RIO - Uma das maiores empresas de construção e operação de FPSO (sistema de produção de óleo que é essencial para a extração de petróleo no pré-sal) do mundo, com sete navios-plataforma em uso pela Petrobras e outros dois por vir, a holandesa SBM Offshore aguarda mudanças no modelo de contratação da estatal brasileira para voltar a frequentar suas licitações. De sua parte, a Petrobras sinaliza disposição em fazê-lo.
Ao Estadão/Broadcast, o diretor global de negócios da SBM, Olivier Icyk, disse que a SBM e seus pares enfrentam dificuldade para obter financiamento de projetos com previsão de operação terceirizada por 15 a 20 anos (charter). Pesam, entre outros motivos, as exigências da estatal e as expectativas de transição energética.
A alternativa, diz Icyk, é uma migração mais definitiva para o modelo de contrato BOT (construir-operar-transferir, na sigla em inglês), em que as unidades seguem construídas pela empresa, mas são operadas por um período bem mais curto, de dois a cinco anos para, em seguida, serem repassadas às petroleiras. Durante a construção, o pagamento é feito por etapas.
De fato, três grandes projetos da Petrobras enfrentam dificuldades, por vezes com licitações postergadas, esvaziadas ou canceladas: Sergipe Águas Profundas (Seap), na bacia de Sergipe-Alagoas, frustrado por duas vezes, e as revitalizações dos campos de Albacora e Barracuda-Caratinga, na Bacia de Campos.
Na semana passada, a diretora de exploração e produção da Petrobras, Sylvia dos Anjos, disse à revista especializada Brasil Energia que para destravar Seap adotará o modelo BOT, cujo custo deve girar em torno de US$ 3 bilhões.
“Estamos muito abertos. Se a Petrobras tiver projetos BOT, estaremos interessados. Hoje o Brasil responde por aproximadamente metade do nosso negócio e queremos que permaneça assim. Então, sem dúvida, se o modelo mudar, nós vamos participar (das licitações)”, diz Icyk.
A fala da Icyk faz jus à demanda da Petrobras, hoje a maior contratante de FPSOs no mundo, com 14 navios programados para entrar em operação até 2028 e, possivelmente, mais sete unidades entre 2029 e 2032.
O executivo da SBM se limitou a dizer que hoje é “complicado” obter financiamento para projetos charter de longa duração e, quando isso é feito, o preço da diária acaba muito elevado, acima do que a Petrobras está disposta a pagar. “Ou fazemos projetos EPC (engenharia, gestão de compras e construção), com pagamentos e fluxo de caixa neutro, ou fazemos um charter curto, de dois a cinco anos. É preciso discutir, como já fizemos com a Petrobras, contratos BOT”, diz Icyk.
Portfólio e encomendas
Eventual mudança no modelo de contratação, diz Icyk, não afetaria contratos em vigor entre Petrobras e SBM, de projetos já financiados. São os casos dos afretamentos dos FPSO Saquarema, Maricá, Ilhabela e Paraty, na Bacia de Santos, além de Anchieta, Capixaba, e Sepetiba, na Bacia de Campos — este último produzindo desde o início de 2024 e os demais acionados entre 2010 e 2016.
No curto prazo, a SBM tem dois contratos de afretamento a cumprir, o do FPSO Almirante Tamandaré, que deve chegar ao Brasil no fim de outubro e começar a operar no início e 2025 no campo de Búzios (Santos) e o FPSO Alexandre de Gusmão a ser instalado no campo de Mero (Santos). Esse navio será concluído em estaleiro na China, de onde virá ao Brasil no fim do ano para produzir o primeiro óleo na segunda metade de 2025.
O desafio da produção local
Icyk avaliou que é possível avançar nos porcentuais de conteúdo local em projetos instalados no Brasil e que a SBM está atenta e engajada para tanto. Ele ponderou que há uma limitação na fabricação metálica do País, tanto de infraestrutura quanto de mão de obra qualificada, a ser resolvida por políticas públicas.
Tópico de forte exigência do governo Lula sobre a Petrobras, o porcentual ideal de conteúdo local mirado pela estatal — 60% ou mais, embora os contratos apontem para 40% e 50% — varia a cada projeto, diz Icyk. O executivo diz haver boa capacidade produtiva no Brasil para avançar nessa agenda. Ele lembra que a SBM tem 7 mil funcionários, dos quais 2 mil já estão no Brasil e 250 são brasileiros no exterior, sobretudo na Guiana, onde a empresa opera três FPSOs da Exxon Mobil e tem outros dois em construção. No Brasil, a SBM tem sete navios-plataforma em operação para a Petrobras e mais dois por chegar em 2025.
“Não é problema fazer engenharia no Brasil hoje, nem compras de equipamentos. Existe uma cadeia brasileira competitiva a nível mundial, a ponto de podermos comprar equipamentos no Brasil para utilizar no exterior. O que é um verdadeiro problema é a fabricação metálica, porque a infraestrutura e a quantidade de mão de obra qualificada que você encontra no Brasil é limitada para as necessidades atuais”, diz Icyk, sugerindo que a solução para esse gargalo deve partir do governo federal.
Construção naval
Em pese as declarações favoráveis a conteúdo local, Icyk disse ao Estadão/Broadcast que a SBM não tem planos de voltar diretamente à construção naval, como fez no passado com o estaleiro Brasa que, inaugurado em 2012, chegou a empregar 3 mil pessoas mas fechou aas portas ao fim de 2018.
“Hoje não pretendemos investir na fabricação de instalações. Queremos encontrar parceiros industriais que trabalhem conosco em parcerias. Não somos nós que vamos fazer o desenvolvimento da frase de estrutura fabril. Vamos trazer negócios e buscar esses parceiros”, disse.
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O impacto da inflação
Sobre a alta inflacionária do setor apontada por empresas produtoras, Icyk diz que isso não está restrito ao Brasil, afetando o setor em todo o mundo, como resultado de dois fenômenos: o aumento de taxas sobre matérias-primas e movimentos de câmbio e um desbalanceamento entre a demanda das petroleiras e a oferta de fornecedores que atendem a empresas como a SBM.
Ele sugere que o cenário tende a se perpetuar, em função da capacidade limitada da indústria da cadeia e projeções de demanda por óleo, mesmo as mais conservadoras da Agência Internacional de Energia (IEA), que apontam uma falta de 20 milhões a 30 milhões de barris de petróleo por dia ao longo dos próximos anos.
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