EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Ex-presidente do BC e sócio da A.C. Pastore e Associados

Opinião | Risco fiscal e taxa de juros neutra

Taxas reais de juros de 6% ao ano são insustentáveis; não há como acelerar o crescimento do País

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Affonso Celso Pastore

Elétrons e matéria escura não são observáveis, mas têm consequências tão claras que físico nenhum se atreveria a negar sua existência. A taxa neutra de juros não é observável, mas seus movimentos têm consequências importantes. Taxas reais de juros de mercado altas penalizam o crescimento, e em equilíbrio são iguais à taxa (real) neutra, o que leva à pergunta: como produzir uma taxa neutra baixa? Os bancos centrais conseguem manter a inflação na meta com taxas neutras tanto altas quanto baixas, mas não têm o poder de determinar o seu nível. Quem o determina é a política fiscal, e é aqui que a nossa história se inicia.

Política fiscal é um instrumento poderoso, o que impede que os governos renunciem ao seu uso. Através da geração de déficits e/ou superávits, eles podem amenizar as flutuações cíclicas: ao taxar mais os ricos e distribuir aos pobres, podem melhorar a distribuição de rendas, e ao investir em infraestrutura e em capital humano, podem acelerar o crescimento. Porém, a menos que o Brasil fosse premiado com a “benção” dos EUA, de ter uma taxa real de juros inferior à de crescimento econômico, após uma sequência de déficits primários terá de gerar uma sequência de superávits primários de igual valor presente. Ou seja, para manter simultaneamente a dívida pública sustentável e as taxas reais de juros baixas terá de atender à sua restrição orçamentária intertemporal.

Ao investir mais em infraestrutura, País pode melhor crescimento econômico Foto: Rossy Ledesma/Estadão

PUBLICIDADE

No Brasil, as taxas das NTN-B são a melhor estimativa de taxa neutra de juros. Entre 2003 e 2012, graças à geração de superávits primários que reduziam a dívida/PIB, as taxas das NTN-B caíram de 12% para 4% ao ano. Porém, com o abandono das metas de superávits em favor da ilusão do “gasto é vida”, as taxas NTN-B elevaram-se para 7% ao ano. A tendência ao crescimento somente se inverteu com a Emenda Constitucional 95, que impôs a fórceps o cumprimento da restrição orçamentária intertemporal, e o resultado foi a queda das taxas das NTN-B para próximo de 3,5% ao ano. A partir da reação do governo à covid, contudo, a frequente aprovação de gastos fora do teto tornou claro que não há mais um arcabouço fiscal, e, como empresários e investidores não são ingênuos, as NTN-B retornaram acima de 6% ao ano.

Taxas reais de juros de 6% ao ano são insustentáveis. A menos que exista um significativo aumento da carga tributária, não há como produzir superávits primários que estabilizem a dívida em relação ao PIB. E, com estas taxas, não há como acelerar o crescimento. l

Opinião por Affonso Celso Pastore

Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore e Associados

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.