É natural que uma proposta de reforma tributária tão complexa como a que agora tramita no Congresso venha gerando tanta controvérsia. O que surpreende é que, não obstante o alto grau de dissenso que ainda cerca a PEC da reforma, o presidente da Câmara, Arthur Lira, esteja tão determinado a submetê-la à votação, a toque de caixa, em dois turnos, antes mesmo do recesso parlamentar. É difícil encontrar justificativa razoável para tamanho açodamento.
Vale esclarecer que, há décadas, venho sendo defensor ardoroso de um reordenamento da caótica tributação de bens e serviços no País nas linhas do que, afinal, está sendo tramitado no Congresso. E é muito bom constatar que, afinal, ideias vagas saíram do papel e deram lugar a uma proposta concreta de implementação de um esquema de tributação em bases amplas do valor adicionado.
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Mas nunca subestimei as dificuldades de implementação de uma reforma nessas linhas.
Não vejo, portanto, razão para surpresa quanto ao formato da economia política da reforma tributária que agora se delineou, à medida que o texto da proposta tomou forma. Governadores de Estado e prefeitos de capitais inconformados. Enorme resistência de setores produtores de serviços e do agronegócio. E, pior, aliança de todos que, por razões diversas, se opõem à reforma.
Era preciso saber lidar com esse dissenso, aparar arestas, esclarecer dúvidas, aceitar sugestões de aprimoramento, desfazer temores e dar clareza a potenciais perdedores quanto à real extensão da perda que poderão esperar.
Muitos dos reparos que vêm sendo feitos à proposta de reforma merecem cuidadosa atenção. Basta ter em conta a ideia impensada de criação de um mal-ajambrado Conselho Federativo, para lidar com as sabidas dificuldades que advirão da preservação atávica da cobrança de parte do IVA em nível subnacional. Teria sido muito melhor a solução de um IVA único, administrado nacionalmente.
O certo é que não faz sentido passar o trator sobre o dissenso remanescente. Há uma longa sequência de batalhas pela frente. Aprovada na Câmara, a PEC terá de passar pelo Senado. E ainda exigirá a aprovação de legislação complementar que assegure lenta implementação das mudanças contempladas, ao longo de muitos anos.
É bom lembrar que este é um país em que emendas constitucionais que revertem PECs aprovadas no passado podem vir a ser aprovadas num piscar de olhos. No esforço de aprovação da reforma tributária, a ninguém interessa transformar os que têm razões para se opor às mudanças propostas em revoltados.
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