‘Dirigentes do Fed não sabem muito bem o que está ocorrendo com a inflação’, diz Kenneth Rogoff

Para ex-economista-chefe do FMI, taxa de juros nos Estados Unidos só vai recuar para patamares abaixo de 4% em 2026

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Foto: Cory Hancock/IMF
Entrevista comKenneth RogoffEx-economista-chefe do FMI e professor de Harvard

Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e professor de Harvard, acredita que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deve reduzir os juros nos Estados Unidos apenas uma vez este ano, em setembro ou dezembro. Isso porque a inflação no país permanecem em níveis considerados elevados, por conta principalmente das pressões do setor de serviços, motivadas pelo crescimento firme da economia.

“A política monetária não está tão restritiva quanto o Fed avaliava e não está reduzindo a inflação tão rápido quanto se imaginava”, disse o economista, em entrevista ao Estadão/Broadcast. Para ele, o problema central é que os dirigentes do Fed não sabem muito bem o que está ocorrendo com a inflação, pois estão sendo surpreendidos por ela.

Na avaliação de Rogoff, porém, a zona do euro tem problemas ainda maiores que os dos EUA. “A economia da Europa está sentindo o impacto dos juros em 4%”, diz. “Os preços dos imóveis desabaram na Alemanha, Itália e Suécia, o que causará efeitos sobre o setor bancário.”

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual a sua avaliação sobre o tom adotado pelo presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, ao anunciar a decisão do banco de manter os juros na reunião do início do mês?

Powell tem lutado na comunicação. Primeiro, ele disse que o Federal Reserve iria cortar os juros neste ano, mas depois afirmou que não era a mensagem que ele queria passar. Ele está tentando calibrar o discurso. O problema central é que os dirigentes do Fed não sabem muito bem o que está ocorrendo com a inflação, pois estão sendo surpreendidos por ela. Eu acredito que os dirigentes do Federal Reserve precisarão ajustar suas opiniões, dado que as taxas de juros não ficarão tão baixas quanto foram no passado recente. As taxas dos Fed funds estarão entre 3,5% e 4% em três anos, na média. Isto significa que a política monetária atualmente não está tão apertada quanto eles acreditam. Se as taxas de juros estivessem muito altas, os dirigentes do Fed estariam assumindo algum risco de gerar uma recessão. Mas se elas não estão tão elevadas, a situação é menos dramática.

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O que está ocorrendo com a inflação nos EUA?

Ainda há pressões de preços de serviços, como os registrados no setor de habitação. Além disso, a política monetária não está tão restritiva quanto o Fed avaliava e não está reduzindo a inflação tão rápido quanto se imaginava. As taxas de juros reais de longo prazo, como as relativas aos Treasuries (títulos do Tesouro americano) de 10 anos, estão perto de 2,25%. Há também outras questões que levarão os juros para um patamar mais alto na próxima década, como globalização, incertezas geopolíticas e populismo. A inflação nos EUA ficará, na média, entre 2% e 2,5% nos próximos 10 anos.

O Fed deveria aceitar que a inflação nos EUA, devido a questões estruturais, é mais alta do que a meta de 2%, talvez mais próxima de 3%, como defende Mohamed El-Erian, presidente do Queens’ College da University of Cambridge?

Não, os dirigentes do Fed estão tentando trazer a inflação à meta de 2%. Se não agirem assim, porque vamos acreditar que quando a inflação estiver em 4% eles conseguirão reduzi-la para 3%? Eles estão absolutamente decididos a levar a inflação para 2%. Se a taxa de juros real de equilíbrio de curto prazo está entre 1,5% e 2%, com uma inflação de 2%, a taxa nominal neutra está entre 3,5% e 4%.

Está errada a taxa de juros nominal neutra de 2,6% estimada pelos dirigentes do Fed?

Sim, eles estão errados sobre esta taxa. Este é um pecado capital. Se eles diminuírem a inflação, ela ficará um pouco acima de 2%, não abaixo de 2%. Eu acredito que a longa era de taxas de juros nominais em 0% amarrou as mãos das autoridades do Federal Reserve para evitar a distensão da política monetária. Então, eles adotaram o relaxamento quantitativo (aumento do dinheiro em circulação para estimular a economia), o que foi uma cortina de fumaça implementada com muita força por Ben Bernanke (ex-presidente do Fed) e que gerou poucos efeitos.

