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Ronald Wayne, o homem que vendeu 10% da Apple por US$ 800

Sócio de Steve Jobs e Steve Wozniak na criação da Apple, em 1976, engenheiro pediu para sair da sociedade pouco depois, abrindo mão do que hoje seriam bilhões de dólares

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Por Redação
Atualização:

"Tomei a decisão com base nas informações que tinha na época. Tive uma experiência anterior como empreendedor e perdi tudo. As pessoas querem saber se eu gostaria de ter US$ 1 bilhão. Digo que gostaria de ter US$ 1 milhão, o que também não tenho"

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O documento de fundação da Apple, assinado em 1.º de abril de 1976, definia a estrutura societária da empresa: 45% para Steve Jobs e 45% para Steve Wozniak. Os 10% restantes foram destinados a Ronald Wayne, um engenheiro que resolveu uma disputa entre os idealizadores do projeto e que teria a função de "juiz de paz" para desentendimentos futuros. Wayne tinha tudo para entrar para a história, mas virou nota de rodapé. Meses depois de assinar o documento, pediu para sair do projeto e ser pago em dinheiro. Trocou o que hoje seriam bilhões por US$ 800 - quantia que não dava nem para comprar um carro usado. Encerrou, assim, o capítulo Apple da sua vida.

Ou quase. Em 13 de dezembro, a casa de leilões Sotheby's vendeu o documento assinado por Jobs, Wozniak e Wayne por US$ 1,35 milhão para o bilionário venezuelano Eduardo Cisneros. O engenheiro americano, que ganhou a admiração de Steve Jobs quando os dois trabalharam juntos na fabricante de jogos Atari, nos anos 70, também é citado na biografia do empresário, morto em outubro, no capítulo sobre os primeiros passos da Apple. Wayne acaba de lançar nos Estados Unidos, por uma editora de nicho, o livro que conta sua versão dos fatos: Adventures of an Apple Founder (Aventuras de um Fundador da Apple), com prefácio de Wozniak.

"Você deve se arrepender" e "Você poderia um bilionário" são frases que o aposentado, hoje com 77 anos, ouve quando conta sua história. Conversando com ele, é possível perceber que a decisão de sair da sociedade da Apple não é algo que assombrou sua vida nos últimos 35 anos. "Tomei a decisão com base nas informações que tinha na época. Eu era duas décadas mais velho que Jobs e Wozniak. Tive uma experiência anterior como empreendedor e perdi tudo. Não queria passar pela experiência novamente", disse Wayne ao Estado, por telefone. "As pessoas querem saber se eu gostaria de ter US$ 1 bilhão. Gostaria de ter US$ 1 milhão, algo que também não tenho."

Antes de trabalhar na Atari, Wayne tentou a sorte como empreendedor: montou uma fábrica de máquinas caça-níqueis com a intenção de fornecer a cassinos de Las Vegas. A experiência, que deu prejuízo, serviu para mostrar ao engenheiro que seu talento não residia no empreendedorismo. "Não sabia pensar em todas etapas do negócio. Fechei trabalhos com empresas, recebi pagamento por protótipos, mas nunca pensei em royalties ou outra ferramenta que me gerasse renda no longo prazo."

O negócio, montado com a ajuda de familiares e amigos, teve de ser fechado. Mas, ao contrário do que geralmente ocorre com investidores que apostam em uma empresa nascente, sua família não ficou no prejuízo: o engenheiro fez questão de destinar o dinheiro do próximo emprego para pagar quem tinha apostado em sua empreitada. "Passei seis meses pagando cada centavo investido na empresa."

Encontro. Pouco tempo depois de abandonar o sonho dos caça-níqueis, Wayne entrou na Atari. Lá, conheceu Steve Jobs, que trabalhava como free lancer para a empresa de videogames. "Steve nunca foi o tipo de pessoa que se encaixasse em um ambiente corporativo padrão. Sempre foi contratado por projeto. Preferia trabalhar à noite, com os escritórios vazios", lembra. "Ele precisava de espaço para criar e sempre teve hábitos peculiares", diz o ex-sócio da Apple.

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A aproximação entre Jobs, Wozniak e Wayne, na época desenhista-chefe na Atari, se deu em eventos corporativos. O interesse de Steve Jobs residia especialmente nas habilidades administrativas de Wayne. O engenheiro foi responsável por colocar em ordem a documentação dos produtos da Atari, uma empresa que, apesar do êxito, ainda era pouco profissionalizada.

Diante da experiência de Wayne no mundo corporativo, Jobs o convidou para resolver uma disputa de propriedade intelectual entre os dois idealizadores da Apple. Wozniak queria manter o circuito eletrônico que havia criado como propriedade pessoal, o que resultaria em uso restrito da invenção à Apple. "Era óbvio que, neste caso, a posição de Jobs era correta. Depois de duas horas de conversa, Wozniak aceitou esse fato." O episódio rendeu a Wayne o convite para participar do projeto, com 10% do capital.

Na Apple, Wayne seria um "guru administrativo", que organizaria a gestão e solucionaria desentendimentos futuros. A ideia de abandonar a criação e exercer uma função burocrática, porém, desagradou o engenheiro, colaborando para sua quase imediata saída. "Sou um engenheiro interessado em criar, em saber como as coisas funcionam", diz.

Sem essa possibilidade na Apple, abriu mão da sociedade por meros US$ 800. Considerado o valor de mercado atual da gigante da tecnologia, os 10% de Wayne valeriam hoje US$ 37 bilhões.

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Depois da Apple, o ex-sócio continuou como engenheiro, trabalhando na criação de protótipos usados em equipamentos submarinos e de eletrônica militar. "Por causa da minha convicção de que era necessário atuar em todas as áreas da engenharia, minha tendência foi trabalhar em companhias de pequeno porte,"

Wayne se aposentou há sete anos. Vive hoje na pequena Pahrump, em Nevada. Tem casa própria e tem um estilo sem luxos. Além de escrever - Wayne já lançou um segundo livro, Insolence of Office, no qual ele oferece seus pensamentos sobre acontecimentos políticos e a natureza do dinheiro -, desenvolve projetos esporádicos para empresas de engenharia. Além disso, ganha dinheiro negociando contratos de ouro e selos antigos.

O engenheiro, que usa subterfúgios para responder perguntas sobre a vida pessoal, nunca se casou. Uma das poucas pessoas a quem revelou ser gay, ao longo de sua vida, foi justamente Steve Jobs.

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Ao chegar aos 70 anos e se aposentar, uma pergunta começou a incomodá-lo: o que faria quando a velhice o deixasse incapaz? A resposta veio em uma análise de sua vida profissional. Wayne lembrou-se de um jovem ex-colega, que durante anos lutou contra uma deficiência de aprendizado que limitava sua ascendência profissional. "Pensei: 'Confiaria minha vida a ele'."

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Wayne resolveu o problema da solidão convidando o ex-colega e família (mulher e três filhos) para morar em sua casa. O resultado do arranjo foi tão bom que, após perder sua casa durante a crise financeira, a mãe do amigo também veio morar na propriedade, que abriga duas residências em um terreno de um hectare. "Eu e minha família adotada vivemos confortavelmente." E, apesar de não ser um bilionário sócio da Apple, Wayne está satisfeito com outro título recentemente conquistado: o de vovô.

Trabalhou com Steve Jobs na Atari, nos anos 70. Em 1976, antes do lançamento da Apple, resolveu uma disputa relacionada à propriedade intelectual entre Jobs e o cofundador Steve Wozniak. Foi convidado a ser sócio da empresa, com 10% de participação.

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