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Reflexões sobre desenvolvimento econômico e meio ambiente na Amazônia

Opinião|A bioeconomia na Amazônia precisa mesmo se industrializar para ganhar valor agregado?

A promessa de industrialização encanta, mas empresas da região podem ter mais sucesso com produtos frescos ou minimamente processados

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Foto do author Salo Coslovsky

Em janeiro de 2023, fui a Nova Jersey conhecer um depósito credenciado pela Bolsa de Mercadorias de Nova York para armazenar cacau. Lá, encontrei 20 mil toneladas de amêndoas provenientes de múltiplos países, incluindo Costa do Marfim, Gana, Equador, Bolívia e Papua Nova Guiné. Só não tinha do Brasil. Ainda não consegui visitar depósitos dedicados a outros produtos capazes de promover a conservação e regeneração da Floresta Amazônica, bem com apoiar a inclusão econômica de seus habitantes. Se tivesse ido, teria visto a mesma coisa.

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As estatísticas de comércio exterior reforçam essa afirmação. Empreendimentos sediados na Amazônia brasileira já exportam 60 produtos compatíveis com a floresta, mas sua participação não alcança 0,2% de um mercado global, que movimenta cerca de US$180 bilhões por ano.

Aliás, nem precisamos ir tão longe. Até hoje, é difícil encontrar produtos compatíveis com a floresta oriundos da Amazônia nas lojas do nosso próprio País, seja nas gôndolas dedicadas a alimentos frescos, seja nas seções dedicadas aos produtos processados.

Os otimistas podem ver essa situação como uma oportunidade de crescimento, mas quem acompanha o tema sabe que a escassez desses produtos representa um fracasso. Desde o final dos anos 1980, órgãos públicos, privados e multilaterais têm designado verdadeiras fortunas tentando defender a floresta e seus habitantes através da comercialização de seus produtos. Os resultados foram modestos. Grande parte das empresas apoiadas continuam pequenas, e a maioria das cooperativas e associações comunitárias depende de um fluxo constante de doações para manter suas finanças equilibradas.

Uma avaliação cuidadosa pode revelar os principais erros que os apoiadores cometeram nesse período. Minha pesquisa sugere que um dos erros mais críticos é a insistência, quase uma obsessão, de tantas dessas iniciativas em reduzir as exigências que recaem sobre esses negócios para que eles produzam alimentos processados, remédios, cosméticos, bijuterias e outros produtos industrializados para o mercado doméstico, ao invés de produzir frutas, sementes, fibras, seivas, raízes e peixes - que tanta gente desmerece como sendo “commodities” de “baixo valor agregado”.

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Produção de açaí na Amazônia; região deveria oferecer itens com atributos como garantia de sanidade alimentar, características físicas, químicas e sensoriais desejáveis, rastreabilidade, confiabilidade nas entregas e respeito à normas sociais, trabalhistas e ambientais Foto: Nino Cirenza

Essa estratégia parece fazer sentido, mas está repleta de erros, armadilhas e limitações. Primeiro, industrializar não é a única forma de agregar valor. Pelo contrário, muitos negócios mundo afora conseguem ganhar um bom dinheiro produzindo itens frescos ou minimamente processados, desde que feitos com eficiência. Outro segredo é oferecer produtos com atributos valiosos, como a garantia de sanidade alimentar, características físicas, químicas e sensoriais desejáveis, rastreabilidade, confiabilidade nas entregas e respeito à normas sociais, trabalhistas e ambientais.

Segundo, a ênfase na industrialização é temerária, pois coloca empresas pequenas e frágeis, muitas vezes estabelecidas em locais distantes dos grandes centros urbanos, em competição frontal com grandes multinacionais como a Unilever e a Nestlé, no terreno que elas dominam há décadas.

Terceiro, as políticas clássicas de fomento, centradas em subsídios, isenções, garantias de preço e alívio de exigências regulatórias são atraentes e podem até ajudar no curto prazo. No médio e longo prazo, porém, premiam a mediocridade ao invés de promover a remoção de gargalos e a busca por excelência empresarial.

Por fim, muitos empreendedores e seus apoiadores apostam nos mercados locais e regionais, acreditando que aos poucos seus negócios vão ganhar as competências que precisam para vencer em mercados maiores e mais exigentes. Às vezes funciona, mas em inúmeros casos a falta de pressão competitiva faz com que esses negócios se acomodem, limitando seu ímpeto de aprimoramento e expansão.

A falta de bons resultados na promoção dos negócios da floresta é desanimadora, mas ainda não é hora de desistir. Não há dúvida que os habitantes da floresta e todos que zelam por ela merecem ser remunerados pelos inestimáveis serviços que prestam ao planeta. Ainda mais: seria cruel exigir que eles cubram seus custos vendendo geleias, licores e miçangas. Se quisermos remunerá-los com justiça, precisamos investir no pagamento pelos serviços ambientais.

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Dito isso, há muito espaço para o empreendedorismo verde, e as pessoas e as empresas que querem se engajar na produção e venda de produtos compatíveis com a floresta merecem receber um apoio que dá resultado. O dever dos apoiadores é agir com sabedoria, aprendendo com os erros e acertos do passado, financiando estratégias ousadas, porém realistas, e mantendo olhar sereno sobre riscos e benefícios. Na promoção do desenvolvimento econômico, assim como ocorre na política e nos negócios, a utopia é importante, mas o pragmatismo é essencial.

Opinião por Salo Coslovsky

Professor da Universidade de Nova York e pesquisador do Amazônia 2030

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