Queridinho dos brasileiros, o cafezinho está cada dia mais caro. No supermercado, as marcas mais vendidas de café torrado e moído chegam a custar mais de R$ 50 o quilo, alta de 33% no ano. Já tem consumidor trocando seu café preferido por outros mais baratos ou reduzindo a quantidade de pó para fazer o chamado “chafé”, um café mais fraco. O produto entra na cesta básica e o aumento pode impactar a inflação, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da USP.
Especialistas apontam como causas dessa alta a queda na safra brasileira de café arábica devido às condições climáticas, o aumento na demanda mundial e a alta cotação do dólar em relação ao real. O preço do arábica, o café mais cultivado no País, disparou e acumula alta de 70% desde janeiro deste ano, segundo o Conselho Nacional do Café (CNC).
Na sexta-feira, 27, o café estava cotado a R$ 2.225,80 a saca de 60 kg em Guaxupé (MG), região referência em café arábica. Em Nova York, o café brasileiro tinha cotação de cerca de R$ 2 mil a saca, maior patamar desde 1977, quando uma geada histórica destruiu os cafezais do País. Agora, é uma combinação de fatores como secas prolongadas, altas temperaturas e maior consumo, aliados à alta do dólar que eleva o preço da bebida, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic).
As condições climáticas afetaram principalmente o café da espécie arábica, que produz uma bebida mais fina. No País, predomina o consumo do blend entre o arábica e o conilon, da espécie robusta, cultivada sobretudo no Espírito Santo.
Preços devem continuar altos
A previsão é a de que os preços continuem em alta durante o ano que vem, segundo o diretor-executivo da Abic-Café, Celírio Inácio.
“O café arábica historicamente sempre teve um valor maior que o conilon, embora recentemente tenha havido uma valorização do conilon devido à maior procura. Se considerarmos que a produção vem sendo insuficiente para atender as expectativas de consumo nos próximos meses e anos, e que o arábica está com a produção estagnada, os preços vão se manter elevados“, disse.
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O Brasil é o maior produtor mundial de café e o segundo país que mais consome a bebida, mas as últimas safras tiveram quedas de produção. De 63 milhões de sacas produzidas em 2020, houve queda para 55 milhões em 2023. A previsão para a próxima safra, que começa a ser colhida a partir de maio de 2025, é de 66 milhões de sacas, mas depende das condições climáticas. Muitas lavouras ainda estão formando grãos.
O País é o que mais produz também o arábica, por isso há grande expectativa em relação à nossa safra, segundo Inácio.
“Com o aumento no consumo, onde o arábica é mais procurado, a indústria interna vai ter concorrência direta com a indústria de fora do País. A valorização do café vai continuar no decorrer da safra 2024/25, embora ainda não haja clareza sobre a produção e consumo”, disse.
Segundo ele, o preço alto do café não está chegando ao campo. “O melhor dos mundos para o produtor seria se a produção fosse alta e o café estivesse armazenado com ele, mas a realidade não é essa. Este ano tivemos grãos mais leves, sendo necessário mais café para fazer a saca de 60 quilos, e uma produção bem restrita. Poucos produtores se apropriaram desse aumento todo porque boa parte de sua produção já estava comprometida a um preço menor quando ele fechou as contas”, disse.
O executivo lembra que o café já não é consumido apenas por hábito.
“Hoje ele é entendido como um alimento benéfico à saúde, inclusive como energético, por isso o consumo aumenta entre os jovens. Na cesta básica, o café sempre foi considerado um produto mais barato, por isso não prestavam muita atenção a ele. As pessoas agora vão cortar os desperdícios, mas não irão parar de consumir, pois é uma bebida que faz parte do dia a dia e leva as pessoas a aproveitarem seus momentos juntas.”
Peso no bolso
O brasileiro consome, em média, cerca de 6,4 kg de café por ano. Isso faz do Brasil o segundo maior consumidor da bebida no mundo, segundo a Abic-Café. Para um País que consome tanto, a elevação do grão tem pesado no bolso. O pacote de 1 kg está sendo vendido nos supermercados, em média, a R$ 49. Em janeiro, a média era de R$ 35. Algumas marcas de café comum chegam a R$ 60 o quilo.
Na quarta-feira, 18, a professora aposentada Mariana Jane Côrtes se surpreendeu ao ver o preço do seu café preferido a R$ 29,99 a caixa de 500 gramas no supermercado Pão de Açúcar, em Sorocaba, em São Paulo.
“Há um mês estava a R$ 19,99 e levei duas caixas. Agora, o jeito é escolher um café mais barato. Vou ter de abrir mão da qualidade, mas em casa não tem como substituir o café por outra bebida. Eu, meu marido e minha filha somos todos cafezeiros inveterados”, disse.
O representante comercial Abílio Rosa Neto recomenda pesquisar os preços. “Há uma variação grande. No meu bairro (em Sorocaba), um café da mesma marca estava a R$ 23 (500 gramas) em um mercado e a R$ 27 em outro. Todos subiram bastante e a qualidade não é a mesma”, disse.
