Não parece haver dúvidas sobre a necessidade de se reciclar plásticos em função dos danos ambientais que causam. Por outro lado, é inequívoca a importância desse material para inúmeras aplicações em diversos campos, como segurança alimentar e saúde, por suas características, como leveza e resistência. Por isso, os conceitos e iniciativas da economia circular oferecem oportunidades relevantes, mas estão longe de provocarem impactos na escala necessária. A geração de resíduos plásticos cresce avassaladoramente e a reciclagem mundial não atinge 10% do total.
As inquietações neste campo geraram iniciativas como o “Compromisso Global por uma Nova Economia do Plástico”, sob a liderança da Fundação Ellen MacArthur e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Metas voluntárias foram estabelecidas pelas principais empresas responsáveis por embalagens plásticas e, gradualmente, a ampliação da utilização de material reciclado torna-se lei em diversos países. Um tratado global está em discussão na ONU, um acordo tão relevante, embora menos comentado, quanto os dedicados às mudanças climáticas. No entanto, assim como os mecanismos relacionados ao aquecimento global, o multilateralismo não tem dado conta da urgência com que o tema merece ser tratado.
A fronteira que se descortina é a do valor econômico da cadeia de reciclagem. A compreensão de como essa cadeia está estruturada tem sido objeto de movimentos empresariais relevantes no mundo todo. Ao mesmo tempo em que ocorre enorme evolução na indústria, com o desenvolvimento de produtos de alta sofisticação, regularidade de oferta de reciclados e movimentos firmes para atender segmentos que vão de cosméticos ao automotivo, ganham bom destaque as métricas e certificações relacionadas à redução de emissões de carbono derivadas do uso de plástico reciclado. Estimativas de boa qualidade técnica apontam potenciais de redução de emissões, quando comparadas ao plástico virgem, de 70%.
Conforme a indústria se desenvolve, todos os olhos se voltam para o primeiro elo da cadeia de reciclagem, que se refere a como resíduos plásticos urbanos, comerciais ou industriais são acumulados. A “economia do lixo” tem trazido oportunidades crescentes para concessionárias públicas de coletas de resíduos sólidos, seletivas ou não. Operadores privados sofisticados competem com catadores organizados em cooperativas e ferros-velhos. Emergem empreendimentos voltados para o gerenciamento de resíduos.
O desafio central desses atores tão heterogêneos é a triagem. Sistemas automatizados, demandantes de altos investimentos, convivem com atividades precárias de separação manual em péssimas condições trabalhistas e sanitárias. A convivência de sistemas tão antagônicos decorre da inaceitável tolerância à existência de situações de total insegurança social e sanitária. Como ocorre, e é bem descrito na literatura acadêmica, esse tipo de situação gera efeitos bastante negativos na competitividade de segmentos econômicos em geral.
Boa parte dos resíduos triados segue o fluxo comercial nas mãos dos chamados sucateiros. São profissionais de boa musculatura econômica e profundo conhecimento das dinâmicas de mercado. Alguns fazem pré-processamento, como moagens e lavagens, e grande parte tem alto grau de informalidade.
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A boa notícia é que a pressão por melhores condições de trabalho tem gerado oportunidades para catadores, cooperativas e companhias privadas se organizarem em unidades com maior escala e tecnologia e capital adequados para o fornecimento de materiais para um mercado em crescimento.
A longa jornada dos resíduos plásticos, de onde são inicialmente acumulados (aterros e, felizmente, cada vez menos, lixões) até as indústrias processadoras da reciclagem é repleta de assimetrias de informações. Com frequência, várias camadas de sucateiros e intermediários se sucedem.
Os acordos internacionais citados e compromissos empresariais anunciados não são compatíveis com grande parte das práticas sociais, ambientais, fiscais e ineficiências operacionais das cadeias de suprimentos, tais como descritas. Cresce a demanda por rastreabilidade, gerando bons desafios para as poucas empresas habilitadas a suprirem resinas plásticas recicladas para clientes com marcas e reputação de grande valor. O esforço na gestão rastreada das cadeias de suprimento tem certamente resultado em melhorias das condições socioambientais de operadores de coletas, triagem, estocagem e distribuição de plásticos.
O sucesso desse esforço empresarial e a expansão dos investimentos no setor dependem fortemente de políticas públicas. É essencial implementar iniciativas que aumentem a competitividade através de um sistema de Responsabilidade Estendida do Produtor abrangente e confiável, bem como estabelecer um sistema tributário coerente com os benefícios que a economia circular gera para a sociedade. Não menos importante, é necessário e urgente que se estabeleça a obrigatoriedade do uso de material reciclado onde sua aplicação é comprovadamente segura e viável, reconhecendo que a circularidade é uma necessidade para aproveitarmos os benefícios do material.
Assim como no campo das mudanças climáticas, passivos morais, como a geração e destinação irresponsável do lixo plástico, estão migrando velozmente para o campo dos passivos legais, sujeitos a regulações oriundas de políticas públicas específicas. A responsabilização legal é um dos caminhos para promover melhorias institucionais no campo da gestão dos resíduos sólidos e precisa ser realizada de forma célere e compatível com um profundo conhecimento da alta complexidade da cadeia de suprimentos. Distorções em regulações e incentivos acabam por agravar a ineficiência econômica de uma indústria de alto potencial econômico, social e ambiental. Trata-se de um bom campo de cooperação entre o setor empresarial e governos, com evidentes benefícios para a sociedade.
Roberto Waack é membro do conselho de administração da Marfrig, da Wise Plásticos e presidente do conselho do Instituto Arapyaú; Bruno Igel é CEO da Wise Plásticos
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