Se divisão do Copom não for explicada, haverá consequências para inflação e PIB, diz Schwartsman

Ex-diretor do Banco Central alerta para risco de o Banco Central adotar uma postura mais leniente com a inflação no próximo ano; Schwartsman estreia coluna no ‘Estadão’ neste fim de semana

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Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Atualização:
Entrevista comAlexandre SchwartsmanEx-diretor do BC e consultor da A.C. Pastore

Ex-diretor do Banco Central, o economista Alexandre Schwartsman avalia como adequado o caminho adotado pelo Comitê de Política Monetária de reduzir o ritmo de corte da taxa básica de juros (Selic) diante do contexto de piora do cenário internacional e local. Ele pondera, no entanto, que a divisão de votos dentro do Copom precisa ser explicada.

“Se for um desacordo mais profundo, aí o problema é a sinalização que fica para 2025 em diante, porque a gente tem um Banco Central que vai forjar uma maioria que será bem mais dovish, muito menos comprometida com a convergência da inflação (para a meta)”, diz Schwartsman, também consultor da A.C. Pastore.

Na decisão que reduziu o ritmo de cortes da Selic para 0,25 ponto porcentual, todos os diretores que foram indicados pelo governo Lula votaram por uma redução maior, de 0,5 ponto porcentual, como vinha sendo praticado pelo BC até então.

“Se há concordância sobre o diagnóstico, e é um diagnóstico ruim, por que no final das contas escolheram votar por 0,5? E aí a gente vai ter de esperar para ver se tem alguma justificativa, se é uma questão pontual ou se tem um desacordo mais profundo sobre o rumo da política monetária”, afirma.

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Neste fim de semana, Schwartsman estreia como colunista do Estadão. Seus textos serão publicados no portal aos sábados e no jornal impresso aos domingos, a cada duas semanas. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia a decisão do Copom e a divisão que ficou marcada entre os diretores?

A decisão me pareceu adequada, mas a reação não está sendo boa. Quando eu digo que a decisão é adequada, o que está no comunicado – e aparentemente tem até um certo consenso dentro do comitê - é de que houve uma mudança considerável de cenário. Não só no que diz respeito ao cenário internacional, mas também no doméstico.

Poderia detalhar essa mudança de cenário?

O cenário internacional é razoavelmente conhecido e ousaria dizer consensual. Tem uma inflação americana que está demorando mais para cair e implicado uma mudança no que se imaginava que seria o início e a própria extensão do ciclo de redução de juros nos Estados Unidos. No começo do ano, dava-se de barato que começaria em março, depois, foi para junho e, agora, está ali para setembro - e sub judice. Vai depender muito de como vai se comportar o mercado de trabalho lá. O fato é que houve uma alteração grande. Estamos trabalhando com juros mais altos e um dólar mais forte globalmente e localmente. Isso tem algum impacto sobre a inflação.

E o cenário local?

A mudança mais radical da visão do comitê diz respeito ao cenário doméstico. E em algumas dimensões. A primeira é sobre a atividade. Até março, o cenário que o Copom trabalhava era de alguma desaceleração da atividade econômica. Agora, o comentário que eles fazem é de que a atividade e o mercado de trabalho têm apresentado maior dinamismo do que o esperado. Tem uma visão de uma economia mais forte e, presumivelmente, é uma coisa que torna a queda da inflação mais lenta daqui para frente.

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Quais outras mudanças o sr. apontaria?

Tem uma segunda mudança importante sobre a questão fiscal. E foram bastante duros, no atual contexto, no que diz respeito às mudanças de política fiscal que resultam do envio do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2025 e a sinalização para os anos seguintes. Houve uma redução geral da trajetória de resultados primários. Houve uma piora considerável das metas de resultado primário e todas as indicações são de que vai ser muito difícil cumprir a trajetória de gasto público que está embutida nas projeções da LDO.

