciclo de afrouxamento monetário. Mas a analista alerta que o aumento mais forte dos gastos em 2023 sugere um risco altista para o IPCA e, consequentemente, para a política monetária.

“Se já não víamos espaço para o BC cortar juros com uma inflação de 5,8%, com uma inflação maior, tem menos espaço ainda. Acho que o maior risco é o BC ter de subir o juro e mantê-lo alto por mais tempo, não só porque o risco de inflação para o ano que vem é para cima, mas pela possibilidade de aumento do prêmio de risco do Brasil”, diz Sorur, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

A economista alerta para impactos negativos sobre o crescimento potencial do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e para as metas de inflação caso a política fiscal do novo governo seja vista como insustentável. Para Srour, o risco ainda é de que esse quadro leve a um cenário de dominância fiscal no País. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

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Solange Srour é a economista-chefe do banco Credit Suisse. Foto: Ricardo Borges

Qual a leitura das sinalizações de política econômica dadas até agora pela equipe do presidente eleito?

A direção da política fiscal vai ser de uma expansão de gastos significativa, em um momento em que a economia brasileira está sem capacidade ociosa, com uma taxa de juros real bastante alta e com uma expectativa de inflação também bastante alta. Estamos em um momento em que, ciclicamente, é complicado se falar em expansão de gastos e, além de tudo, adicionando incerteza com relação a qual vai ser a próxima regra fiscal e a sustentabilidade da dívida, incluindo as dúvidas enormes a respeito das políticas parafiscais.

Diante dos sinais de expansão fiscal, estamos falando de uma trajetória de dívida mais pressionada?

O nosso cenário básico, de um aumento da dívida bruta a 87,6% do PIB até 2030, considera um gasto adicional de apenas R$ 100 bilhões por dois anos, e depois se retoma o teto de gastos. E consideramos, nesse cenário, uma taxa de juros real neutra de 4,0% e um crescimento potencial do PIB próximo de 1,5%. A PEC aprovada ontem não modifica muito esse cenário, porque o valor, de R$ 168 bilhões em um ano, é parecido com um valor de R$ 100 bilhões por dois anos. Mas, na nossa opinião, com essa PEC o juro real neutro é mais próximo de 5,0% do que de 4,0%. Ele ainda pode se aproximar de 6,0%, caso a incerteza com relação ao arcabouço fiscal permaneça por mais tempo.

O que se espera da nova âncora fiscal que será proposta pelo governo?

Esperamos que a incerteza sobre o arcabouço seja dirimida nos próximos meses, com a discussão sobre a proposta que vai vigorar a partir de 2024. Eu acho que o melhor mecanismo seria um em que a dívida/PIB é um indicativo, mas a regra é de gasto. Mas todas as intervenções, tanto do presidente eleito como do futuro ministro da Fazenda, são de que a regra do teto não deu certo e precisa acabar. Me parece muito provável que não vamos ter uma regra de despesa, o que considero muito ruim, porque vai trazer uma regra mais fraca e pouco crível.

O cenário do Credit Suisse já contempla uma taxa Selic estável até o terceiro trimestre de 2024. Qual é o risco de o Banco Central ser forçado a voltar a subir os juros?

Temos no cenário 5,8% de inflação no ano que vem, mas o risco é que seja mais alta, porque a expansão fiscal vai ser toda concentrada em um ano. E não consideramos que a falta de arcabouço vá afetar significativamente o câmbio, que esperamos em R$ 5,40 ao longo de 2023. Se já não víamos espaço para o BC cortar juros com uma inflação de 5,8%, com uma inflação maior, tem menos espaço ainda. Acho que o maior risco é o BC ter de subir o juro e mantê-lo alto por mais tempo, não só porque o risco de inflação para o ano que vem é para cima, mas pela possibilidade de aumento do prêmio de risco do Brasil.

Qual pode ser a magnitude desse aumento?

Eu acho muito difícil dizer o quanto, porque a interação da perda da âncora, o aumento do risco Brasil e o cenário internacional é que vão trazer esse número de quão mais restritiva precisa ser a política monetária, e o cenário externo está muito incerto.

