BRASÍLIA - O setor varejista sentou à mesa com as instituições financeiras para tentar encontrar uma “solução de mercado” para o rotativo do cartão de crédito, a linha de financiamento mais cara do País, que é alvo de críticas por parte do governo e de parlamentares. O objetivo é encontrar uma saída consensual, costurada pelos integrantes da cadeia e, assim, evitar que medidas consideradas mais intervencionistas possam prosperar no Congresso ou em outras esferas.
“Solução de mercado é sempre melhor do que tabelamento”, afirma o presidente do Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV), Jorge Gonçalves Filho. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) é ainda mais enfática e refuta o que chama de “soluções simplistas ou artificialidades, que só agravariam o problema”, e reforça que o tema é complexo e sensível.
“Os bancos nunca negaram que os juros do rotativo são elevados, mas sempre procuramos levar o debate para a racionalidade econômica, a fim de que pudéssemos identificar as causas desse elevado spread (diferença entre os juros que as instituições financeiras pagam para captar no mercado e o que cobram quando emprestam)”, diz Isaac Sidney, presidente da Febraban, em entrevista ao Estadão.
Dados do Banco Central (BC), referentes a junho, apontam que a taxa média do rotativo está em 437,2% ao ano. Ou seja, em doze meses, a dívida mais do que quintuplica. Algumas financeiras, no entanto, chegam a cobrar quase 1.000%, segundo levantamento da autoridade monetária.
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O vice-líder do governo na Câmara, deputado Alencar Santana (PT-SP), é relator de um projeto de lei que vai receber o conteúdo do Desenrola, programa do governo federal de renegociação de dívidas, e já avisou que tratará, também, da questão do rotativo.
O texto do projeto, que é de autoria do deputado Elmar Nascimento (União-BA), determina que o Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleça limites para os juros do rotativo, que não poderão ser superiores aos tetos já estipulados para modalidades de crédito com perfil de risco semelhante, a exemplo do que ocorre com o cheque especial. Santana afirma que está ouvindo todos os atores da cadeia e que pretende apresentar o parecer em, no máximo, duas semanas.
Parcelado sem juros
O presidente do IDV admite que o acordo com as instituições financeiras terá de prever ajustes no parcelado sem juros, modalidade que se incorporou às vendas no comércio e que é apontada como uma das causas para as taxas elevadas do rotativo. “A proposta deve passar por uma redução do parcelado sem juros. Não a eliminação, mas uma redução dos longos prazos.”
O parcelado sem juros é considerado uma “jabuticaba” do mercado de crédito brasileiro – uma modalidade que só existe por aqui. Ela ocupou o espaço do cheque pré-datado e hoje é um dos motores do varejo.
Trata-se, porém, de um benefício cruzado. “A pessoa que cair no rotativo vai pagar pela suposta venda sem juros”, explicou ao Estadão a coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim. “É uma propaganda enganosa.”
Demandas do varejo
O presidente do IDV afirma, no entanto, que é contrário à imposição de um limite para o número de parcelas. “O desestímulo (ao uso do parcelado sem juros) terá de vir da queda do juro praticado no mercado. Se o comerciante tiver condições de oferecer um parcelamento com taxas mais baixas, que caibam no bolso do consumidor, tudo bem”, defende.
Além disso, o segmento negocia a redução das cobranças aos lojistas – aquelas que são devidas aos diversos elos da cadeia dos cartões: emissores, bandeiras e adquirentes. “A proposta de solução vai ter de incluir todo o ecossistema (do meio de pagamento) e responder às seguintes perguntas: Se for vender com juros, que taxa será essa? Como o varejo será impactado? As empresas vão reduzir a MDR (taxa cobrada dos comerciantes)? E essas mudanças vão ajudar no custo de antecipação dos recebíveis?”, pondera Gonçalves.
Com a proliferação do pagamento a prazo, a antecipação de recebíveis tornou-se uma operação frequente no comércio. Por meio dela, o lojista antecipa o valor que tem a receber do cliente, o qual foi parcelado. Para isso, ele pode acionar o banco ou a operadora do cartão. E, obviamente, paga uma taxa por isso.
Demanda dos bancos
A Febraban não quis detalhar as medidas que estão sendo debatidas, mas afirmou que o setor se mantém firme em algumas premissas, como a diluição do risco entre os elos da cadeia. “Hoje, esses riscos estão concentrados nos bancos emissores, que suportam todo risco da inadimplência, que é bastante elevada”, afirma Sidney.
O outro pilar é manter o cartão de crédito como um instrumento relevante para o consumo, mas promovendo o reequilíbrio da “grande distorção que só o Brasil tem”, com 75% das compras feitas com parcelado sem juros. “Com essas premissas, a Febraban não vai hesitar em buscar uma solução construtiva que passe por uma transição sem rupturas”, diz o presidente da entidade.
Próximos passos
Questionado sobre os próximos passos nessa negociação, o presidente do IDV diz que o setor pediu um prazo ao ministério da Fazenda para elaborar uma proposta e que, nesse meio tempo, seguirá conversando com as instituições financeiras.
Gonçalves considerou factível o prazo dado pelo ministro Fernando Haddad, que prometeu uma solução em até 90 dias. Independentemente do caminho escolhido, o empresário pondera que será necessário estipular um período de transição, para que comércio e instituições financeiras possam se adaptar.
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