Mesmo com o gasto total crescendo no talo do que é permitido pelo arcabouço fiscal, o avanço do gasto obrigatório esmaga o gasto discricionário, inclusive em ano eleitoral. O que significa que - muito provavelmente - vão ter de abrir o bico no que diz respeito também à evolução dos gastos. O gasto deve superar os limites colocados pelo arcabouço fiscal. Tem essa piora, e acho que o Banco Central chamou a atenção. Mas tem uma terceira piora, em parte consequência dessas duas primeiras, em particular da segunda, que é uma deterioração adicional das expectativas. O Copom falava em expectativas apenas parcialmente ancoradas. Agora, fala em completamente desancoradas - e vão ficar mais.

É esse contexto que ajuda a explicar o corte?

Não dava para manter (o ritmo de corte de juros). O cenário era diferente, e o Banco Central sempre enfatizou a questão de que o compromisso com o corte de juros era condicional. As condições mudaram, e ele mudou o corte de juros. E mais: ainda lá para frente sinalizou que não tem compromisso com trajetória de juros, tem compromisso com a convergência da inflação.

E a divisão de voto entre os diretores?

Entende-se que o comunicado é a motivação da maioria, não explica por qual motivo algumas pessoas acabaram escolhendo votar por uma trajetória diferente. Mas, isso dito, particularmente no que diz respeito ao diagnóstico, o comitê foi unânime. Então, é uma avaliação unânime de que o cenário global incerto e o doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativa desancorada demandam maior cautela. E é exatamente a raiz do motivo para desacelerar (o corte). Fica pouco claro qual foi o motivo para votar por 50 pontos. Se há uma concordância sobre o diagnóstico, e é um diagnóstico ruim, por que no final das contas escolheram votar por 0,5? E aí a gente vai ter de esperar para ver se tem alguma justificativa, se é uma questão pontual ou se tem um desacordo mais profundo sobre o rumo da política monetária.

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Se é uma questão pontual, provavelmente, o comitê tem condições de retomar a unanimidade daqui para frente e vida que segue. Se for um desacordo mais profundo, aí o problema é a sinalização que fica para 2025 em diante, porque a gente tem um Banco Central que vai forjar uma maioria que será bem mais dovish, muito menos comprometida com a convergência da inflação. E aí é o que a gente está vendo hoje (quinta-feira). Você pode até derrubar o juro curto, mas o juro longo vai subir, as expectativas de inflação vão subir, e os prêmios de risco vão subir, e o dólar fica mais caro. Quer dizer, é um cenário dos sonhos, só que ao contrário. É um cenário de pesadelo.

E a economia cresce menos...

A consequência dessa brincadeira toda é que a economia cresce menos. O juro longo é muito mais relevante do que o juro curto no que diz desrespeito à determinação da atividade econômica. E um dólar mais caro também acaba jogando contra. Não é um cenário legal. Essa divisão do Comitê, se não for muito bem explicada, tem consequências potencialmente negativas para inflação e crescimento via juro longo e via dólar.

Divisão do Copom precisa ficar clara na ata, afirma Schwartsman  Foto: Gabriela Bilo/Estadão

Os motivos dessa divisão devem ficar mais claros na ata ou, eventualmente, só na próxima decisão do Copom?

Eu gostaria que ficasse mais claro na ata. Se não ficar claro na ata, é sinal de que é mais profundo mesmo. Eu acho que a gente não vai ter de esperar a próxima reunião. Se na ata estiver que os (diretores) que votaram em 0,5 ponto concordam com tudo isso (o diagnóstico), então, é uma visão diferente de postura. Vai dar ruim.

E até onde o BC pode chegar no corte de juros?

A gente está trabalhando com 10%. Ou seja, mais dois cortes (de 0,25 ponto). Obviamente, em 2025 é uma outra diretoria, um outro jogo. Aí a gente vê. Pode buscar algum número mais baixo.

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E como fica a política de juros dos Estados Unidos?

