PUBLICIDADE

Publicidade

Sabesp: privatização tem bases sólidas e risco de Justiça barrá-la é baixo, dizem especialistas

Advogados afirmam haver elementos suficientes para defender a desestatização como foi aprovada na Alesp, apesar de promessa de judicialização da oposição; processo no STF não deve prosperar

Foto do author Beatriz Bulla

A probabilidade de a Justiça derrubar a privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), até o momento, é baixa, segundo especialistas na área. Mesmo antes da aprovação pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) do projeto de lei que autoriza o governo paulista a dar andamento aos planos de desestatização, na quarta-feira, 6, partidos da oposição ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), recorreram ao Judiciário para tentar obstruir o processo.

PUBLICIDADE

Parlamentares de esquerda prometeram, no curso dos debates, levar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF) e questionar a privatização nas câmaras municipais de cidades com contratos com a Sabesp. O governo paulista diz confiar que os planos da oposição serão frustrados.

“Todo processo de privatização tem um elemento político forte. Então, é muito difícil não parar no judiciário, mas, pelo que tenho acompanhado, o Estado de São Paulo está procurando fazer uma modelagem bastante séria. Me parece mais barulho (o debate sobre judicialização). Não parece que tenha havido algum vício”, afirma o advogado André Luiz Freire, sócio de Infraestrutura e Energia do Mattos Filho e professor da PUC-SP.

Ele afirma que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) sobre o assunto que já tramita no STF desde antes da aprovação do projeto pela Alesp tem “pouco argumento jurídico”. A ação, proposta pelo PSOL e pelo PT, questiona o decreto de Tarcísio que pode facilitar os trâmites da privatização. O decreto muda a competência dos conselhos das Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário (Uraes), que podem, a partir de agora, mudar os contratos vigentes entre prefeituras e Sabesp.

“O processo existente no STF não deve prosperar”, concorda Paulo Henrique Dantas, advogado do Castro Barros Advogados, especialista em infraestrutura e Direito Público. “Do ponto de vista jurídico, há elementos suficientes para defender a desestatização da maneira que foi aprovada”, diz.

Projeto que autoriza privatização da Sabesp foi aprovado na Alesp por 62 votos, número suficiente para a aprovação de uma PEC Foto: Rodrigo Romeo/Alesp

Em uma sessão sem a presença da oposição e após confronto de Policiais Militares com manifestantes, a base aliada de Tarcísio aprovou a privatização da companhia na Alesp. Foram 62 votos a favor e apenas um contrário ao projeto enviado pelo governador de São Paulo. Eram necessários 48 votos para a aprovação.

Pouco antes da votação, PMs usaram gás de pimenta para conter manifestantes e cassetetes para dispersar o público. A oposição alegou que não era possível dar continuidade à sessão na mesma noite e acusou o presidente da casa, André do Prado (PL-SP), de cercear a atividade parlamentar. Os deputados da oposição não retornaram para a votação.

Publicidade

“A gente vai brigar em cada Câmara (municipal) e no Judiciário para barrar a privatização”, disse o deputado Donato (PT), durante sessão plenária. “Os aliados do Tarcísio lamentavelmente aprovaram a privatização da Sabesp, mas nós não abrimos mão da Sabesp pública. Vamos lutar judicialmente para que a vergonhosa venda da Sabesp não seja consumada”, escreveu o deputado Emídio de Souza (PT), na rede social X.

O argumento que a oposição estuda levar ao STF é o de que a privatização deveria ser debatida em Proposta de Emenda à Constituição (PEC) estadual, e não por meio de projeto de lei. Os 62 votos favoráveis à privatização, no entanto, desanimaram os parlamentares de esquerda, pois o placar garantiria aprovação inclusive de uma PEC.

O questionamento no STF, portanto, ainda que vitorioso, faria o processo legislativo recomeçar, mas com provável nova vitória de Tarcísio. Não há decisão tomada pela oposição, no entanto, sobre a estratégia a ser seguida a partir de agora. Uma ação que questiona a constitucionalidade da lei no STF só pode ser encaminhada à Corte após a sanção do governador, o que ainda não ocorreu.

Policiais militares entram em confronto com manifestantes que pressionavam vidros no plenário da Alesp Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Os parlamentares da oposição dizem que a Constituição estadual prevê que o Estado deve ter controle sobre as prestações de serviços de água e esgoto, o que fundamentaria a tese de que é necessário votar o tema através de uma PEC. A constituição paulista afirma que “o Estado assegurará condições para a correta operação, necessária ampliação e eficiente administração dos serviços de saneamento básico prestados por concessionária sob seu controle acionário”.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

O advogado André Luiz Freire, do Mattos Filho, afirma que essa interpretação não é adequada. “A Constituição não diz que é obrigatória a prestação via empresa controlada pelo Estado, nem poderia fazer isso, pois seria uma imposição aos municípios. O que diz é que, caso tenha uma companhia controlada pelo Estado, essa companhia deve ter as condições de prestar o serviço”, afirma o especialista. Ele também afirma que a definição de “controle”, no direito, não é tão objetiva. “O Estado pode não ter participação majoritária e ainda assim ter certo controle”, afirma.

O especialista também afirma que, recentemente, a maioria dos ministros do STF tem dado “maior deferência às opções políticas em matéria de privatização”.

“Há poucas chances de ser questionada em razão da legislação estadual, porque o projeto é baseado no Marco Legal do Saneamento. Da maneira que foi conduzido, está mais calcado em uma lei federal. Acredito que as bases legais estão sólidas”, afirma também o advogado Paulo Henrique Dantas.

