PUBLICIDADE

Publicidade

Atenção básica à saúde, com mais recursos, melhora no Centro-Oeste em ritmo superior ao do País

Internações por condições sensíveis à atenção primária caíram de 32,8% em 2000 para 16,4% no ano passado, na região; no Brasil, está em 17,6%; em Santa Catarina, Estado com alguns dos melhores indicadores na área, é de 15,7%

Foto do author Cristiane Barbieri
Atualização:

CAMPO GRANDE - No último ano de residência médica na Maternidade Cândido Mariano, em Campo Grande, Maria Carolina Povenelli saiu da sala de aula na Escola Técnica do SUS emocionada. Aos 32 anos e mãe de duas crianças, ela diz que o treinamento ministrado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), na última semana de setembro, havia sido uma virada de chave em seu entendimento sobre a importância da ação rápida e consciente em casos de risco de morte materna no parto.

PUBLICIDADE

“É um treinamento muito lúdico, em que a urgência nos ensina a confiar em nossa intuição e a não esperar exames cujos resultados que indicam risco de vida demoram a aparecer”, diz ela.

Ela não foi a única a se sentir impactada. Suelyn de Oliveira, enfermeira obstétrica, já viveu uma situação de emergência hemorrágica em parto, quando era residente. “Se eu tivesse tido esse treinamento à época, teria atuado e não ficado apenas assistindo aos outros profissionais agirem”, afirma.

Entre outras técnicas, médicos, enfermeiros, anestesistas e outros profissionais envolvidos no parto aprenderam a fazer suturas compressivas que evitam a retirada do útero em casos de hemorragia. O curso faz parte da oficina “Estratégia Zero Morte Materna por Hemorragia”, que voltou a ser ministrada após o salto da pandemia.

Maria Carolina, de preto e em primeiro plano: virada de chave Foto: Tiago Queiroz

Segundo dados do Projeto de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde (Proadess), o número de óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos, que estava em 65 em 2018 no Mato Grosso do Sul, foi a 128 em 2021, ano com os últimos dados disponíveis. Foi o que acendeu o alarme para a prioridade a esse programa de treinamento, que durará um ano, terá 10 oficinas e recebeu R$ 2 milhões em investimentos do Estado.

O trabalho de formiguinha tem feito os resultados da atenção básica à saúde de todo o Centro-Oeste melhorarem mais do que os do País, ao longo dos últimos anos. As internações por condições sensíveis à atenção primária caíram de 32,8% em 2000 para 16,4% no ano passado, na região. No Brasil, está em 17,6%. Em Santa Catarina, Estado com alguns dos melhores indicadores na área, é de 15,7%.

“Assistimos a uma palestra outro dia em que se falava sobre gestões públicas que não dão atenção à saúde primária porque os resultados vêm no longo prazo e a prioridade vai para gastos mais aparentes, como hospitais, UTIs e emergências”, diz Karine Costa, superintendente de Atenção Primária à Saúde da Secretaria de Saúde do Mato Grosso do Sul. “Só que o investimento em atenção básica resolve de 85% a 90% dos problemas de saúde de um território.”

Publicidade

Prioridade

Quando Karine começou a trabalhar na área, há mais de 20 anos, a saúde básica estava longe de ser uma prioridade. Havia pouco mais de 100 equipes, formadas por técnicos de saúde, enfermeiro, médico e agentes comunitários, para cobrir todo Estado. As mudanças começaram em 2007, quando foi formada uma coordenação que juntou várias áreas de atendimento, como saúde da criança e do adolescente, da mulher, do idoso, prisional e indígena.

Treinamento da OPAS/OMS: cuidado intensivo após aumento de morte materna por hemorragia no MS Foto: Tiago Queiroz

Hoje, o sistema de atendimento básico chega a 87% da população do MS e há uma coordenação para o sistema. Como a saúde pública é operada por municípios, gerida pelo Estado e tem as diretrizes estabelecidas pelo Ministério, os resultados vêm sempre no longo prazo e a melhoria muitas vezes acontece com atropelos.

Mas o governo federal também passou a dar maior prioridade à área nesta gestão, com a criação de uma secretaria específica para cuidados básicos. Programas implantados no governo Bolsonaro, como o Previne Brasil, também vêm sendo rediscutidos.

“Historicamente, o Mato Grosso do Sul teve gestores reconhecidos pela importância no avanço do SUS (Sistema Único de Saúde)”, diz Marília Louvison, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP. “Mas, no pós-pandemia, a reorganização do sistema público tem se dado em todo o País.”

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Além da Opas, no MS foram feitas parcerias com entidades como o hospital Albert Einstein para teleconsultas, em municípios nos quais não há especialistas como cardiologistas, endocrinologistas e reumatologistas. A ideia é que, além de atender à população, o sistema também ajude a treinar os próprios médicos generalistas que estão nos pequenos municípios no interior do País. Entre março do ano passado e agosto deste ano, foram feitas quase 2 mil consultas desse tipo, em 20 cidades. Agora, o sistema será ampliado para 100 pontos de atendimento.

Nesse caso, foram dadas prioridades às regiões de fronteiras para que possam ser atendidos tanto as populações indígenas quanto os imigrantes da fronteira. “Na hora de ganhar bebê, os bolivianos e paraguaios querem vir para o Brasil”, diz ela. Para atendê-los, também foram implementados diferentes protocolos, desde vacinações ao atendimento médico.

Outra mudança recente foi a prioridade dada a métricas. Entre diferentes medições de resultados e eficiência, o sistema público incorporou o Índice de Planificação da Atenção à Saúde (iPAS), também em parceria com o Einstein. Numa plataforma, são inseridos dados de treinamento e gestão, alinhados ao Previne Brasil, que incentiva ações estratégicas e pagamentos por desempenho. “No início de 2022, nossos indicadores estavam bem ruinzinhos, mas temos melhorado”, afirma. O trabalho foi feito no sentido de aumentar os repasses ao Estado.

Publicidade

Resistência

A exigência de buscar eficiência nos indicadores de saúde ao atendimento à população gerou, evidentemente, protestos nos profissionais da área. “No começo, havia resistência muito grande porque eles estavam acostumados a esperar o paciente chegar para ser atendido com dor ou com alguma condição ruim de saúde”, afirma Karine. “No cuidado básico, eles têm de ser ativos, gastar sola de sapato e ouvir muito os moradores de um território.”

Oficina "Estratégia zero morte materna por hemorragia" para enfermeiras e técnicas de enfermagem do Estado do Mato Grosso do Sul na Escola Técnica do SUS Professora "Ena de Araújo Galvão"  Foto: Tiago Queiroz

Segundo ela, depois que o novo processo de trabalho é incorporado, as reclamações diminuem e os profissionais passam a gostar do novo modelo. Nas duas regiões nas quais a Planificação da Atenção à Saúde foi implantada, as consultas são feitas na hora em que foram marcadas - e os médicos e pacientes gostam dessa previsibilidade. Hoje, Aquidauana e Três Lagoas estão entre as regiões de melhores indicadores do País nesse planejamento. No próximo ano, mais quatro regiões farão parte do sistema.

Na maior parte dos hospitais e UBS do Estado, porém, a população ainda precisa madrugar para ser atendida em consultas marcadas no fim do dia, por exemplo. Isso, quando elas são marcadas. “Ainda estamos muito longe de ser um sistema de saúde perfeito, mas é uma situação bem melhor do que há 20 anos”, diz ela.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.