Eu colocaria mais um corte até o final do ano. Temos sinais de algum desaquecimento da economia americana. A questão principal é se a velocidade dessa desaceleração é suficiente para que a gente caminhe para uma trajetória distinta de inflação. Me parece que não. Precisa ter indicações de que a desaceleração vai entregar uma inflação na meta num horizonte razoável. Hoje, ainda está cedo para dizer. O que eu vejo é – muito provavelmente – uma desaceleração lenta da inflação e aí o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) vai ter de encaçapar que não é um cenário de last mile (a última milha), tem o last two miles (últimas duas milhas). E aí com o last two miles fica um pouco mais difícil e e acaba empurrando o cenário de corte de juros. A verdade é que, hoje, o cenário mais provável ainda aponta para o início do ciclo acontecendo em setembro. Estão com um corte em setembro e, talvez, em dezembro. A gente acha que está mais para um do que para dois.

Na política fiscal, como o sr. vê o cumprimento das metas fiscais?

Eu acho que não vai cumprir a deste ano, mas não é o mais relevante nessa história. A questão principal é a seguinte: havia uma trajetória de metas quando o novo arcabouço fiscal foi anunciado com toda a fanfarra. E já começou com o pé quebrado. Veio com um baita déficit, mesmo se ignorar a questão dos precatórios. É um déficit recorrente superior a 1% do PIB, com uma trajetória de crescimento de gasto parruda. A chance de entregar essa trajetória de resultado primário é baixa.

Por quê?

Para começar, depende de um monte de receita que não se faz ideia se vai rolar ou não. Esse é um ponto. Tem um outro ponto mais grave. Você olha para o que está no PLDO e a gente vê, como regra, o gasto federal crescendo no limite permitido pelo arcabouço fiscal. Com exceção de 2028, está sempre no limite de 2,5%, além da inflação. É uma expansão grande dos gastos. Mesmo com essa expansão, olhando para o gasto discricionário, para caber dentro do limite, ele tem de ser menor a cada ano. Não é menor só como proporção do PIB nem menor ajustado à inflação. É menor em termos nominais.

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Então, para que essa trajetória de gastos se materialize, precisaria cortar o gasto discricionário, como o investimento, muito em comparação ao que é hoje, inclusive num ano eleitoral. Qual é a chance de isso acontecer? A nossa política fiscal está completamente fora do eixo. São favas contadas que eles não vão entregar nem a meta nem a trajetória de gastos que estão prometendo. Vão ser resultados geralmente piores e gastos maiores do que o que a gente tem. Temos uma política fiscal que certamente não é condizente com a convergência da inflação para a meta. E não foi de maneira gratuita que o Banco Central chamou a atenção para isso.

E qual é a consequência de lidar com todas essas incertezas locais num contexto de cenário externo mais difícil?

Como a gente tem relativamente pouca dívida externa e muita reserva, o termômetro para isso não é tanto a questão do CDS (Credit Default Swap, o “risco país”). Em última análise, o CDS vai olhar o que acontece com a dívida externa. O prêmio de risco vai aparecer no dólar e na curva de juros. A gente não está convivendo com o juro real de 5, 10 anos no topo porque o Banco Central é mais ou menos dovish. Estamos convivendo com o juro real alto porque o fiscal é um lixo.

Neste fim de semana, o sr. estreia a coluna no ‘Estadão’. Qual é a expectativa?

Sou um macroeconomista. É a parte mais charmosa, mas obviamente é a mais controversa. Vamos falar de inflação, fiscal, crescimento, do que esperamos lá fora. Obviamente, ao longo desse processo, eu vou acertar algumas, vou errar outras. Faz parte do jogo. Eu tenho tempo suficiente de janela para saber que errar não chega a ser um grande problema se você acerta mais do que você erra. Então, enquanto eu estiver acertando mais do que eu erro, continuo fazendo isso - ou, pelo menos, enquanto as pessoas acharem que acerto mais do que erro. O objetivo é, na medida do possível, tratar os temas que podem ser complexos da forma mais simples que puder colocar, sem perder o rigor - e no limite do humor permissível hoje em dia.

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