O rombo com derivativos cambiais tóxicos, um dos principais pontos de contágio do Brasil na crise de 2008 e que pôs em risco empresas como Sadia e Aracruz, foi muito maior do que se imaginava, segundo o relatório "Considerações sobre a atuação do Banco Central na crise de 2008", dos ex-diretores do BC Mário Mesquita e Mario Torós.As perdas se aproximaram de US$ 37 bilhões (R$ 66 bilhões, ao câmbio de R$ 1,80) - um estrago 48% maior do que os US$ 25 bilhões da estimativa até então conhecida, feita em 2009 pelo BIS, instituição que reúne os bancos centrais no mundo. Após o trauma, os derivativos tóxicos hoje estão praticamente extintos no mercado e variações cambiais relevantes, como a registrada no mês passado, impactam empresas de forma distinta, via dívida em moeda estrangeira.A estimativa dos derivativos tóxicos passou despercebida no relatório de Mesquita e Torós em março de 2010, mas foi destacada no recém-publicado livro do economista José Roberto Afonso "Crise, Estado e Economia Brasileira", da Editora Agir. O tamanho do estrago ajudou a nortear o BC em sua estratégia contra a crise, segundo Mesquita e Torós. Para se ter uma ideia do impacto, eles projetam que as mesmas perdas no México, também fortemente afetado, foram de US$ 4 bilhões.O rombo pode ter sido ainda maior do que os US$ 37 bilhões, lembra Afonso, pois houve empresas que fecharam contratos nos mercados de balcão internacionais - não regulados - , enquanto outras constituíram os derivativos tóxicos por meio de contratos com suas subsidiárias no exterior. "Por isso, é difícil quantificar o completo e real estoque de operações em aberto e, consequentemente, de perdas", diz Afonso.Após uma série de mudanças regulatórias, o julgamento da Sadia na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) com a condenação de administradores e a criação de mecanismos de controle e transparência, o mercado hoje praticamente se livrou dos derivativos tóxicos. "As empresas estão supervacinadas. Tem tempo que não vejo um contrato deste tipo", confirma o diretor da Pioneer Corretora João Medeiros, que no seu dia a dia acompanha contratos com derivativos de câmbio. "Hoje as taxas são conhecidas, quem faz, faz conscientemente", diz Medeiros.A ameaça, este ano, está no aumento do endividamento por parte de empresas e bancos, que apostaram num real forte e foram buscar recursos no exterior aproveitando as baixas taxas de outros países. Se por um lado em 2008 o impacto dos derivativos tóxicos foi devastador para algumas companhias, por outro estava concentrado num grupo mais restrito de empresas. Já agora, o endividamento em moeda estrangeira é muito mais generalizado, abarcando uma gama maior de companhias, segundo o sócio de uma grande gestora que prefere anonimato. Para ele, o efeito é menor para exportadoras, pois a venda de seus produtos em dólar/euro compensará, mais à frente, o impacto financeiro de agora. O real tamanho do estrago só será conhecido a partir do próximo dia 15, com a divulgação da safra dos balanços do terceiro trimestre. A Economática calcula que a parcela da dívida em moeda estrangeira terá impacto de 20% desde o fechamento dos balanços no segundo trimestre, uma alta que ficaria acima de R$ 30 bilhões, considerando um endividamento de 241 empresas estimado em R$ 182 bilhões, a um dólar a R$ 1,84.A CVM, que encerrou seu longo trabalho para blindar o mercado contra os derivativos exóticos, considera desnecessário fazer ajustes para regular o endividamento das empresas em moeda estrangeira. "O importante é que as operações sejam feitas com transparência, e as regras da CVM já dão conta deste recado", disse o diretor da autarquia, Otavio Yazbek.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.