Publicidade

Governo se diz otimista

O secretário-chefe da Casa Civil de São Paulo, Arthur Lima, diz que o governo paulista está confiante de que as tentativas da oposição de frustrar a privatização da Sabesp serão mal-sucedidas. Ele prevê que a oferta de ações da empresa, na Bolsa, acontecerá ao longo do primeiro semestre de 2024.

“O estudo (com números necessários para a precificação da operação) fica pronto em janeiro. Vamos aprovar tudo no primeiro semestre”, afirmou Lima ao Estadão. Ele também diz que está em diálogo com a Câmara Municipal de São Paulo e que tem indicativos de que os vereadores paulistanos devem aprovar também o texto.

Segundo Lima, o governo aguarda a comunicação da votação de quarta pela Alesp para que o projeto de lei seja sancionado pelo governador, o que, segundo ele, deve acontecer nesta sexta-feira, 8, ou no início da semana que vem.

Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas diz confiar que as tentativas da oposição de barrar na Justiça a privatização da Sabesp serão frustradas Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Braço-direito de Tarcísio no Palácio dos Bandeirantes, Lima minimiza as investidas da oposição ao governador. “Estamos muito fortes na ideia de que estamos corretos. O governador Tarcísio mantém sempre diálogo com os ministros do Supremo. A votação (na Alesp) demonstrou união da base, que estávamos no caminho correto, que a população entendeu o projeto. A oposição mostrou que é oposição”, disse.

Debate nas câmaras municipais

Os advogados ouvidos pelo Estadão dizem acreditar que o local onde deve haver mais discussão sobre o assunto é no plano dos legislativos municipais, especialmente na cidade de São Paulo. “Vejo um movimento mais forte do ponto de vista legislativo do que jurídico”, diz Dantas.

Em parte dos contratos da Sabesp com os municípios atendidos pela companhia está previsto o rompimento e a necessidade de renegociação em caso de transferência do controle acionário da empresa para o setor privado. É a situação do contrato com a cidade de São Paulo, que representa mais de 40% do faturamento da empresa.

A lei municipal 14.934, de 2009, que autoriza a Prefeitura de São Paulo a celebrar convênios com o Estado de São Paulo, a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) e a Sabesp, prevê o fim do contrato em caso de privatização. Cabe à Câmara, neste caso, a aprovação de uma nova lei sobre o assunto.

Publicidade

Um movimento do prefeito Ricardo Nunes, no entanto, pode fazer com que o governo paulista tente evitar o debate na Câmara Municipal de São Paulo. Em agosto, a Prefeitura de São Paulo aderiu a uma das unidades regionais de abastecimento de água e esgoto (Urae) criadas pelo governo do Estado, na gestão João Doria, para se adequar ao Marco do Saneamento e regionalizar os serviços. A adesão foi lida como um passo favorável à privatização, pois um decreto de Tarcísio permite que a renegociação dos contratos pelo governo do Estado possa ser feita em bloco, com as Urae, e não cidade a cidade

Projeto que permite privatizar Sabesp foi aprovado sem a presença da oposição no plenário da Alesp Foto: Rodrigo Romeo/Alesp

O presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite, tem dito que os vereadores não abrirão mão de debater o futuro da companhia. A situação da capital paulista é a mais emblemática, uma vez que representa uma fatia importante do faturamento da empresa e um eventual imbróglio político pode afastar investidores. A Câmara Municipal de São Paulo tem sido um terreno mais hostil ao governo paulista no debate sobre a privatização da Sabesp do que a Alesp.

“Entendemos que o decreto da Urae resolveria o problema, mas a Câmara tem direito de debater o tema. Vamos dialogar com a Câmara, não vejo motivos para isso atrasar (o processo de desestatização)”, afirma Arthur Lima, o chefe da Casa Civil paulista. Ele também diz que tem conversado com a Câmara Municipal paulistana sobre a possível análise dos vereadores sobre a privatização.

“Estamos em contato com o vereador Milton Leite (União, presidente da Casa). Acabei de falar com ele, e ele me passou que tem muita possibilidade de passar (ser aprovado) na Câmara em razão das qualidades que esse projeto tem”, afirmou.

Etapas da privatização

A aprovação na Alesp é uma licença para o governo do Estado seguir com os planos, mas o governo paulista ainda tem um caminho a percorrer até que a oferta pública de ações na Bolsa seja realizada. O governo precisará fazer reuniões com os 375 municípios atendidos pela Sabesp para elaborar documentos sobre a situação de cada contrato. A etapa deve incluir um período de consulta e de audiências públicas. As informações serão reunidas nas Uraes, para que os contratos com a Sabesp sejam renegociados, desta vez com validade até 2060.

O governo ainda precisa indicar o quanto deseja diluir sua participação e o quanto planeja arrecadar até lá, bem como a precificação da operação. Os dados devem ser conhecidos em janeiro, quando ficarão prontos os estudos detalhados sobre os números elaborados pela International Finance Corporation (IFC), ligada ao Banco Mundial.

O modelo da privatização, se aprovado, será o de oferta subsequente de ações, chamado de “follow on” — uma vez que a empresa já tem ações negociadas na Bolsa. Seu valor de mercado atulamente é de cerca de R$ 46 bilhões.

Publicidade

A empresa precisará, por fim, passar pelo rito estabelecido pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM) para oferta pública de ações, que inclui, por exemplo, apresentação aos investidores e período de silêncio.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.