Preço ainda é a grande barreira para maior utilização da borracha da Amazônia, diz CEO da Mercur

Jorge Hoelzel diz que custo do produto nativo da floresta chega a ser quatro vezes mais alto, mas consumidor ainda não está disposto a pagar por isso

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Foto do author Shagaly Ferreira
Atualização:
Foto: Mercur/Divulgação
Entrevista comJorge HoelzelCEO da Mercur

Para compor o portfólio de borrachas de apagar, seu item escolar carro-chefe há 100 anos, a Mercur conseguiu chegar hoje à aquisição de até 75% de insumos renováveis, parte deles extraídos da Amazônia. A opção, no entanto, tem um custo não repassado pela empresa ao consumidor. Enquanto o valor da borracha natural de mercado custa até R$ 6 o quilo, a mesma quantidade de produto recolhida na região chega a R$ 18.

O preço é o que a empresa está disposta a pagar para atingir suas metas de sustentabilidade, como explica ao Estadão o facilitador de direção da Mercur, Jorge Hoelzel, cujo cargo é equivalente à função de CEO. Há 14 anos, a empresa sediada no Rio Grande do Sul (RS) mantém o projeto “Borracha Nativa”, para compra de matéria-prima cultivada nas comunidades extrativistas em territórios ribeirinhos e indígenas no Pará (PA) e em Rondônia (RO).

Entre 2010 e 2023, por meio do projeto, a companhia adquiriu mais de 63 toneladas de borracha natural da região e pretende chegar à aquisição de 30 toneladas/ano do material. Para Hoelzel, a aceleração dessa jornada, sem precisar diminuir margens de lucro, poderia vir de instituições financeiras que se interessem em investir na sustentabilidade, porém facilitando o acesso a crédito pelas empresas.

Essa discussão, segundo o executivo, pode avançar durante a 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30), em novembro de 2025. Ele espera que o momento possa gerar uma visão diferente de alocação de dinheiro, voltada para o que interessa à natureza e não para uma lógica do que pode render mais.

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Nos próximos meses, até a COP-30, o Estadão irá publicar semanalmente uma série de entrevistas para discutir problemas e soluções para a sustentabilidade e a transição climática nos mais diversos setores da economia, e as expectativas dos principais representantes do setor empresarial e da economia sobre o evento.

Leia os principais trechos da entrevista:

A Mercur tem um amplo portfólio de produtos à base de borracha, com látex de seringueiras amazônicas. Como tem evoluído, para a empresa, a ideia de produção sustentável?

Nós começamos o projeto da “Borracha Nativa”, na Amazônia, em 2010. Mas, em 2009, nós já tínhamos feito uma mudança cultural na Mercur, colocando um foco bastante forte nas questões de responsabilidade social e ambiental. Preferimos não chamar de sustentabilidade, porque não queríamos simplesmente “pintar as coisas de verde”. Queríamos realmente entender quais eram as nossas responsabilidades enquanto empresa e trabalhar sobre elas. Focamos, então, nas nossas matérias-primas, e uma das principais era a borracha. Até então, a gente usava tipos variados, a depender do preço. E, a partir da visualização da nossa responsabilidade, focamos mais na borracha natural, deixando de usar cada vez mais a borracha sintética. Já comprávamos muita borracha natural no Brasil, mas ela vinha dos seringais cultivados no centro do País. O Brasil ainda é um grande importador de borracha natural. O País produz em torno de 30% do nosso consumo, e o resto é importado da Ásia. A Mercur já importou essa borracha no passado, mas agora está no processo de comprar só a brasileira e aumentar a compra de borrachas nativas da Amazônia.

Há alguns setores da indústria que falam da intenção de ter uma produção sustentável, mas reclamam da falta de volume desses insumos. Como é essa questão com a Mercur?

É muito desafiador. Estamos sempre atrás disso e buscando comprar materiais mais naturais. Por exemplo, as borrachas precisam usar uma “carga” que é o que faz ela ser macia e se desmanchar quando apaga o lápis. Nós usávamos uma carga mineral, e agora conseguimos substituir por uma carga natural, que vem da mandioca. Essas modificações são fruto de muito estudo, até encontrar a matéria-prima adequada e compatível. A borracha precisar apagar, ser durável e não ressecar. Então, são muitos anos de avaliação para fazer isso acontecer. Por exemplo, outro material que temos estudado é a casca de arroz. O RS é o maior produtor de arroz do Brasil, e sobra muita casca. Normalmente, o agricultor usa essa casca para gerar energia e sobram cinzas. Essas cinzas, muitas vezes, conseguimos usar como matéria-prima para nossos produtos.

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Jorge Hoelzel é CEO da Mercur Foto: Mercur/Divulgação

E como está sendo o custeio do uso da borracha nativa amazônica?

O preço é o ponto que mais machuca todo mundo. O valor da borracha vinda da floresta amazônica é bastante caro. Mas nós não colocamos esse custo no produto final. Usamos o preço da borracha natural de mercado para precificação. O custo excedente vai para uma conta contábil que criamos para despesas por serviços ambientais.

A logística eleva esse custo?