Ele conta que são quatro pessoas na casa — ele, a esposa e dois filhos — e à tarde eles estão tomando chá de ervas, como hortelã e erva-doce, no lugar do café. “Também reduzimos a quantidade de pó no coador para o café coado com a mesma quantidade de água. Fica mais fraco, é o que chamamos de ‘chafé’”, disse.
Novos aumentos
Para o cafeicultor Eduardo Luiz de Bovi, que além de produzir o arábica na Fazenda Sete Senhoras, no interior paulista, tem loja de cafés especiais, o preço alto ainda não reflete o valor real do café. “Se considerarmos a cotação atual média de uma saca com arábica e conilon, o café sairia da fazenda custando quase R$ 38 o quilo, isso para um café não especial, sem contar os custos de torrefação e outros. Muitas torrefações grandes dividiram os aumentos que ainda devem ocorrer nos próximos meses. Grandes empresas trabalham com os estoques que já tinham”, disse.
Desde 2020, segundo ele, o produtor vem sofrendo com o clima, incluindo geadas, calor excessivo e longos períodos de seca, que podem estar relacionados com as mudanças climáticas. “Tudo isso fez com que a produtividade tivesse uma queda de 30%. Por conta da alta do dólar e escassez de mão de obra, o custo de produção nesse período passou de R$ 11 mil para R$ 22 mil por hectare. O impacto desse custo pode dobrar quando se considera a queda na produção”, diz.
Baixo impacto na inflação
O pesquisador Renato Garcia Ribeiro, responsável pela área de café no Cepea não vê perspectiva de redução no preço do café no curto prazo. “O Brasil vem de quatro safras com produção abaixo do potencial, e o Vietnã está colhendo com perdas de 10% a 15%, então os estoques estão baixos. Ainda não sabemos como vai ser a safra no primeiro semestre de 2025, já que os cafezais ainda estão consolidando as floradas. Não há nada que aponte redução na demanda de Estados Unidos, Brasil e União Europeia, os principais consumidores”, disse.
Para ele, 2025 vai ser um ano de café caro e um possível impacto na inflação pode acontecer, mas não será forte. “O café tem um peso baixo na cesta básica e um ou dois pacotes por mês reflete muito pouco. O que deve ocorrer é a mudança do consumo para marcas mais baratas. E também um consumo mais consciente, com menos desperdício. Hoje, o que mais consome café é o ralo da pia da cozinha”, afirmou.
Para o produtor Luiz Eduardo, o preço alto do café arábica não deve estimular novos plantios. “O produtor ainda está tentando se recuperar das perdas dos últimos anos e os preços que vemos hoje não chegam até ele. Muitos fizeram contratos futuros e entregaram o café abaixo de R$ 1.350, bem distante dos mais de R$ 2.100 atuais. Sem contar aqueles que perderam para a geada.”
Ele, no entanto, pretende aumentar sua área cultivada com café entre 10% e 15% em 2025, mas lembra que a produção só começa de 2 a 4 anos depois.
Quebra no conilon
Produtores de café conilon também tiveram perdas na safra passada, por isso não se beneficiam da alta no preço, segundo o cafeicultor Adriano Breda Rodrigues. Ele cultiva o café conilon em Barra de São Francisco, na região norte do Espírito Santo.
“Minha produtividade é alta, acima de 100 sacas por hectare, mas este ano a produção ficou em 34 sacas por hectare. A quebra foi reflexo de um período de seca que começou lá em 2023, com temperaturas absurdamente altas e incidência solar extrema. Aconteceu também em outras propriedades.”
Na época, conta, os produtores fizeram contratos futuros sem contar com a quebra de safra. “Muita gente tratou o café para colher mil sacas, mas colheu 200. Fiz contrato achando que teria um lucro bom, mas na colheita deu um terço do que eu esperava. Os preços de hoje são muito bons, mas é preciso que janeiro e fevereiro sejam meses sem veranico e sol de escaldar. Com esses preços, uma colheita razoável vai conseguir desafogar muitos produtores.”
Menos ondas de calor
Uma boa notícia para os produtores de café é que o verão de 2024/25 será de chuvas acima da média e temperaturas mais amenas, segundo projeções da Nottus, empresa especializada em consultoria meteorológica.
“O cenário climático será diferente do registrado em 2023/24, quando a seca e as altas temperaturas predominaram devido à influência do El Niño. Este verão promete chuvas acima da média para grande parte do País”, disse Desirée Brandt, executiva e meteorologista da Nottus. Segundo sua análise, a temporada será de baixa incidência de ondas de calor, o que é bom para os cafeeiros.
Mesmo com a escassez do produto no mercado interno, as exportações brasileiras de café cresceram 5,4% em novembro, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). O País exportou durante o mês 4,66 milhões de sacas de 60 kg, contra 4,42 milhões de sacas embarcadas no mesmo mês de 2023. A receita cambial teve um salto de 62,7%, com os ingressos passando de US$ 825,7 milhões para os atuais US$ 1,34 bilhões.
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