Nos últimos 20 anos, o Brasil provou sua capacidade de reduzir o desmatamento na Amazônia. Essa é uma conquista incrível e que merece ser celebrada. Em contrapartida, nossos esforços para “esverdear” a economia daquela região ainda não produziram os resultados desejados. Os negócios da bioeconomia são raros, geram receitas modestas, empregam poucos trabalhadores e frequentemente sobrevivem às custas de subsídios continuados.
Esse desequilíbrio, onde as iniciativas de fiscalização avançam com vigor enquanto as iniciativas de fomento apenas rastejam, gera ressentimento em boa parte da população local, que se vê refém de políticas impostas por gente de fora. Não surpreende, portanto, que a floresta continue sob ameaça constante - seja por obras faraônicas que dilaceram áreas nativas para servir interesses alheios, seja pela substituição de lideranças comprometidas com a floresta a cada ciclo eleitoral.
Uma bioeconomia pujante não é utopia. Com dedicação e criatividade, a Amazônia pode manter e restaurar sua cobertura vegetal ao mesmo tempo que torna-se grande produtora de alimentos tropicais como cacau, açaí, pimenta, castanha e peixes. Pode também fornecer ingredientes para as indústrias farmacêutica, nutracêutica e cosmética. Claro, pode produzir madeiras e derivados, além de insumos industriais como fibras, óleos, amidos e biocombustíveis. Por fim, pode atrair turistas e achar formas de cobrar caro pelos valiosos serviços ambientais que sempre ofereceu de graça. Conforme as áreas rurais avançam, as empresas urbanas desenvolvem tecnologias, produtos e serviços que também podem ser comercializados, trazendo prosperidade generalizada.
O problema é que temos investido em uma estratégia errada. Esse desacerto prossegue em três atos. Inicialmente, ativistas bem intencionados, líderes comunitários e seus aliados no governo e na filantropia observam que produtos florestais vendidos como matéria-prima reaparecem nas prateleiras dos supermercados por preços unitários muito mais elevados. Seduzidos por essa aparente oportunidade - mas sem considerar os investimentos, custos e riscos associados -, esses empreendedores levantam dinheiro para criar startups ou unidades de processamento nas comunidades.
Inevitavelmente, esses negócios operam em pequena escala e baseiam suas operações em locais deflagrados, remotos ou precários. Longe dos grandes centros, precisam pagar caro por insumos trazidos de fora e têm dificuldade em reter profissionais qualificados. Como resultado, acabam produzindo bens que custam o dobro, mas oferecem metade da qualidade.
Essas condições, por si só, bastariam para comprometer a viabilidade desses empreendimentos. O buraco que cavaram, porém, é ainda mais profundo. Ao “escalar a cadeia de valor”, essas iniciativas passam a competir com atravessadores e beneficiadores mais capitalizados e que sabem como lidar com as flutuações e idiossincrasias de seus mercados. Na Amazônia, a relação entre produtor e comprador sempre foi tensa, mas com esse movimento ela torna-se ainda mais hostil, sepultando de vez as chances de que esses atores conseguirão cooperar para fortalecer seu setor.
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Sem alternativas, os novos empreendimentos refugiam-se em mercados locais ou protegidos, que não demandam volume expressivo nem oferecem boas oportunidades de aprendizado. Alguns negócios excepcionais até conseguem algum sucesso comercial, e assim dão sobrevida à ilusão de que todos que seguem esse caminho podem prosperar.
O resultado é um ciclo vicioso, onde esses empreendimentos só sobrevivem com subsídios continuados, ao mesmo tempo que aprisionam talentos, recursos e a atenção dos seus apoiadores externos num esforço inglório, que perpetua baixo investimento, baixa inovação e baixa produtividade. Não surpreende que um dos maiores “sucessos” da bioeconomia atual seja a produção de brindes para eventos que celebram seu potencial.
Uma alternativa promissora está sendo desenvolvida pela ApexBrasil através das “Mesas Executivas de Exportação”. Inspirada em uma experiência peruana (que eu ajudei a trazer para o Brasil), essa iniciativa incorpora quatro inovações que rompem com as práticas convencionais. Primeiro, ela engaja um grupo pré-selecionado de líderes produtivos interessados em fortalecer seu setor, ao invés de obter proteção contra as forças de mercado. Segundo, ela prepara os negócios para competirem em mercados amplos e abertos, em vez de se refugiarem em nichos pequenos e fechados. Terceiro, a iniciativa prioriza a provisão de recursos compartilhados setoriais, como a inteligência de mercado, a diminuição de custos de transação, e melhores técnicas produtivas, ao invés de subsidiar recursos privados, como prédios e a oferta de crédito barato, que é abundante em teoria mas raramente se efetiva na prática. Por fim, as Mesas adotam uma metodologia experimentalista onde os diagnósticos são provisórios e andam junto com a implementação, permitindo assim avanços acelerados.
O trabalho com o setor da castanha-do-Brasil (que eu apoio através de minha pesquisa) ilustra esse potencial. Por meio da Mesa Executiva, as beneficiadoras brasileiras estão enfrentando coletivamente desafios como escassez de capital de giro, alto custo de certificação de qualidade e a baixa diferenciação da castanha nos mercados - problemas que nenhuma empresa ou iniciativa pública resolveria sozinha.
A ApexBrasil está fazendo um trabalho extraordinário com as Mesas Executivas, mas a bioeconomia demanda muito mais. Para começar, precisamos trocar o paradigma assistencialista por uma visão pragmática de negócios, pois o subsídio incondicional não é uma escada e sim uma armadilha. Na sequência, precisamos convencer as grandes entidades filantrópicas e os órgãos públicos ligados à economia a juntar-se ao time. Por fim, precisamos ajustar nossas estratégias para fortalecer setores inteiros, ao mesmo tempo que eles são expostos à disciplina competitiva do mercado. Desse modo, podemos construir uma economia visionária e que reconhece que preservação e desenvolvimento só existem se mantiverem harmonia.
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