SÃO PAULO E RIO - Os investidores estão tendo a impressão de que ritos de comunicação estabelecidos da Lei das SAs e preconizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não estão sendo respeitados quando se fala de Petrobras, segundo Fábio Coelho, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), que representa acionistas minoritários, porém relevantes da companhia.
“A gente aguarda manifestação da própria área técnica da CVM cobrando postura dessas partes interessadas que estão se manifestando em nome da companhia. Isso não pode acontecer”, ressalta ele.
O motivo do protesto diz respeito ao momento vivido pela Petrobras. Na última semana, a empresa se destacou no noticiário financeiro após decidir não distribuir dividendos extras. Resultado: despencou em valor de mercado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou uma reunião com ministros envolvidos na área e várias entrevistas foram dadas sobre o tema, antes de haver comunicações ao mercado via canais oficiais.
“Estamos num momento bastante sensível da companhia, no qual o noticiário mostra certo ruído na comunicação entre a empresa e o próprio acionista controlador, o governo federal”, diz Coelho. Segundo ele, os anúncios feitos, do ponto de vista de processos, estão “um pouco comprometidos”.
O Estadão procurou a assessoria da Petrobras sobre as críticas à comunicação da empresa e aguarda uma resposta.
“Ou seja, os canais institucionais e oficiais da empresa não estão sendo respeitados já que outros representantes do próprio acionista controlador, com a presença de ministros e do próprio chefe do Executivo federal, têm se manifestado sobre a companhia e, portanto, influenciando a leitura dos investidores sobre o cumprimento de seus planos de investimentos, sobre a estratégia da empresa”, acrescenta.
Para ele, evidentemente isso influencia o mercado com comunicados feitos fora dos canais institucionais. “Não bastasse, a gente também vê certo ruído de distanciamento entre os acionistas privados da companhia, que representam quase 50% da base acionária e seu acionista controlador”, afirma.
Ainda de acordo com Coelho, a opinião do acionista que tem maioria na estrutura do conselho de administração deve ser respeitada “e assim será”. “Mas seria mais sensível que as discussões feitas dentro do conselho e eventuais visões divergentes, de todas as partes sejam minimamente ouvidas e que os canais institucionais sejam respeitados, valorizando a própria figura do conselho”, afirma. “Não dá para a gente ter eventuais anúncios sendo feitos, chamadas de reuniões com comentários na imprensa, fora da dinâmica de divulgação oficial de informações.”
Riscos à governança
A situação da Petrobras foi discutida por acionistas privados na tarde desta quinta, em reunião que durou mais de duas horas, na sede da Amec. O Estadão/Broadcast apurou que participaram do encontro representantes de mais de 30 fundos de investimento com grande relevância no mercado de capitais.
Segundo pessoas a par das conversas, o mote do encontro foi a preocupação generalizada dos investidores com relação aos riscos à governança corporativa da estatal, que, inclusive, se sobrepôs à discussão em torno da decisão da Petrobras retenção dos dividendos extraordinários.
Além dos representantes dos fundos, participaram do encontro pelo menos três dos quatro conselheiros minoritários da estatal e que também compõem os quadros da Amec. A reunião aconteceu em formato híbrido, presencial e online.
“Fiquei positivamente surpreso com a grande participação (dos acionistas) nessa reunião. Há forte preocupação com governança corporativa, debate que não foi solapado por avaliações financeiras”, disse ao Estadão/Broadcast o advogado Francisco Petros, um dos representantes dos acionistas minoritários no conselho da estatal.
Segundo ele, os riscos à governança da Petrobras têm crescido e, com ele, a preocupação dos acionistas privados. “Há uma deterioração institucional da governança corporativa no Brasil, não só na Petrobras, mas em outras companhias. A CVM é relevante nesse contexto”, continuou Petros.
Na discussão, foram abordados importantes pilares da companhia, como a política de preços e endividamento. Nesse sentido, a avaliação é positiva.
“Há bons sinais. O desempenho tem sido bom, mas os riscos (à governança) têm crescido”, disse Petros. Entre esses riscos, ele cita a “decadência” da Lei das Estatais, cujo trecho sobre indicações políticas para estatais foi extirpado por decisão do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e a maneira pela qual o governo e a diretoria da empresa têm tomado decisões.
Os acionistas privados da Petrobras têm quatro assentos no colegiado de 11 membros da estatal, sendo duas definidas em votação separada da União e outros dois pela dinâmica do voto múltiplo.
Originalmente, o encontro na Amec foi organizado para discutir a situação da empresa e permitir que candidatos à ala minoritária do conselho possam expor sua visão e se apresentar aos acionistas. Nessa corrida, além de Petros, tentam a recondução o também advogado Marcelo Gasparino e o empresário Juca Abdala. O quarto representante dos acionistas hoje, Marcelo Mesquita, não pode concorrer à reeleição.
Fontes de mercado já circulam os nomes de Aristóteles Nogueira, indicado por um conjunto de fundos, e Jeronimo Antunes, apontado pela gestora Templeton, como aptos à disputa. Nogueira foi um dos que compareceram à reunião da Amec. A eleição do novo conselho da Petrobras vai acontecer em assembleia de acionistas marcada para 25 de abril.
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