Estava dando tudo tão certo… Farra fiscal é assim mesmo. De início, é só alegria. Impulsionada por uma expansão colossal de dispêndio público de nada menos que 2,5% do PIB, concentrada entre meados de 2023 e meados de 2024, a economia cresceu quase 3% no ano passado e pode vir a crescer mais do que isso neste ano. E, não obstante todo o empenho com que o Banco Central vem tentando acionar os freios, com taxas de juros extraordinariamente elevadas, o desemprego continua despencando.
Mas acabou a fase mágica em que a farra fiscal parecia só gerar benefícios. Para consternação dos segmentos mais lúcidos do governo, a conta chegou. O vale-tudo da primeira metade do Lula 3 não sairá barato. E a fantasia de que a farra poderia ser estendida até a eleição presidencial de 2026 esvaiu-se.
Esvaiu-se mesmo? Não falta quem discorde. Boa parte da cúpula do governo e grande parte do PT continuam entregues ao negacionismo. E propensos a dobrar a aposta, convencidos de que ainda é possível continuar a esticar a corda da irresponsabilidade fiscal para assegurar que a economia “chegue bem” em 2026 e o presidente possa ser reeleito.
O que se viu nas últimas semanas foi um esforço incansável da equipe econômica para, na medida do possível, manter as aparências em meio à grave crise de confiança com que se defronta, e impedir que as reais proporções desse negacionismo viessem a público.
O governo alimenta a esperança de que bastará um ajuste fiscal de 0,3% do PIB para que a crise de confiança possa ser superada. É até possível que um ajuste dessa magnitude possa atenuar em alguma medida as dificuldades do Banco Central para trazer a inflação de volta à meta em tempo hábil. O que é bem menos crível é que um ajuste tão modesto seja capaz de deixar os mercados menos alarmados com o descontrole do endividamento público.
Se ao longo dos próximos dois anos nada for feito a esse respeito, o que terá a propor sobre tal questão o candidato do governo – seja Lula ou quem for – na campanha presidencial de 2026? Metas plurianuais de superávits primários de 2% do PIB, como seria cabível? Ou um arcabouço fiscal 2.0, com metas renovadas de déficit primário “quase zero”?
Se o leitor teme que a segunda alternativa seja, de longe, a mais provável, fica fácil perceber por que o modesto ajuste que o governo agora contempla está fadado a se revelar insuficiente, em larga medida, para livrá-lo das dificuldades que a incerteza fiscal continuará a impor à política econômica. E, claro, ao desempenho da economia.
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