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Análise|Preço da comida recua, mas inflação e risco fiscal ainda ameaçam

Não só comida e transportes corroem o poder de compra das famílias; inflação tem ficado bem acima do centro da meta, embora abaixo do limite de tolerância, o que em nada melhora a condição de quem precisa contar cada centavo

Foto do author Rolf Kuntz
Atualização:

A boa produção de comida continua freando a inflação, deixando mais dinheiro para outros gastos e permitindo um pouco mais de conforto às famílias. Os preços de alimentação e bebidas diminuíram 0,44% em julho e 0,80% em agosto, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), divulgado na terça-feira, 27, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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Mas o alívio é muito limitado, porque o custo dos transportes aumentou nesses dois meses, com variações de 1,12% e 0,83%. Boa parte dos brasileiros gasta metade de seus ganhos para comer e se movimentar e muitos dependem de trabalho extra para sobreviver e sustentar a casa.

Não só comida e transportes têm corroído o poder de compra das famílias. O conjunto dos preços ao consumidor subiu 3,02% neste ano, até agosto, e 4,35% em 12 meses. A inflação tem ficado bem acima, portanto, do centro da meta oficial, fixado em 3%. Continua abaixo do limite de tolerância, 4,50%, mas isso em nada melhora a condição de quem precisa contar cada centavo.

Preços de alimentação e bebidas diminuíram 0,44% em julho e 0,80% em agosto, segundo o IBGE Foto: Taba Benedicto/Estadão

No mercado, a mediana das projeções aponta para 2024 uma inflação anual de 4,25%, segundo o último boletim Focus. O mesmo boletim registra expectativas de 3,93% para o próximo, 3,60% para 2026 e 3,50% para 2027.

Todos esses anos, de acordo com a avaliação do setor financeiro, serão encerrados com déficits no balanço primário — sem juros, portanto — das contas públicas federais. Segundo os economistas do mercado, qualquer ministro da Fazenda empenhado em equilibrar as contas públicas será derrotado pela gastança presidencial.

Um Tesouro gastador tem o mérito, pelos critérios tradicionais do petismo, de estimular a atividade econômica. Isso pode ser verdade quando a economia está em recessão, mas essa crença se torna perigosa em outras circunstâncias. Governo deficitário tem de recorrer à emissão de dinheiro, a financiamento do mercado ou aos dois expedientes, para cobrir seus gastos. Emissão excessiva de moeda tende a produzir inflação e, numa etapa seguinte, elevação de juros. Dependência de empréstimos privados acaba também resultando em juros mais altos, embora esse efeito possa ser postergado por artifícios políticos. O desarranjo nos juros pode nem ocorrer em países com altíssima confiabilidade fiscal, mas o Brasil precisará avançar muito para alcançar essa condição.

Conhecido inimigo dos juros altos e da autonomia do Banco Central (BC), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, amigo da gastança, deixa sem escolha, no entanto, qualquer autoridade monetária digna de algum respeito. Sem exibir uma séria disposição de buscar a sustentabilidade fiscal, o presidente da República torna inevitável uma política de restrição da moeda. Não haverá surpresa se uma alta de juros ocorrer antes do fim do ano. Se os dirigentes do BC ainda evitarem essa decisão até dezembro, terão de apertar sua política no começo de 2025.

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O presidente Lula poderá acusá-los de prejudicar o crescimento econômico, de atrapalhar a criação de empregos e de tornar o crédito muito caro ou até inacessível aos trabalhadores. Mas ele será o verdadeiro responsável pela restrição monetária e, vale a pena lembrar, pelo aumento de juros pagos pelo Tesouro a seus financiadores. Forçado a pagar mais aos credores, o governo terá maior dificuldade para aplicar dinheiro em benefício dos grupos mais carentes, apontados pelo governo como principais destinatários de suas políticas. Irresponsabilidade fiscal, geradora de inflação e de custos maiores para o governo, pode ser tão desastrosa para os pobres quanto a destruição de lavouras por secas ou tempestades.

Análise por Rolf Kuntz

Jornalista

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