Pode-se dizer que 2024 foi emblemático para a agenda das mudanças climáticas. Eventos dramáticos ocorreram em todo o mundo, com cenas apavorantes surgindo em todos os continentes, decorrentes de secas, tormentas e furacões. O Brasil experimentou, no início do ano, um dos piores desastres ambientais de sua história, com as enchentes no Sul. Viveu um terrível inverno, lutando contra incêndios nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, e termina o ano com a maior seca já documentada na região Norte.
Importantes encontros relacionados ao clima e à natureza aconteceram em Baku e Cali. De modo inédito, os encontros do G-20 tangenciaram questões relacionadas ao capital natural e à bioeconomia. A aproximação da COP30, que acontecerá em Belém, em 2025, agitou corredores ministeriais no País, com polêmicas e disputas inconclusivas por organizações e posições.
O consenso de que o Brasil é um dos países mais competitivos na economia de baixo carbono não se concretizou na prática, ainda que se reconheça alguns avanços, tímidos e imprecisos, na regulação do mercado de carbono e na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, em inglês), que deve apontar os caminhos para a descarbonização do País.
As sinalizações da natureza de que há uma crise estão cada vez mais evidentes, com impactos diretos nas produções de commodities alimentares, energéticas e na economia. Já não há expectativas de que as ambições do Acordo de Paris, de manter o aumento da temperatura do planeta abaixo de 1,5 graus Celsius, se realizem. O resultado da diplomacia das COPs reforça a vertiginosa derrocada do multilateralismo (não só na geopolítica climática). Não há uma só liderança global neste campo, com exceção da China, país que é símbolo de ambiguidades climáticas, pois lidera o campo tecnológico, mas continua sendo o segundo maior emissor de CO₂ do planeta.
Neste cenário político frustrante, o campo empresarial mostra vigor e avanços importantes. As empresas sabem, melhor que governos, que terão de lidar com um novo contexto relacionado aos recursos naturais e às mudanças climáticas. Com isso, um jogo competitivo se estabelece nesse campo.
Estratégias de mitigação, como ações voltadas para lidar com externalidades negativas (redução de emissões, rastreabilidade, redução de uso de recursos naturais, gestão energética e outras) se intensificam. Parte da agenda de ESG/Sustentabilidade passa a ser objeto de compliance.
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Lidar com as mudanças climáticas também está exigindo estratégias de adaptação, quase sempre implicando em mudanças significativas em cadeias de suprimento, logística, localização de plantas e design de produtos. Cresce a demanda por previsões e cenários de aumento de temperatura e pela identificação de períodos, frequência e intensidade de secas ou chuvas, seus possíveis efeitos em infraestrutura e outros componentes, que provocariam efeitos diretos em custos e condições básicas de operações.
A combinação de estratégias de mitigação e adaptação implica, com boa frequência, em novos modelos de negócio, derivados de contenções de riscos ou de oportunidades de novos produtos e mercados. O tema subiu para as mais altas instâncias de governança corporativa. Frutificam debates sobre o papel dos conselhos de administração e o letramento de conselheiros, pois estes não têm, em geral, o conhecimento e o foco para lidar com a complexidade dessas frentes, apesar de serem temas que podem afetar substancialmente a vida das empresas.
Também crescem as discussões em torno da implementação de comitês de sustentabilidade, que se encontram cada vez mais integrados a fóruns de estratégia e inovação, para assessorar os conselhos.
Tais comitês de assessoramento de conselhos são alternativas efetivas para situações com o grau de complexidade, especificidade e dinamismo que a agenda climática demanda. Aprendizados na estruturação desses instrumentos de governança têm se consolidado.
A composição dos comitês é da maior importância. A presença de pelo menos um membro do conselho é essencial como ponte entre essa instância e os temas discutidos nesses fóruns. O papel de membros independentes é igualmente vital. A forma de interlocução do comitê com o conselho deve ser bem definida e ter rotina própria. Instrumentos de comunicação entre o comitê e o conselho não podem se restringir a atas formais. É recomendado que reports informais sejam implementados, com boa qualidade editorial.
É fundamental que esses comitês tenham total visibilidade dos efeitos negativos (e positivos) que a empresa e suas atividades geram do ponto de vista social, econômico e ambiental. Para tanto, mapas de externalidades são ferramentas potentes e devem ser construídos a partir de uma ampla gama de stakeholders afetados.
O comitê deve levar ao conselho a matriz de materialidade, ou seja, as externalidades mais relevantes e materiais, claramente apontadas, com conjunto de ações para eliminação, redução, mitigação ou compensação das externalidades negativas e, no caso das positivas, como estas se traduzem em valor. Análises de externalidades devem contemplar a maior extensão possível das cadeias de suprimentos e de mercados.
Cabe ao comitê cuidar para a empresa ter uma adequada relação com a sociedade civil crítica para os negócios, assim como relacionamentos efetivos e permanentes com stakeholders afetados pelas atividades diretas ou indiretas da empresa.
O crescimento de ações de litigância climática e relacionadas a temas como saúde (alimentos superprocessados são um exemplo) demandam aconselhamento técnico especializado. Em outra frente, o campo da contabilidade passa por inovações relevantes que também exigirão conhecimentos específicos relacionados à capacidade da empresa em proteger e gerar valor a partir de fatores ambientais.
O que é preciso ser feito na agenda climática está bastante claro. A geopolítica global está sendo desafiada a se reconstruir com novos desenhos para ser mais efetiva. As empresas, por sua vez, não estão esperando por isso e cada vez mais levam o tema para suas mais altas instâncias de governança. Talvez essa seja a principal mensagem de um ano em que a publicidade do ESG passou por necessário freio de arrumação. Fala-se menos e reflete-se mais sobre as implicações e as oportunidades de negócios relacionados a novos modelos empresariais dependentes de recursos naturais e impactados por mudanças climáticas.
*Ex-ministra do Meio Ambiente, Sênior Fellow do Instituto Arapyau
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