Sim. Por exemplo, no Pará, os seringueiros normalmente moram a um ou dois dias de barco de Altamira (onde fica o projeto “Borracha Nativa”). O látex é colhido, transformado em um bloco de 20 quilos e transportado para a cidade para ser coletado. Isso tem um custo alto, pode chegar a quatro vezes o valor da matéria-prima natural normal. Tem bastante borracha natural, fécula de mandioca e casca de arroz de sobra para que a gente possa dar essa virada. Mas, é claro, tudo isso tem um custo. O preço é uma das grandes barreiras, mas nossa meta de chegar à aquisição de 30 toneladas anuais de borracha da floresta nos próximos anos. Hoje, nós compramos cinco toneladas por ano de borracha da Amazônia.

Por que a meta é de longo prazo?

Exatamente por causa do custo, senão a gente não aguenta. Se conseguirmos diminuir o custo, será melhor. Mas esta é uma questão muito delicada, porque é o valor que os seringueiros precisam para sobreviver. É o custo de manter a floresta em pé. Por isso, quando fazemos a precificação do produto, usamos o valor da borracha natural de mercado, que gira em torno de R$ 4 a R$ 6 o quilo. O que pagamos na floresta é em torno de R$ 16 a R$ 18.

Sem repasse ao consumidor final…

Não temos hoje na Mercur um produto que possa carregar esse custo. Por exemplo, uma borracha de apagar custa R$ 3 no ponto de venda. Com esse custo em cima, iria para R$ 6. Quando um pai e uma mãe vão fazer a compra da lista de material escolar, eles não vão comprar borracha de R$ 6. Por isso, a gente absorve esse custo.

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Coleção de borrachas de apagar Biomas do Brasil Foto: Mercur/Divulgação

E como vocês fazem a conexão com o consumidor para valorizar a ideia do sustentável?

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Tem um desafio grande, porque nós, enquanto consumidores, no geral, ainda não estamos dando atenção para a necessidade de cuidar do planeta. É um ponto muito importante, porque a gente prefere pagar mais barato, só que o barato está custando caro. No RS, por exemplo, com a última enchente, até hoje tem gente sem casa. Então, é um preço que a gente não quer pagar no produto, mas que a gente vai pagar em algum outro momento, por alguma catástrofe ambiental.

A Mercur fica no RS. O sr. percebeu que houve mudança na forma de ver as questões climáticas, após as enchentes?

Infelizmente - e é uma característica do ser humano - a gente percebe o que está acontecendo, mas, depois que passa o evento, quer se libertar, e parece que tudo volta ao normal. Está crescendo a nossa consciência, mas ainda está muito longe de ela perceber qual é o efeito daquilo que estamos fazendo e como é que a gente precisa se planejar para não acontecer de novo.

Quando falamos da agenda climática, lembramos imediatamente da COP-30. O sr. tem expectativas sobre o evento, no sentido de impulsionar e baratear uma produção aliada ao clima?

Todas as COPs, de alguma forma, trazem avanços. Algumas um pouco menos, outras um pouco mais. A COP-30 tem a condição de trazer um avanço maior porque as catástrofes estão acontecendo com mais frequência, e em mais lugares que antes não aconteciam. Na Europa, por exemplo, tem países que estão sofrendo muito com isso tanto quanto aqui. Mas vai ter de existir um interesse maior de quem tem o dinheiro para financiar essas questões que precisam ser mudadas. Tem muito dinheiro espalhado, mas ele ainda não está sendo empregado ou está sendo pouco empregado para a agenda climática. Precisa vir mais dinheiro para combater as mudanças climáticas. Ter mais financiamento, com prazos maiores e juros menores. Isso precisa ser estimulado, porque nós ainda estamos colocando nosso dinheiro naquelas coisas que rendem mais e, hoje, as coisas que rendem mais são coisas que não têm nada a ver com a natureza.

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De onde virão essas soluções?

Tem de vir de todo mundo. A gente não pode esperar só pelo poder público. O poder público tem seus problemas políticos para resolver, que são muito maiores do que os nossos. As próprias indústrias precisam focar nisso. Por exemplo, nós investimos até R$ 300 mil por ano em despesas ambientais (além da compra da borracha amazônica). Parece um valor pequeno, mas para nós ele é grande. Se todas as indústrias conseguirem fazer a sua transformação para produtos mais sustentáveis, isso vai gerar um capital no mercado para melhorar a situação. É o que eu digo: quando for fazer o investimento, é preciso olhar para onde se está colocando esse dinheiro, e não só no quanto ele vai retornar em tempo e valor. Olhar também para o benefício ambiental e social que ele vai trazer.

Então, seria pensar uma estratégia em cadeia?

Talvez o governo federal tivesse de ter um trabalho muito mais amplo de fazer essas conexões. Porque a indústria até tenta, mas às vezes é difícil, pois a concorrência é grande. Tem de haver algum mediador que seja bom para todo mundo, que não leve vantagens para a empresa A ou para a empresa B. Tem de ser alguém neutro e que possa conduzir parcerias tanto do mercado financeiro, quanto do mercado industrial e de serviços também, para poder promover o melhor uso de tudo o que temos na natureza.

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