BRASÍLIA - Estado mais rico do Brasil, São Paulo passou a defender uma reforma simplificada e rápida das regras do ICMS, em vez de apostar nas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) amplas de alteração do sistema tributário que tramitam atualmente no Congresso Nacional.
Como parte da nova estratégia, o governo paulista diz que aceita perder arrecadação no curtíssimo prazo para permitir a migração total da cobrança do tributo – que deixaria de ser feita no lugar onde os produtos são fabricados (o conceito de origem) para acontecer onde eles são efetivamente consumidos (destino).
A articulação foi antecipada pelo secretário de Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, e referendada pelo governador do Estado, Rodrigo Garcia, que tenta a reeleição ao cargo.
Ex-diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, onde acompanhou nos últimos cinco anos as dificuldades para a aprovação da reforma tributária, Salto vem conversando, nas últimas semanas, com representantes de outros Estados sobre a proposta. Se o movimento ganhar força, representará uma guinada em relação ao apoio dos Estados à PEC 110, de reforma mais ampla em tramitação no Senado e que já tinha recebido apoio dos governadores.
Por mais de duas décadas, São Paulo foi uma força de resistência, porque o Estado – que concentra o maior parque produtivo do País – não aceitava perder arrecadação com a migração de cobrança do ICMS. Ao Estadão, Salto disse que uma solução mais simples é pragmática e necessária para o momento de acirramento da guerra fiscal. Para ele, essa é a reforma possível e não dá mais para ficar parado esperando pela reforma ideal.
“O ICMS passou dos limites em termos de confusão e complexidade”, afirmou. Segundo ele, a deterioração do quadro macroeconômico, em que o Brasil não consegue mais crescer, e o sistema tributário “batendo pinos” exigiriam pragmatismo.
‘Pacto federativo’
O secretário pondera que a conjuntura mudou numa velocidade tremenda depois que os Estados concordaram em apoiar uma reforma mais ampla. Um dos exemplos das mudanças que impactaram os cofres estaduais foi o projeto que alterou a forma de tributação dos combustíveis. Ele admite que o Estado poderá perder receitas no curtíssimo prazo, mas pondera que o efeito positivo da mudança no aumento do PIB acabará mais do que compensando logo em seguida a redução de arrecadação. “Essa seria a contribuição de São Paulo para o pacto federativo. Uma reforma que, efetivamente, possa gerar crescimento econômico”, disse.
“É louvável a iniciativa do Estado de São Paulo. O ICMS é um imposto que, mesmo nas reformas tributárias atualmente discutidas no Congresso, que o substituem por impostos sobre valor agregado, coexistiria por muitos anos na transição dos regimes”, avalia André Horta, diretor institucional do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz) ao comentar a proposta de São Paulo.
Estados tentam estancar perdas com ICMS
O gatilho para São Paulo propor a discussão de uma proposta de reforma tributária focada apenas no ICMS foi disparado pelos projetos aprovados recentemente pelo Congresso.
Para diminuir a alta de preços e frear a inflação às vésperas das eleições, o governo federal negociou com o Congresso a aprovação de dois projetos que reduziram a alíquota do tributo sobre combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte.
Diante da polêmica aberta com as alterações, foi formada uma comissão de conciliação, sob a condução do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para buscar uma saída para o ano que vem. Diversas decisões judiciais também vêm reduzindo o escopo arrecadatório do ICMS, um problema para o caixa dos Estados nos próximos anos.
Os governadores alegam que as novas leis ampliaram a insegurança jurídica em torno do ICMS – que é a principal fonte de arrecadação dos governos regionais. Parte da sua arrecadação (25%) é também compartilhada com os municípios. Em 2021, os Estados arrecadaram R$ 659 bilhões com o ICMS, o equivalente a 7,56% do Produto Interno Bruto, de acordo com cálculos do Tesouro Nacional.
Ex-secretário de Fazenda e especialista na tributação do ICMS, o diretor institucional do Comsefaz, André Horta, considera que aprimorar o ICMS traria benefícios para o País, independentemente dos rumos que o Congresso tome no próximo ano quanto à tributação indireta.
Guerra fiscal
O emaranhado de regras do atual sistema tributário provoca uma guerra fiscal entre os Estados, sobretudo por meio de alíquotas interestaduais de cobrança do ICMS. Essa guerra acaba, na prática, inviabilizando a tributação na origem e no destino com uma série de manobras dos Estados para atrair investimentos.
No cenário de hoje, São Paulo, por exemplo, tem de dar incentivo tributário para não perder determinadas empresas e indústrias, assim como os Estados menos industrializados. A complexidade do sistema tributário faz o custo da produção no Brasil ser muito mais alto do que em outros países, afirmam os governadores.
O secretário de Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, explica que, para simplificar, não seria necessário criar um novo imposto. De acordo com ele, esse poderia ser um primeiro passo na direção de uma reforma mais ampla. “Melhor avançar do que ficar parado”, argumenta ele, diante dos problemas adicionais gerados com as mudanças recentes do ICMS.
Um dos entraves para a reforma, mesmo com a nova proposta de São Paulo, ainda persistiria: a criação de fundo de desenvolvimento regional com recursos para os Estados investirem em projetos. Como a reforma pressupõe o fim da guerra fiscal, os Estados mais pobres terão mais dificuldade para atrair investimentos via incentivos tributários. Esse fundo teria de ter recursos aportados pela União. Pela proposta de São Paulo, os Estados teriam acesso aos recursos do fundo apresentando projetos de investimento.
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