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Em um ambiente de política fiscal mais frouxa, é factível falar na convergência da inflação a uma meta de 3%?

Se a política fiscal for vista como insustentável, a meta de 3% não vai ser factível. Se tivermos uma trajetória de dívida/PIB que não se estabiliza, vai haver um prêmio de risco muito maior embutido nas expectativas de inflação e, aí, fica muito difícil a inflação convergir para 3%, quando ninguém acredita que essa vai ser a inflação no Brasil. É complicado, porque vai se discutir que 3% não é a meta adequada para o Brasil, mas o problema não é a meta ser baixa, é o Brasil ter feito a escolha de destruir o arcabouço fiscal.

Qual é o impacto desse cenário sobre o crescimento potencial do Brasil?

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É um impacto bastante relevante. Quando falamos de uma política fiscal vista como insustentável, isso afeta a confiança no País e o investimento privado. Com menos investimento, você tem menos produtividade e menos PIB potencial. Nesse ambiente, o PIB potencial do Brasil, que nas nossas contas é em torno de 1,5%, vai cair mais.

A agenda do governo Lula, mais amigável à pauta ambiental, não teria o potencial de atrair esses investimentos internacionais?

Tem outros pontos, não só da questão ambiental, que favorecem o Brasil na questão pós-pandemia e pós-guerra, porque não só é um país que não tem problemas geopolíticos, como é um exportador de commodities. Então, há muito a atrair. Mas os investimentos só vão para um país que é visto como sólido, que não tem convulsões sociais, inflação crônica, problema de baixo crescimento eterno. Não existe um país que vá receber investimentos por causa da riqueza natural se não tiver uma economia estável, que traga um mínimo de previsibilidade para o investidor.

Qual é o risco de caminharmos para uma crise de confiança com a dívida, que afete a capacidade de gerenciamento do Tesouro?

O primeiro momento de estresse é quando o Tesouro começa a ter de aceitar as taxas de mercado. Já estamos vendo o uso do colchão de liquidez e existe um nível prudencial mínimo, próximo de três meses. À medida que isso se aproxima, o mercado vai ficar mais estressado. O segundo momento de estresse e monitoramento é quando esse cenário de gestão da dívida leva a uma piora das expectativas de inflação, uma piora da trajetória do câmbio. Você conjuga dificuldade de gerenciamento com o debate sobre o BC subir juro e chega a um momento muito mais complicado, onde as taxas de juros sobem mais ainda pela dificuldade de gestão da crise e pela possibilidade de aperto monetário.

Nesse ambiente, há um risco de caminharmos para um cenário de dominância fiscal?

É um risco que não pode ser menosprezado, principalmente porque o BC é autônomo. Se for levado a subir juros em um ambiente no qual a política fiscal é vista como insustentável, é muito difícil não entrarmos em dominância fiscal, porque entramos em um círculo vicioso: piora a trajetória da dívida ao subir o juro, as expectativas de inflação desancoram mais ainda, porque a política fiscal fica insustentável e a taxa de câmbio deprecia, e o Banco Central tem de voltar a subir juros de novo. Por isso, é muito importante - e o BC tem feito muito esse discurso - tentar evitar a alta de juros, e é preciso uma harmonia entre a política fiscal e a política monetária.

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O governo pode dar alguma sinalização para mitigar essas expectativas de deterioração das contas públicas?

Sempre há espaço para o governo tentar ancorar novamente as expectativas acerca da sustentabilidade da dívida, trazendo nomes de uma linha mais fiscalista, apesar de eu não gostar desse nome. Mas mesmo depois de colocada a equipe econômica, se esse nome não aparece dentro do Ministério do Planejamento, da Fazenda, é possível tentar ancorar as expectativas de novo, mas são necessárias propostas. Se a proposta de arcabouço trouxer uma regra de despesa, ajuda a ancorar as expectativas fiscais. Se a nova equipe econômica trouxer uma reforma de gastos junto com a reforma tributária, você contém a deterioração das expectativas fiscais. Acho que o mercado vai ficar monitorando isso.

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