BRASÍLIA - O projeto de lei que altera as regras do saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) divide alas do governo federal. A Caixa Econômica e a Casa Civil acenderam o alerta diante do risco de descapitalização rápida do fundo, que é a principal fonte de financiamento de recursos para a infraestrutura e banca projetos políticos relevantes do governo Lula, como o Minha Casa Minha Vida.
Elaborado pelo ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, o texto dá acesso ao saldo do FGTS a trabalhadores demitidos sem justa causa que tenham aderido ao saque-aniversário - e, por esse motivo, ficaram impedidos de receber os recursos em caso de desligamento.
Pela proposta feita pelo Ministério do Trabalho, todos os trabalhadores demitidos desde o início da vigência da modalidade, em 2020, poderiam ter acesso ao saldo do FGTS.
A equipe de Marinho calcula que a medida poderia injetar até R$ 14 bilhões na economia neste ano, mas a iniciativa preocupa a Caixa, que teme problemas de funding, ou seja, de falta de recursos para a realização de empréstimos e investimentos em saneamento básico, habitação e infraestrutura.
Cálculos preliminares feitos por técnicos do governo indicam que a medida poderia levar a uma desidratação equivalente a 70% do orçamento para crédito do FGTS de 2023. Neste ano, o fundo prevê usar R$ 100 bilhões para emprestar à infraestrutura e habitação.
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Os efeitos do saque maciço ainda seriam sentidos ao longo de cinco anos subsequentes. E não apenas no volume de crédito a ser emprestado, mas também na redução da rentabilidade dos cotistas do fundo (todos os trabalhadores com carteira assinada).
Isso porque, para compensar a baixa no volume disponível para crédito, o FGTS teria de acessar os recursos feitos em aplicações financeiras, que remuneram o fundo e que são devolvidos aos cotistas anualmente.
Saques fracionados
Uma das medidas estudadas para amenizar a baixa no funding para infraestrutura é diluir a permissão de saques retroativos ao longo dos próximos meses, a fim de evitar uma descapitalização forte e concentrada no momento da sanção da lei.
O escalonamento já é uma evolução em relação à proposta original feita por Marinho, mas ele ainda está sob estudo dentro do governo e pode ser alongado para mitigar o impacto sobre os recursos disponíveis para infraestrutura.
O FGTS é a fonte de recursos mais barata hoje no financiamento de projetos e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva já lançou metas ambiciosas tanto para a construção de casas do Minha Casa Minha Vida quanto para as obras do PAC 3.
‘Desidratação’ do FGTS
Em março deste ano, a presidente da Caixa, Rita Serrano, já havia alertado para esse movimento de “desidratação” do FGTS. Na ocasião, ela destacou que os saques sucessivos e o aumento da informalidade no mercado de trabalho (que significa um volume menor de contribuições) estavam gerando um problema de sustentabilidade para o fundo.
Além do saque-aniversário, que permite retiradas anuais do FGTS, a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro permitiu três saques extras ao longo dos quatro anos de mandato.
Em dezembro de 2019, foi criado o “Saque Imediato”, que permitiu a retirada de até R$ 500 por conta. Em abril de 2020, foi a vez do “Saque Emergencial”, que liberou R$ 1.045 por trabalhador, em função da pandemia. E em março de 2022, período pré-eleitoral, houve o “Saque Extraordinário”, que liberou R$ 1 mil por beneficiário.
“Governo atrás de governo tem transformado o FGTS em complemento de renda e, com isso, dilapidando o patrimônio do trabalhador. É muito mais fácil criar um saque novo (do fundo) do que uma política pública que aumente o salário das pessoas. Mas isso não é correto com o trabalhador”, afirma José Carlos Martins, ex-presidente do Câmara Brasileira de Indústria da Construção (CBIC).
Ele vem tratando do tema dentro do setor e participará de uma audiência sobre o assunto na Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, na primeira semana de outubro.
Retrição ao saque-aniversário
Além da resistência da Caixa, há outro impasse em relação ao texto. Alas do governo avaliam que o projeto de lei, caso seja enviado ao Congresso, não será de fácil aprovação por trazer um dispositivo impopular.
O Estadão apurou que a minuta da proposta impede que o trabalhador demitido retorne ao saque-aniversário depois de sacar o saldo remanescente do FGTS. Dessa forma, ele voltaria a ficar vinculado apenas ao saque-rescisão - evitando as retiradas periódicas do fundo.
Ou seja: seria uma forma de restringir o uso dessa modalidade, que é criticada por Marinho e sua equipe, que veem um desvio de finalidade e uma injustiça ao trabalhador demitido (veja o vídeo abaixo). O problema é que esse tipo de saque anual ganhou escala ao longo dos últimos quatro anos e passou a movimentar bilhões de reais no sistema bancário, por meio de empréstimos que antecipam as retiradas.
Os números dão a dimensão de quão espinhoso é o assunto. Segundo a Caixa, 32,7 milhões de trabalhadores optaram pelo saque-aniversário, sendo que metade (16,9 milhões) contratou financiamento tendo esses montantes como garantia. Até agosto de 2023, o total contratado somava R$ 111,4 bilhões.
Dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), do início do ano, apontavam que 70% dos usuários dessa linha estavam negativados e não tinham acesso a outras fontes de crédito.
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