Num contexto de cenário externo mais difícil, o Brasil tem sofrido mais do que países com perfil econômico parecido. Desde o início do ano, houve uma piora generalizada para os emergentes, mas as incertezas locais, sobretudo na área fiscal, turvaram ainda mais o cenário da economia brasileira.
Um termômetro que ajuda a dimensionar essa piora mais acentuada no Brasil é o risco país medido em Credit Default Swap - espécie de seguro contra o risco de calote dos países. De janeiro até 1º de julho, o CDS brasileiro subiu 38 pontos, para 170 pontos. É mais do que o observado em economias similares. No mesmo período, o do México, por exemplo, avançou 22 pontos, seguido por Chile (sete pontos), Peru (seis pontos) e África do Sul (cinco pontos). O pior desempenho foi da Colômbia, com alta de 39 pontos.
Outra forma de se apurar como o Brasil tem sofrido mais do que os seus pares é quando se olha para a média do risco país de Colômbia, México e África do Sul - economias classificadas com notas de crédito próximas às da economia brasileira pelas principais agências de risco. No último dia de 2023, a média do CDS desses países era 18 pontos maior do que a do Brasil. Em 1º de julho, caiu para dois pontos.
“Essa diferença mostra a piora relativa do Brasil com relação a outros pares”, afirma Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos. “O CDS piorou, mas piorou bem menos do que os preços de ativos locais, como câmbio e juros.”
É importante ressaltar que o CDS brasileiro tem uma volatilidade menor do que a se observava no passado. Isso porque o País tem contas externas saudáveis e acumulou um volume importante de reservas ao longo dos anos. Não existe, portanto, um grande risco de um calote iminente.
A incerteza sobre o rumo da economia brasileira fica evidente quando se olha para o comportamento do câmbio. Nesta semana, o dólar chegou a R$ 5,70. Nesta sexta-feira, 5, a moeda americana está cotada em R$ 5,48. No ano, acumula alta de 13,07%.
E o que explica esse movimento?
O movimento de piora generalizada no conjunto de países emergentes tem como pano de fundo a expectativa de que o Federal Reserve (Fed, banco central norte-americano) mantenha os juros altos por um período mais prolongado. Na virada do ano, num momento de euforia, os analistas chegaram a projetar que o BC dos EUA poderia fazer seis cortes nos juros este ano. Hoje, o cenário é de uma ou duas reduções.
Juros americanos mais altos levam os EUA a atrair capital de economias consideradas mais arriscadas e deixam os investidores mais seletivo com emergentes. “O Fed é o componente comum que faz o País sofrer com os demais emergentes”, afirma Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital. “O que a gente enxerga é que os nossos ativos pioraram mais do que a média dos outros emergentes e isso não está atrelado à dinâmica externa. Nos últimos dois meses, houve uma piora ditada pelas questões locais.”
No caso brasileiro, o cenário se revelou ainda mais desafiador porque o governo empurrou para frente a promessa de acerto das contas públicas. Em abril, a equipe econômica reduziu as metas de resultado primário dos próximos anos. Para 2025, o alvo de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) passou para 0%, o mesmo de 2024, que foi mantido. A meta de 2026 passou de um superávit de 1% do PIB para 0,25%.
Os alvos estabelecidos para 2027 e 2028 – já no mandato do próximo presidente – ficaram em saldos positivos de 0,50% e 1% do PIB, respectivamente. Hoje, os analistas são céticos sobre a capacidade de o governo entregar os resultados prometidos.
“A gente tem uma percepção de risco muito clara. E ela vem da situação fiscal. Essa é a base central de toda a preocupação”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
A economia brasileira precisa retomar os superávits primários - o resultado positivo entre receitas e despesas, sem contar o gasto com juros - para conseguir estancar o endividamento, considerado elevado para uma economia emergente. O grande nó apontado pelos analistas é que o Brasil só vai conseguir ter um número melhor das contas públicas se endereçar um ajuste também pelo lado do gasto, uma disposição que tem sido pouca - ou quase nada - sinalizada por falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Desde o início do mandato, a equipe econômica tem se valido de uma tentativa de acertar o rombo das finanças públicas com base no aumento de arrecadação. “É uma situação fiscal em que o presidente não sinaliza concretamente uma saída. Há uma percepção por parte do mercado de que por dois anos e meio vamos continuar nessa história, com o fiscal mal encaminhado”, afirma Vale.
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Na quarta, com o aumento da incerteza entre investidores e após seguidos avanços da moeda americana, o presidente Lula mudou o tom das suas falas e afirmou que o governo tem compromisso com a responsabilidade fiscal. A declaração também veio depois de o petista ser alertado por economistas de que a alta do dólar traria um impacto para a inflação.
Na noite de quarta, 3, ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez um pronunciamento e reiterou o compromisso do governo Lula com o arcabouço fiscal. Ele anunciou que já foram identificados R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias que deverão ser cortadas do Orçamento de 2025.
Além da parte fiscal, há outra incerteza relacionada com o futuro do Banco Central. O mandato de Roberto Campos Neto na presidência do BC termina no fim do ano, e o governo precisará indicar um novo nome para o comando da instituição.
“Não é um fiscal nem um Banco Central fora de controle”, afirma Vale. “A inflação vai ficar entre 4% e 4,5%, o BC está sinalizando que deve manter os juros para conter as expectativas, tem um fiscal mal encaminhado, mas que tem a possibilidade de fazer um ajuste mais adequado no próximo governo.”
“A percepção é de que o risco aumenta porque as soluções de curto prazo e médio prazo não virão, mas não é uma situação complementarmente fora de controle”, acrescenta.
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