Desde 2005, por iniciativa da ONU, está em vigor no mundo todo o ESG, termo que qualifica o trabalho de empresas e instituições quanto ao seu compromisso com as questões ambientais, sociais e de governança.
No Brasil, após tragédias ambientais como a da barragem de Brumadinho/MG ou o derramamento de óleo em praias do Nordeste, o tema chamou a atenção das empresas.
A pandemia do coronavírus acentuou a preocupação com ESG, que pode ser uma espécie de selo de qualidade para a empresa. A análise de resultados das ações relacionadas ao meio ambiente, a preocupação com o social e com a governança pode determinar como a empresa se posiciona em relação à sociedade e ao planeta, e isso oferece maior transparência ao investidor eventual.
Estudo recente da Associação Brasileira de Private Equity e Ventura Capital (ABVCAP) mostra que apenas 10% a 15% das empresas brasileiras entenderam a relevância do assunto e aderiram às boas práticas nos três eixos. Na Europa e na Oceania, este índice passaria de 50%.
Por outro lado, alguns fundos de investimentos mundiais já informam que não trabalharão com empresas que não sejam reconhecidas como sustentáveis.
Aliás, trabalho da Ágora Investimentos, divulgado em agosto passado, mostrou que as empresas brasileiras alinhadas com o ESG tiveram suas ações mais bem avaliadas que a média do Ibovespa.
Nossas empresas do agronegócio estão atentas para essa realidade e muitos conselhos de administração exigem dos executivos maiores compromissos com o ESG.
Enquanto isso avança na gestão empresarial do agro, um fato grave acontece no Brasil. Estamos vivendo uma inflação de alimentos, com preços absolutamente fora das médias históricas para produtos como soja, milho e carnes, entre outros. E essa inflação acontece em um ano de grande produção agrícola, agora infelizmente prejudicada por forte seca nas regiões de milho de segunda safra, cuja quebra de produção será muito pesada, com perdas significativas para os agricultores. Isso vai encarecer ainda mais o preço desse cereal fundamental para a obtenção de proteína animal.
Ora, a inflação de alimentos coincide com a trágica pandemia que, além de tirar a vida de mais de 400 mil brasileiros, enlutando milhares de famílias, levou à bancarrota uma impressionante quantidade de empresas de todos os setores econômicos, gerando desemprego para quase 15 milhões de pessoas.
O cenário assim desenhado é tenebroso: tanta gente sem emprego e sem renda se deparando com preços inflacionados dos alimentos. E ninguém tem culpa disso: a preocupação com segurança alimentar levou países grandes a aumentarem suas importações de comida. Os estoques diminuíram muito e os preços subiram em dólares para números inimagináveis há um ano. E, por fim, o dólar valorizado aumenta os preços em reais internamente. Trata-se da irrevogável lei da oferta e da procura.
Mas o fato concreto é que o desemprego com inflação alimentar pode nos levar ao maior flagelo que uma sociedade pode enfrentar: a fome.
E nenhuma empresa pode se orgulhar de ter excelente ESG se não se empenhar de verdade no combate à fome (o S do trio), sem preocupação com “aparecer” perante a sociedade.
Várias empresas e instituições estão se mobilizando para ajudar nessa missão, com destaque para as cooperativas agropecuárias. Mas não bastam ações isoladas, por mais úteis que sejam.
Passa já da hora de um grande movimento coordenado entre empresas das diferentes cadeias produtivas do agronegócio e suas instituições para, em conjunto e talvez com apoio do Ministério da Agricultura (porque o governo tem os cadastros dos mais necessitados), fazerem a maior distribuição de cestas básicas do mundo. Um verdadeiro tsunami de alimentos para a população faminta. É imperioso esse trabalho. Na atualidade, duas questões são fundamentais para a estabilidade social e política das nações: segurança alimentar e sustentabilidade. Ambas passam pelo agro.
Mãos à obra!
*EX-MINISTRO DA AGRICULTURA E COORDENADOR DO CENTRO DE AGRONEGÓCIOS DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
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