Após três anos seguidos de prejuízo operacional, num acumulado de R$ 17,5 bilhões negativos, o setor de planos de saúde vem registrando resultado positivo em 2024 e trabalha com uma perspectiva de retomada moderada da estabilidade. Ainda assim, segundo dados públicos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), atualmente 277 operadoras continuam com resultado negativo.
O último ano fechado de balanço positivo foi em 2020, quando as receitas superaram as despesas em 8,2%, resultado explicado em boa parte pela pandemia e pelo decorrente distanciamento social. Já no ano seguinte, o setor amargou déficit de 0,4%, seguido por perdas de 4,1% em 2022 e 2% em 2023. “Este ano os resultados ainda estão difíceis para grande parte do setor, com perspectiva de melhora a partir de 2025″, indica Gustavo Ribeiro, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
Para o presidente da entidade que agrega 138 operadoras de saúde suplementar que somadas representam 34,7% dos beneficiários de planos médicos no País, o setor está no limite. Além de todas as turbulências decorrentes da pandemia, outras dinâmicas influenciaram nos resultados do setor de saúde suplementar. Uma delas foi o crescimento exponencial das fraudes contra planos de saúde. Em 2023, o setor registrou recorde de despesas médicas com reembolsos para beneficiários totalizando R$ 11,9 bilhões, quase o dobro do registrado em 2019 quando alcançou R$ 6 bilhões. Levantamento realizado pela Abramge indica que o aumento progressivo está intimamente ligado a fraudes.
Outro ponto relevante foi a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelecendo que em algumas situações as operadoras estão sujeitas a cobrir tratamentos e terapias não previstos no rol da ANS, o que foi precedido pela aprovação da Lei 14.454. Outra situação que justifica o aumento exponencial dos custos é a ausência total de protocolos e o consequente crescimento vertiginoso das terapias dos Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD), grupo que inclui o Transtorno de Espectro Autista (TEA).
“Um fato alarmante foi apontado recentemente pela pesquisa divulgada pela consultoria Funcional, que contou com uma base de dados com cerca de 1 milhão de beneficiários de planos de saúde. Nela consta que o custo da primeira faixa etária, de 0 a 18 anos, subiu 43% em 2022 e outros 16% em 2023. A variação é entre três a quatro vezes superior à encontrada na última faixa etária de 59 anos ou mais”, descreve Ribeiro.
Todos por todos
As despesas do setor são ampliadas por problemas estruturais, como as fraudes e o desperdício provocado pelo uso desnecessário ou abusivo dos recursos. Outro levantamento, desta vez realizado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), estima que esses fatores sejam responsáveis, juntos, por 13% das despesas totais dos planos de saúde no País, o que equivale a R$ 34 bilhões anuais.
A judicialização dos contratos – processos que frequentemente envolvem medicamentos de alto custo – é outra fonte de ampliação das despesas. Em 2023, os gastos com judicialização alcançaram R$ 5,5 bilhões, mais que o dobro do registrado apenas dois anos antes. “Nem toda judicialização é inadequada, mas é preciso que se tornem mais qualificadas”, diz Arnaldo Hossepian Jr., procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo, responsável por supervisionar o Fórum Nacional de Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por quatro anos. Para combater os danos provocados pela excessiva judicialização, o CNJ criou os Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NatJus).
Outra fonte permanente de pressão sobre os custos dos planos de saúde é a inflação médica, que sobe em ritmo superior ao da inflação geral devido à utilização crescente dos recursos médicos e dos investimentos em novas tecnologias, medicamentos e tratamentos. “É um sistema baseado em mutualismo, princípio em que as pessoas pagam quando não estão precisando para ter o direito de usar quando precisam. Considerando-se que os custos influenciam diretamente nos valores dos contratos, ocorrências como fraudes e judicialização resultam em uma conta que acaba sendo dividida entre todos”, lembra Gustavo Ribeiro.
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