Os dramáticos sinais das mudanças climáticas têm, entre outros desdobramentos, impactos no campo financeiro. O setor é um dos que mais desenvolvem sistemas de auditoria para rastreabilidade socioambiental e é relevante protagonista para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). E tem sido alvo preferencial de ações de litigância climática.
Por isso, a quantidade de discussões voltadas para tratar de finanças climáticas tem sido tão grande quanto os eventos climáticos propriamente ditos.
Os encontros multilaterais, como as Conferências das Partes das Nações Unidas – as COPs –, sobre mudança climática e biodiversidade têm mobilizado agentes financeiros públicos e privados pela constituição de fundos com volume de recursos significativos. Em outras esferas de debates, também se discute a necessidade de novos “Bretton Woods” e “Basileias”, destinados a atender às demandas de recursos financeiros voltados para mitigação e adaptação climáticas e reconstrução da economia global sobre um paradigma de maior equilíbrio econômico, social e ambiental.
Modelos inovadores de programas, veículos e instrumentos financeiros têm sido apresentados, com diversas denominações esverdeadas. Seguradoras e resseguradoras também entraram em cena. Embora haja sobreposição de programas financeiros ligados aos campos climático e à agenda ESG, de uma maneira geral estes se agrupam em quatro categorias.
Os green bonds têm foco puramente ambiental, abrangendo áreas como geração e adoção de energia renovável, eficiência energética, gestão de resíduos e conservação da biodiversidade. No Brasil, por exemplo, a BRF emitiu um green bond em 2015, captando US$ 500 milhões para financiar projetos energéticos e de gestão de resíduos. No ano seguinte, a CPFL Renováveis emitiu títulos para alavancar projeto de energia solar e eólica. Em 2017, o Itaú anunciou um green bond de US$ 400 milhões para projetos em transição energética. Outras empresas que fizeram uso desse instrumento financeiro incluem Raízen e Ambipar.
Uma categoria complementar são os social bonds, voltados para a geração de benefícios sociais. Novamente, há exemplos no país. Em 2020, o Banco do Brasil lançou um social bond de US$ 750 milhões para financiamento de projetos promotores de inclusão financeira, habitação e apoio a micro, pequenas e médias empresas. Da mesma forma, o BNDES emitiu um instrumento do tipo para financiamento de inciativas voltadas para o desenvolvimento social, incluindo saúde e educação.
Sobrepondo-se aos dois títulos citados, aparece a categoria dos sustainability bonds, para projetos com abrangência nas duas frentes, social e ambiental, incluindo desenvolvimento urbano, combinando habitação acessível à eficiência energética, e projetos de infraestrutura sustentável. O governo federal, o Banco do Brasil e a empresa de saneamento Aegea lançaram títulos dessa categoria.
Em 2019, a Natura emitiu um bond de US$ 750 milhões para projetos voltados para a conservação da biodiversidade e apoio a comunidades. A Suzano Papel e Celulose emitiu, em 2020, um sustainability bond de US$ 750 milhões para financiar iniciativas na área de conservação de florestas e programas de educação.
Ainda no campo da sustentabilidade, foram lançados os sustainability-linked bonds. Em geral, são instrumentos que buscam vincular termos e condições a indicadores de desempenho de sustentabilidade previamente definidos, como metas de redução de emissões de carbono.
Os recursos, nesses casos, não são necessariamente alocados para projetos específicos, mas, sim, para o desempenho da empresa nesses indicadores, com influência variável em taxas de juros, por exemplo. A Suzano, além dos sustainability bonds, lançou, em 2021, sustainability-linked bonds voltados para o objetivo de reduzir emissões de carbono. A Marfrig Global Foods, em 2019, já havia emitido um bond de US$ 500 milhões para o mesmo fim, com foco na cadeia da carne bovina.
Nos dois últimos anos, Aegea, Banco do Brasil, FS Bioenergia, Ambipar, Raízen e o governo brasileiro lançaram esses tipos de bonds, que, juntos, ultrapassaram US$ 9 bilhões. Os valores emitidos variaram de US$ 300 milhões a US$ 2 bilhões. O governo brasileiro emitiu dois sustainability bonds de US$ 2 bilhões cada um. No campo privado, Aegea, Ambipar e Raízen lideram, com títulos entre US$ 750 milhões a US$ 1 bilhão. Os cupons – taxas de juros prometidas pelo título, estampadas em seu valor de face – variaram de 6% a 9,87%. Os títulos com valores mais baixos foram sustainability bonds emitidos pelo Banco do Brasil, com demandas de três a quatro vezes superior ao lançado.
Leia também em Economia Verde
No entanto, uma comparação com bonds não categorizados como ESG ou relacionados ao clima indica que praticamente não há diferença entre as condições ofertadas. Banco Pactual, Movida, Azul, Braskem, Votorantim Cimentos, Embraer, Cosan, Vale, JBS, Minerva e Petrobras, no mesmo período, lançaram títulos com cupons na mesma faixa (na média, mais baixos), com demandas no mesmo range. O montante emitido no período 2013-24 superou U$ 23 milhões, quase três vezes mais que os títulos “sustentáveis”. O Estado brasileiro emitiu US$ 7,2 bilhões em títulos tradicionais, quase duas vezes acima dos títulos socioambientais.
O maior desafio para os ofertantes e tomadores de instrumentos vinculados a temas sociais e ambientais, como green finance, green deals, green recovery, green bonds, transition bonds, sustainable bonds,sustainability-linked bonds, green insurance, climate finance, nature finance, ESG finance, sustainable finance, é vencer os custos de transação a eles associados. As demandas por indicadores, auditorias, garantias, reports, entre outros mecanismos de governança e compliance é muito maior do que aquelas exigidas para títulos convencionais. Como apresentado, as condições, ao final, não são significativamente vantajosas a ponto de superarem esses custos adicionais.
Assim, o grande mercado de commodities alimentares, energéticas e minerais, que são fundamentais no campo das necessárias transformações climáticas, ainda não percebe como vantajosas essas recentes movimentações no campo das finanças climáticas. Já para pequenas e médias empresas, as demandas por práticas mínimas de governança e formalidade tornam o acesso a essas alternativas mais difícil.
Por um lado, ofertantes alegam falta de bons projetos. Por outro, bons projetos transformadores e de escala significativa, conduzidos por grandes organizações, ainda não veem vantagens relevantes em imergir no campo das inovações financeiras ligadas ao mundo socioambiental.
O movimento das finanças climáticas é bastante positivo, mas ajustes são urgentes e necessários para que CFOs de grandes corporações efetivamente expandam a bolha dos “neo-finance-environmentalists“, o ainda novo movimento que tem atraído ambientalistas para o mundo das finanças.
Roberto Waack é membro do conselho de administração da Marfrig, presidente do conselho do Instituto Arapyaú e cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Tang David é CFO da Marfrig Global Foods.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.