A inflação resistente nos EUA está ocorrendo porque o crescimento do país está muito firme?

A inflação continua elevada basicamente por causa do estímulo fiscal que aconteceu desde a pandemia. As pessoas ricas estão indo bem e há muitos gastos dos consumidores. Os cidadãos com baixa renda receberam muitas transferências de recursos do governo. Mesmo com os mercados de ações caindo 5% ante o seu pico, ainda estão em um patamar bem alto. Os preços dos imóveis estão elevados.

Quantos cortes de juros o Fed deverá adotar neste ano e quanto será o crescimento dos EUA em 2024?

Os dirigentes do Fed reduzirão os juros uma vez neste ano, que poderá ser em setembro ou dezembro. Mas para baixar os juros ainda será necessário esperar um tempo, pois o Fed é dependente de dados econômicos e o crescimento do nível de atividade continuará muito bom neste ano. Acredito que o PIB poderá ter uma expansão acima de 2% em 2024.

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Quando a inflação atingirá a meta de 2% nos EUA?

Ao final de 2025.

Quantos cortes de juros o Fed adotará até lá?

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Até o fim de 2026 os juros estarão entre 3,5% e 4%. Eu não acredito que o Fed reduzirá a taxa para 4% até o final de 2025, a menos que Donald Trump assuma o Federal Reserve, caso seja eleito neste ano. (Atualmente, a taxa de juros nos EUA está em uma faixa entre 5,25% e 5,5% ao ano).

Vamos tratar da política monetária na zona do euro. O Banco Central Europeu estará correto se reduzir os juros em junho?

A zona do euro tem muito mais problemas do que os EUA. A economia da Europa está sentindo o impacto dos juros em 4%. Os preços dos imóveis desabaram na Alemanha, Itália e Suécia, o que causará efeitos sobre o setor bancário. E vários bancos têm grandes volumes de títulos públicos de governos comprados com juros mais baixos e estão registrando muitos prejuízos com o atual nível de juros, que é mais elevado. Não acredito que a inflação atingirá a meta de 2% logo na zona do euro. Mas como as economias na região enfrentam vários problemas, o BCE precisará ser mais cuidadoso para manter os juros elevados. Os EUA permitirão que a inflação continue alta por mais tempo porque a economia está indo bem. Na Europa, será aceita a inflação elevada por mais tempo porque o nível de atividade está indo mal.

Quantos cortes de juros o BCE deverá adotar neste ano?

O cenário base é o BCE reduzir os juros duas ou três vezes em 2024, mas a inflação continuará alta. Contudo, acredito que veremos logo o início do estresse no setor financeiro, o que não contribuirá para que os juros sejam mantidos no atual patamar elevado.

O sr. vê a taxa de juros na zona do euro em 3% ao final de 2025?

Sim, é uma taxa de juros razoável para o término do próximo ano.

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Em relação ao Japão, o câmbio atingiu recentemente o recorde de 160 ienes por dólar. A pressão de depreciação do iene continuará até o momento em que o Federal Reserve comece a baixar os juros?

O problema do iene demorará muito mais do que o início da redução dos juros pelo Fed. As intervenções do ministério das Finanças para conter a depreciação do câmbio ocorrem porque as autoridades no Japão não querem subir os juros. O Japão cavou um grande buraco, pois muitos investidores estão com volumes imensos de títulos públicos. Se os juros subirem, esses papéis passarão a valer muito menos. Quando ocorreu o colapso do Silicon Valley Bank e outros bancos de porte médio e pequeno nos EUA, em 2023, pelo menos dois trilhões de dólares de prejuízos foram registrados por tais instituições, porque elas tinham dívida de longo prazo quando as taxas de juros subiram. No caso do Japão, muitos investidores têm títulos públicos com juros perto de zero e eles terão prejuízos impressionantes quando o Bank of Japan aumentar as taxas de juros. Um título de 10 anos que pagava 0% de juros e subitamente sobe para 2% gerará perdas para vários setores, como o financeiro e de habitação.

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